'Nosso marco é ancestral, sempre estivemos aqui' protestam indígenas contra tese do Marco Temporal.
por
Vitor Simas
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26/04/2024 - 12h

Na quinta-feira (25), uma marcha indígena tomou conta da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. 

Povos de diversas etnias no Brasil fizeram com que todos ouvissem seus cantos e vissem seus cocares, demandando a demarcação das terras de seus territórios. Sob o lema "Nosso Marco é Ancestral: Sempre Estivemos Aqui!", a manifestação foi uma resposta à tese do Marco Temporal, que contesta a existência de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas antes da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

 

mulheres indígenas se preparando para a marcha - Foto: Vitor Simas
Mulheres indígenas se preparando para a marcha em Brasília - Foto: Vitor Simas 

Demarcação

Cerca de 200 povos, representados inclusive por mulheres e crianças, partiram do Acampamento Terra Livre (ATL), localizado no gramado do Eixo Cultural Ibero-Americano, antiga Funarte, em uma mobilização organizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ao encontro das lideranças originárias com o presidente Lula, que na semana do dia 19 de abril, data alusiva à resistência dos Povos Indígenas, assinou decreto de homologação de apenas 2 das 14 Terras Indígenas, que havia prometido demarcar. 

Além do apoio da Apib, a mobilização recebeu o respaldo de três grandes movimentos sociais: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) e o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).  "A luta pela terra não é só dos povos indígenas", afirmou Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

 "O que estamos pedindo é o direito ao acesso à terra e ao território, não só dos povos indígenas, mas também de outros segmentos que fazem essa luta. Essa marcha marca um momento histórico dessa união de forças que lutam pela vida, que são todos os movimentos sociais que estão lutando e militando em favor da vida".

Eleições 

As lideranças indígenas ainda aguardam a confirmação de reuniões com grandes autoridades políticas, como o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A expectativa é que se possa discutir a cota de candidaturas indígenas nas eleições.

Os povos originários ocupam cerca de 13% do território nacional, com 724 áreas definidas como territórios indígenas. Além disso, esses povos somam aproximadamente 900 mil pessoas, reúnem 305 etnias diferentes e falam mais de 274 línguas. Contudo a quantidade de representantes indígenas na política ainda é muito pequena. Apenas em 2018, foi eleita a primeira mulher indígena no Congresso nacional, a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR). 

Recentemente, já sob o atual governo do presidente Lula, houve a criação do Ministério dos Povos Indígenas, o que representa um passo importante na inclusão da pauta indigenista na discussão política do país. Classificado como algo “inédito e histórico”, a pasta tem como ministra Sônia Guajajara, eleita deputada federal pelo PSOL e primeira indígena na história a ocupar um ministério.

Desafios

Segundo dados da (Apib), houve um aumento alarmante de 44% nas invasões de terras indígenas e de 21% nos casos de violência contra essas comunidades em 2023.  Desta forma a demarcação das terras indígenas é fundamental para os povos indígenas por diversos motivos:

  • Proteção contra invasões e pressões externas: Os povos indígenas enfrentam constantes ameaças, como a exploração ilegal de recursos naturais por garimpeiros e madeireiros. A demarcação é fundamental para garantir a segurança territorial e a integridade das comunidades.
  • Redução da violência: O aumento alarmante nas invasões de terras indígenas e nos casos de violência contra essas comunidades evidencia a necessidade urgente de demarcação para proteger os direitos humanos e a segurança dos povos indígenas.
  • Preservação da cultura e identidade: As terras indígenas são espaços onde as comunidades mantêm suas tradições, línguas e práticas culturais. A demarcação é essencial para garantir a continuidade dessas culturas ancestrais e a transmissão de conhecimentos para as futuras gerações.
  • Conservação da biodiversidade: Muitas áreas indígenas abrigam ecossistemas ricos e diversos. A preservação dessas terras contribui para a proteção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos essenciais para o equilíbrio ambiental e a sustentabilidade.
  • Respeito aos direitos indígenas: A demarcação das terras é um direito garantido pela Constituição brasileira e por tratados internacionais. Negar ou retardar esse processo é uma violação dos direitos humanos e da autodeterminação dos povos indígenas.

Em resumo, a demarcação das terras indígenas não apenas protege os direitos e a segurança das comunidades, mas também desempenha um papel fundamental na preservação da cultura, da biodiversidade e do meio de vida dos povos indígenas.

A aprovação da Lei nº 14.701/2023, lei do Marco Temporal, portanto, é um alerta vermelho à negociação da vida dos Povos Indígenas. Desde sua promulgação já foram registrados pelo menos  9 assassinatos de lideranças indígenas e mais de 23 conflitos territoriais. 

Enquanto não for declarada inconstitucional pelo STF, a mencionada lei permanecerá em vigor, gerando preocupação e insegurança para os povos indígenas do Brasil.

No Dia dos Povos Indígenas, ela debate sua história e as lutas de seus ancestrais
por
Luísa Ayres
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19/04/2024 - 12h
jaci
Jaci mostra sempre em suas redes sociais os eventos e festividades de seu povo / Reprodução: @jaci.martins_

Jaci Guarani é uma mulher, indígena, estudante bolsista e mãe de quase meia dúzia de filhos, em outras palavras, de cinco. Ela vem da etnia Guarani, e atua como militante das causas indígenas no estado de São Paulo. O nome de seu povo significa guerreiro, e talvez ela nunca tenha precisado ser tão guerreira quanto nos últimos anos. 

Segundo pesquisadores do Instituto Socioambiental (ISA), apenas no Mato Grosso do Sul, mais de 530 indígenas de sua etnia foram assassinados nos últimos 16 anos. Somado a isso, as invasões, a poluição ambiental, o estupro e a pedofilia a que são submetidos os indígenas, levam a pauta da demarcação de terras a ser uma das mais urgentes para os povos – não só pelo direito ao espaço, mas pelo direito à vida. 

Além disso, entre 2000 e 2020, houve um aumento de 167% nos números de feminicídio de mulheres indígenas, segundo o Instituto Igarapé.  

“A gente tá vendo que os não indígenas estão desmatando a Mata Atlântica, o pulmão aqui de São Paulo”, desabafa Jaci Guarani. Mesmo assim, nada parece ser forte o suficiente para abater a ancestralidade da neta de indígenas nômades, que saíram lá da fronteira do Uruguai. A caminhada foi longa, mas ainda não acabou. 

Akângatu

Jaci conta que seu avô ficou internado por 7 anos na Santa Casa. Nesse tempo, aprendeu a escrever e começou a anotar suas lembranças e ensinamentos em um diário, guardado por um Instituto que já não existe mais. Quer dizer, não existe mais no papel, mas resiste no coração de Jaci, que não só guarda histórias, mas as constrói. Afinal, neta da primeira mulher cacique do Brasil, ela garante que para seu povo “não existe só o homem”. “Se eu sou essa mulher que luta pela tekoa (aldeia), é porque essa mulher veio primeiro pra me inspirar”, garante ela. 

Apesar de todo o racismo, preconceito e machismo que enfrentou em sua vida, aprendeu na dor a força que tem a união. Foi contra a exclusão de tantas crianças indígenas que a avó de Jaci lutou pelo ensino regular dentro das aldeias, direito conquistado posteriormente em 2002. Apesar da educação euro centrada, a língua materna é de ensino obrigatório para as crianças de cada  tekoa. No seu caso, seu tronco linguístico é o Tupi, o que permite uma maior identificação entre os povos. 

“É preciso ter a língua materna e o ensinamento cultural voltado para a natureza, plantio e rituais ancestrais”, pontua Jaci, em um tom de preocupação, como o de quem não pode mais deixar que as lembranças e lutas de seu avô sejam novamente perdidos em papéis brancos, tão brancos quanto a pele daqueles que os silencia. A esses, talvez, tenha faltado o que para Jaci Gurani jamais faltou: “A gente aprende o respeito a todos os tipos de vida, o amor, o zelar, o estar cuidando”, conta, relembrando que aprender não e se limita a contas matemáticas e verbos de línguas estrangeiras. 

Além da educação, sua avó cacique também foi peça fundamental na conquista de postos de saúde para as aldeias, o que só aconteceu em 2005, apesar dos primeiros centros básicos de saúde no país terem sido criados por volta do ano de 1918. Não surpreende que as primeiras assistências, preocupações e direitos jamais sejam dados em primeiro lugar aos que já estavam aqui antes.  

aldeia
Casas na tekoa de Jaci, localizada próxima ao Pico do Jaraguá, em São Paulo / Reprodução: Jaci Guarani


Mãe Natureza

Jaci é mãe de 5 crianças. Ainda assim, para que pudesse tomar qualquer tipo de anticoncepcional, precisava da autorização de seu marido e de sua avó, que jamais concordou com essa ideia de pedir a ela permissão. “O corpo é dela, a decisão é dela. Não quero mais nenhuma mulher precisando de assinatura minha para não engravidar”, disse a cacique para todas as outras indígenas de sua tekoa naquela ocasião. 

Se para poucas decisões precisava da aprovação da avó, não a teve em uma de suas mais importantes. Jaci saiu da aldeia para casar-se com um não indígena. E quase deixou que a aldeia também saísse dela. 

“Eu não gosto que você vá para a aldeia ou que fale em idioma indígena”, dizia seu ex marido. Assim foi também com o nome de uma das filhas do casal, Taquá. Para ele, nada agradava ter uma descendente batizada com as  águas e ervas sagradas da floresta, abençoadas pelas divindades. Por isso, Jaci lutou muito pelo nome dessa criança. Não o de papel e documentos. O de alma. 

Outra parte da aldeia Guarani no Jaraguá. Para eles, é fundamental que as crianças brinquem e não reproduzam os vícios da internet e dos jogos / Reprodução: Jaci Guarani. 

Jaci conta que na hora que nasce uma criança indígena, um espírito vem à terra. O nome desse espírito, no entanto, só é sussurrado nos ouvidos do cacique cerca de 5 anos depois, se a criança ainda estiver viva, já que não se sabe se ela ainda estará feliz na terra ou se subirá antes aos céus. Esse nome, em todo caso, será o seu novo dali por diante. 

Pelo nome de suas filhas e pelo seu próprio, Jaci largou mão de seu  casamento e voltou à sua aldeia. Sem as repressões da sogra, sem as ofensas vindas do ex marido, apenas com a doçura daquilo que seu nome sempre significou. “Mel”. 

Nascida na região do pico do Jaraguá, terra demarcada em 1988, Jaci vive em uma aldeia de cerca de 1,7 hectares. Que deveria ser bem maior. 

O parque e as construções ao redor de sua casa, ameaçam a cada dia mais o seu povo. Para ela,  isso decorre de toda uma história de desprezo, violência e invasão, já naturalizados em nossa sociedade. 

“Nunca se falaram dos povos indígenas, nunca passamos na televisão”, protesta, chamando atenção também para o silenciamento e apagamento dessa luta.  

Tempo

Apesar disso, Jaci decidiu mostrar sua verdadeira face para quem quisesse olhar. E a quem não, paciência. A mesma enorme paciência que ela teve para acreditar que conseguiria se formar na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a PUC, uma universidade das mais elitistas do país. 

Aqui, começa sua história com o Pindorama, programa de bolsas de estudo fornecidas a estudantes indígenas - mediante prova e obtenção de nota como em qualquer outro processo seletivo. Isso, 11 anos antes das cotas para estudantes indígenas serem de fato sancionadas no país. 

Ainda assim, como para qualquer outro estudante bolsista, estar lá dentro não significa pertencer, ser aceito ou visto da mesma forma pelos outros alunos. Guarani guerreira, batalhou muito, mas essa não foi uma das lutas, dentre tantas outras, que pode vencer naquele momento. 

“Você não tem tempo para estar aqui”, ouviu da sua professora. Falar de tempo para Jaci, porém, é complicado. Para ela, isso é coisa de gente branca. Gente essa que manda e desmanda nas universidades – que acha que sabe do tempo de cada um.  

Como quem já não se preocupava mais com tempo nenhum a perder, afinal já tinha perdido muita coisa nessa vida só por ser quem realmente era, Jaci desceu as rampas da universidade em lágrimas depois de escrever sua carta de desligamento da graduação. Naquele dia, não perdeu só tempo. Perdeu chances, perdeu suas forças e sua esperança. 

“Eu passo muito preconceito aqui na PUC. Eu ando pintada e o racismo já começa dentro do ônibus”, desabafou. Afinal, a trajetória de sua aldeia até sua universidade, não era dolorosa só pela longa viagem. 

Jaci está falando do tempo da mulher indígena, ainda que esteja sendo contado nos relógios do sistema capitalista, que só marcam as horas de des(matar) e exterminar. Esse não é o tempo da colheita, nem o tempo da fertilidade, tampouco o  tempo dos rituais e pedidos atendidos. Porque se fosse, Jaci saberia muito bem. E esse tempo, teria de sobra. 

Ainda assim, voltou a estudar nesse mesmo lugar anos mais tarde. Como se o tempo a tivesse dado forças para tentar de novo. Recebeu uma ligação de um dos padres da mantenedora da universidade que leu sua carta com todos os motivos que a fizeram desistir de estudar. E pela primeira vez na história, tornou-se uma estudante indígena aceita de volta no Programa Pindorama. Isso porque, dentre tantas centenas de indígenas que desistem da universidade, nenhum pode, pelo regulamento, voltar a estudar com sua bolsa depois da desistência. 

Segundo o Inep, as mulheres indígenas representam apenas 0,5% dos estudantes universitários. 

Mesmo assim, Jaci voltou. Como quem ressurge das cinzas, mas ainda sente as feridas arderem em fogo. Fogo vermelho como tinta de pau-brasil. 

Felizmente, a doçura que Jaci carrega no significado de seu nome não amargou. Quem sabe, dessa vez, Jaci consiga contar o tempo, ou melhor, contar ao tempo que ele é só uma abstração, porque tudo muda e a natureza muda junto. E que para isso, não existe tempo, existe união, amor e fé. Existe muita reza, muita força e muita festa. Existe um caderninho de memórias eterno de seu avô que o tempo jamais poderá apagar. E toda uma história que nem o tempo é capaz de mensurar. 

Se guarani significa guerreiro, Jaci é canto de guerra, disfarçado de amor, doçura e paz. 

Não falemos de tempo para Jaci. Falemos de Jaci em todo o tempo, para todo o mundo. 

Para que um dos povos mais antigos desse continente, com ainda cerca de 51.000 sobreviventes de todos os massacres e extermínios a que foram submetidos no Brasil, no Paraguai, na Bolívia e na Argentina, continuem fazendo da Terra um lugar melhor para se estar. Que tudo seja aldeia e que a aldeia a tudo resista! 

Nhanderu tenondeguiae

Jaikuaa nhanderekorã'i

Ãyreve jareko'i aguã

Ãyreveve hareko'i aguã

Ãyreve ãyreve. 

(Todas sabedorias que mantemos vem do nosso pai supremo e assim mantemos até hoje, e assim mantemos até hoje). 

jaci 2
Jaci ressalta a importância das tradições e rituais de seu povo com orgulho / Reprodução: Jaci Guarani
Fala de Ailton Krenak foi destaque durante 13 aniversário da Pública
por
Kimberlly Ramos
Victória Rodrigues
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25/03/2024 - 12h

A Agência Pública completou 13 anos no último dia 13 de março. Em comemoração, organizou um evento na PUC SP, para debater “Condições Climáticas e o Antropoceno”, entre outros temas mais do que necessários. A celebração contou com a presença do ativista e escritor Ailton Krenak, o climatologista Carlos Nobre e a jornalista Daniela Chiaretti. Durante a conversa, Krenak trouxe uma importante reflexão, em que enfatiza o fato de as mudanças climáticas recentes afetarem principalmente os mais pobres. Confira no link

Referência nacional no jornalismo independente celebrou seu aniversário no Tucarena
por
Philipe Mor
Rafael Rizzo
Vitor Bonets
Arthur Rocha
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25/03/2024 - 12h

No último dia 13 de março, a Agência Pública comemorou seu 13 aniversário. O evento ocorreu no Tucarena e contou com a presença de personagens ilustres do cenário socioambiental e político. Giovana Girardi foi a responsável por mediar a mesa de debate, que tinha como convidados: Carlos Nobre, cientista ambiental; Daniela Chiaretti, jornalista de meio ambiente do jornal O Valor Econômico e Ailton Krenak, o mais novo imortal da Academia Brasileira de Letras.

O tema central da palestra foi o colapso climático e o antropoceno. Além disso, foram esclarecidas pautas importantes como o racismo climático, a desumanização social e a extinção de várias espécies. A conversa também buscou associar o jornalismo como ferramenta democrática e relacionar os impactos climáticos nesse tipo de modelo político. Confira tudo o que aconteceu nesse dia no YouTube

 

Em comemoração aos 13 anos da Agência Pública, o Tucarena recebe Ailton Krenak, Carlos Nobre e Daniela Chiaretti para discutir o "Colapso climático e Antropoceno"
por
Bianca Abreu
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25/03/2024 - 12h

O ativista indígena Ailton Krenak, o climatologista Carlos Nobre e a jornalista especial de meio ambiente do jornal Valor Econômico, Daniela Chiaretti, explicam como a crise ambiental e a política se entrelaçam. Além disso, chamam a atenção para o quanto é importante que todos, enquanto cidadãos, reflitam sobre suas próprias decisões em relação a essa pauta, que, segundo eles, é tão urgente. Confira a cobertura pelo TikTok. Direção: @biancao.producoes/ @brasilandiana
Áudio e imagens: @tvpucsp / @brasilandiana

 

Indígena conta como a falta de saúde básica e dificuldades no deslocamento ajudaram a pandemia da covid-19 se disseminar nas aldeias.
por
Lucas Rossi, Luciana Meira Zerati e Rafael Casemiro
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11/11/2021 - 12h

A pandemia do novo Coronavírus colocou a saúde pública mundial em um grande teste de fogo. É evidente que indígenas e não indígenas são vulneráveis ao vírus. Mas questões particulares ao primeiro grupo fazem com que a propagação da doença aconteça de maneira mais letal. A dificuldade de acesso aos serviços de saúde e a indisponibilidade ou insuficiência de equipes de saúde são alguns dos principais fatores. 

Os costumes de diversos povos criam uma maior exposição à Covid-19. Parte considerável da população indígena vive em casas coletivas. Além disso, é comum o compartilhamento de utensílios, como cuias, tigelas e outros objetos, o que faz crescer as chances de contágio. A indígena, artesã e música Carol Puyanawa em entrevista via Instagram coloca que tiveram vários pontos que fizeram a doença disseminar: “Tanto em questão de estrutura básica de saúde, já que tem muitos indígenas que não tiveram nem água para fazer a higiene básica de lavar as mãos, como a de transportes que vale ser mencionada, pois há diversos povos que moram longe das cidades e para chegar demora cerca de sete dias.” 

Apesar dos indígenas estarem em um grupo prioritário de vacinação, os não aldeados foram excluídos do Plano Nacional de Imunização (PNI). Uma decisão judicial, obrigou que estes estivessem inclusos no PNI, entretanto, essa decisão foi descumprida pela união, Puyanawa comenta: “Para quem estava na Aldeia a vacinação ocorreu de forma prioritária, mas para os que já moram nas cidades a situação já era outra. Foi uma coisa bem complicada, pois morar fora da aldeia não nos faz menos indígenas, e a vacina era para ser um direito de todos.” 

Em um contexto atual das doses de reforços que estão sendo aplicadas para aqueles que completaram o esquema vacinal, foram incluídos apenas os indígenas aldeados no PNI para a dose de reforço contra a Covid-19, ela coloca “o fato de morar na cidade não nos faz menos indígena. A gente vai continuar sendo da mesma forma, é um absurdo os povos Indígenas que ainda não tem suas terras demarcadas serem excluídos do grupo prioritário”.

Além da União dificultar a vacinação completa dos povos nativos, relatos de líderes indígenas retratam que religiosos e agentes do Governo Federal, estão incentivando o negacionismo e propagando Fake-News sobre a imunização contra o coronavírus nas tribos, Puyanawa conta que “o governo quer de qualquer forma que sejamos completamente excluídos. O interesse dos não indígenas são por nossos territórios. Muitos sofreram com a desinformação, e nesse contexto a questão religiosa é um fator que induziu muitos povos, levando informações mentirosas sobre o coronavírus”. Ela também afirma: “Os indígenas estão morrendo, por falta de estrutura básica de saúde, desinformações e sendo assassinados pelo garimpo. Nossos direitos são negados, somos vistos como invasores dentro da nossa própria terra. E como consequência não temos um minuto de paz nesse país e governo”. 

Guaranis Neusa Poty e Mirindju reforçam a importância da demarcação de seus territórios para a preservação do meio ambiente
por
Cecília Mayrink e Juliana Mello
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11/11/2021 - 12h

Segundo o artigo intitulado “Povos tradicionais e biodiversidade no Brasil – Contribuições dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais para a biodiversidade, políticas e ameaças” de junho de 2021, apenas 2% das florestas das Terras Indígenas foram perdidas na área total do país. A partir da coleta de dados e análises feitos no estudo, foi comprovado que esses territórios realizam um papel de escudo contra o desmatamento do meio ambiente, o que reforça a necessidade de maior urgência na criação e fortalecimento de políticas públicas para a demarcação e proteção dessas terras. 

De acordo com o artigo de autoria dos pesquisadores Antônio Oviedo (Instituto Socioambiental) e Juan Doblas (Instituto Nacional de Pesquisas Especiais), a contribuição de povos indígenas para a preservação do meio ambiente no Brasil e em outros países é inegável. Isso pode ser observado em pelo menos 25% da área de todo o planeta, que são também os locais onde se encontram 35% dos ecossistemas mais protegidos do mundo. Segundo o artista Mirindju, morador da terra indígena Mbya Guarani, no Jaraguá, São Paulo, todos os indígenas, desde pequenos, são ensinados a amar e cuidar da natureza: “Temos a tarefa de plantar árvores nativas para ajudar no reflorestamento. Os mais velhos se encarregam da limpeza local. Temos muito cuidado com o que entra de fora da aldeia, como o plástico.”

Área correspondente à Terra Indígena Jaraguá (Reprodução: Evan Carvalho - Jornalismo Júnior - ECA-USP)
Área correspondente à Terra Indígena Jaraguá (Reprodução: Evan Carvalho - Jornalismo Júnior - ECA-USP)

Apesar da Constituição ser mais inclusiva com os povos indígenas, mesmo 33 anos depois, eles continuam recebendo ameaças. A mais recente, realizada pelo governo de Jair Bolsonaro, diz respeito à responsabilidade pelas Terras Indígenas (TIs). Com a MP n.º 870/2019, o Presidente transfere para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento a identificação, reconhecimento e demarcação desses territórios, afetando a Fundação Nacional do Índio (Funai). Segundo Mirindju, os povos indígenas são constantemente atacados por pessoas de fora e a comunidade sente o impacto das políticas que prejudicam a eles e ao meio ambiente: “Muitos dos não indígenas não entendem o quão preocupante é o avanço do desmatamento. Hoje, vemos muita poluição com envenenamento das águas dos rios e com as queimadas das florestas. Eles precisam começar a refletir sobre isso, pois sem a natureza, a gente não vive.”

Indígenas Mbya Guarani construindo casas para quem precisa (Reprodução: Arquivo Pessoal)
Indígenas Mbya Guarani construindo casas para quem precisa (Reprodução: Arquivo Pessoal) 

 

         Quanto mais o governo demora para demarcar uma área, mais ela fica vulnerável à invasão de terceiros. É o que acontece, por exemplo, com a TI Karipuna, em Rondônia, que apesar de ter sido homologada em 1998, está com mais de 10 mil hectares de floresta destruídos, em consequência da exploração ilegal de madeira e de grilagem. 

Ainda segundo o artigo, na região referente à Floresta Amazônica brasileira, foi constatado que 90% da área que está conservada do bioma corresponde às TIs e Unidades de Conservação, que utilizam métodos sustentáveis para a manutenção da vegetação natural. Tais dados provam que esses territórios desempenham um papel determinante na contenção do desmatamento e das mudanças climáticas. 

De acordo com o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (PRODES), entre os anos de 2004 e 2014, houve a redução em 80% do desflorestamento da área, devido principalmente à criação de áreas protegidas e a ações de controle e repressão ao crime coordenadas pelo Ibama. Segundo Neusa Poty, moradora da terra indígena Guarani do Jaraguá, a manutenção dessas florestas se deve em grande parte à presença dos povos indígenas: “Acho que no nosso caso, na terra Guarani, se não fosse por nós, não teria mais todo o verde que nos rodeia. Damos muita importância para árvores específicas por questões medicinais. São delas que fazemos nossos remédios. A natureza nos protege, e nós a protegemos, é um equilíbrio.”

Neusa Poty na aldeia Guarani (Reprodução: Arquivo Pessoal)
Neusa Poty na aldeia Guarani (Reprodução: Arquivo Pessoal)

        Assim, a demarcação de TIs é fundamental para a reprodução física e cultural desses grupos e para a manutenção de seus modos de vida tradicionais, as quais fazem parte do patrimônio cultural brasileiro - o que caracteriza um dever da União, conforme disposto no Art. 24, Inciso VII da Constituição. Para Poty, se existissem políticas públicas mais fortes e frequentes que visassem marcar e proteger as terras indígenas, o meio ambiente estaria melhor preservado: “Hoje, poderíamos estar recuperando a maior parte do que já foi perdido. Sem a natureza, nem sei como estaríamos, por isso sempre preservaremos a nossa cultura.” A integridade dessas terras ainda garante a proteção do meio ambiente e da biodiversidade, o que também é um direito constitucional prescrito pelo art. 225 da Constituição.