VI Semana da Diversidade na PUC-SP

Organizado pela Atlética de Comunicação e Artes, o evento aconteceu entre os dias 17 e 21, com pautas sobre sexualidade, preconceito e representatividade.
por
Sônia Xavier
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24/10/2022 - 12h
  Nathan Mouro, William de Lucca, João Abel, Tayna Fiori e Gabriel Paes (da esquerda pra direita)
Nathan Mouro, William de Lucca, João Abel, Tayna Fiori e Gabriel Paes (da esquerda pra direita), durante a mesa “Bola fora: A LGBTQIAPN+fobia no Futebol Brasileiro”. Foto: Sônia Xavier  
 

Na segunda-feira, 17,  a primeira mesa da Semana da Diversidade foi composta por William de Lucca, apresentador do podcast “ Nos armários dos vestiários” e um dos fundadores do coletivo LGBTQIA+ “Palmeiras Livre”; Nathan Mouro, representante do coletivo “Porco Íris”; Tayna Fiori,  jornalista e produtora de futebol feminino na TNT Sports Brasil; e Gabriel Paes, administrador da página “Quebrando o Tabu”. O mediador da mesa foi o jornalista e também representante das causas LGBTQIA+ no futebol brasileiro, João Abel. 

De Lucca mencionou os ataques que sofreu em suas redes sociais, em 2018, após criticar o canto homofóbico da torcida palmeirense em jogo contra o São Paulo, e relata muitas ameaças online, inclusive, de morte. Mas o apresentador reiterou que, apesar da violência enfrentada pelas pessoas LGBTQIA+, não deixará a militância: “Eu sou um homem homossexual, jornalista e vou ocupar o espaço que acho que tenho que ocupar, e as arquibancadas são um espaço de todo mundo".

William de Lucca
“O futebol é um esporte democrático, ou pelo menos deveria ser”, declara De Lucca, Foto: Sônia Xavier

 

Nathan, ativista da causa, diz que o "Porco Íris" foi fundado em 2019, com o objetivo de criar um lugar que não existia para a comunidade LGBTQIA+ dentro dos estádios, e afirma que este é “um espaço que ainda precisa ser ocupado". O coletivo já levou a bandeira de representatividade em dois jogos do Palmeiras antes da pandemia, mas, desde a volta aos estádios, ainda não puderam fazê-lo novamente. 

O "Palmeiras Livre" também já foi pro estádio com as bandeiras arco-íris, porém somente em jogos femininos. O motivo disso, consensual entre os palestrantes, é de que a discussão sobre a LGBTfobia é muito maior na liga feminina.  

“O futebol feminino é um cenário que engloba e aceita muito mais”, diz Tayna.

Tayna Fiori
“O futebol traz o que o mundo oferece pra gente”, afirma Tayna sobre 
a homofobia no esporte.

 

 

“Eu acho que a gente precisa dar tempo pra gente sofrer”

Bruno Branquinho, Luana Alves e Júlia Zuin (da esquerda pra direita)
Bruno Branquinho, Luana Alves e Júlia Zuin (da esquerda pra direita), na mesa de “Psicofobia, romantização e banalização dos transtornos mentais''. Foto: Sônia Xavier

 

 

Na terça-feira, 18, o debate foi sobre a “ Psicofobia, banalização e romantização de transtornos mentais” e contou com a presença de Luana Alves, trabalhadora da saúde e vereadora em São Paulo; e Bruno Branquinho, psiquiatra com foco na saúde mental da comunidade LGBTQIA+.

Luana mencionou que a aceitação e o interesse em discutir transtornos mentais é resultado de uma luta mais antiga, a antimanicomial. Para ela, “prender” um indivíduo no manicômio é um dos passos da violência e da discrminação, mas que “negar direitos, desumanizar, desconsiderar aquela pessoa enquanto uma pessoa que tem opiniões” fazem parte, também, da lógica de exclusão, e são formas de deslegitimar a identidade do indivíduo. 

Branquinho acredita que o conhecimento atual sobre os transtornos psíquicos têm ajudado a quebrar as barreiras do preconceito em relação à psiquiatria, mas que, por outro lado, há uma  “patologização” excessiva de situações que não são transtornos.

Bruno Branquinho
“ O que eu vejo que acalma as pessoas no sentido de se cuidar é saber que não são as únicas. Nós precisamos falar, mas falar em primeira pessoa”, afirma Bruno. Foto: Sônia Xavier

“A gente precisa dar tempo pra gente sofrer, dar tempo pras nossas emoções, na verdade. Talvez não seja patológico, talvez seja o tempo que você precise”, orienta.

 

 

“ Ninguém dá valor à carne indígena, dão valor à terra indígena”

 

O tema discutido no terceiro encontro, 19, destacou a representatividade indígena, principalmente, na educação. Daniela Reis, coordenadora do programa social "Pindorama" - criado em 2001 pela PUC-SP para oferecer bolsas de estudo para alunos indígenas -, diz que, além das dificuldades financeiras para permanência dos alunos indígenas nas universidades, têm questões relacionadas à manutenção das culturas e ao reconhecimento étnico, que também precisam ser enfrentadas. 

Daniela Reis, Lúcia Helena Rangel e Álvaro Gonzaga (da esquerda para direita)
Daniela Reis, Lúcia Helena Rangel e Álvaro Gonzaga (da esquerda para direita), na mesa: “Não existem índios no Brasil: Resistem indígenas!"  Foto: Sônia Xavier


Álvaro Gonzaga, indígena e professor de Direito na PUC-SP , relata que o preconceito em relação à formação de indígenas está relacionado à ideia de primitividade e que, por outro lado, a universidade significa universalidade. 

Álvaro menciona que todo o processo de incorporação do indígena nas cidades foi feito de forma a subalternizar esses corpos, colocando-os em uma posição sempre abaixo dos outros. “Ninguém dá valor à carne indígena, dão valor à terra indígena”, declara.

Lúcia Helena Rangel
“O termo 'índio' veio do equívoco de Cristóvão Colombo de que tinha chegado às Índias. Indígena quer dizer nativo ou originário daquele lugar”, esclarece a, antropóloga Lúcia Helena. Foto: Sônia Xavier

 “É necessário que a nossa geração entenda que houve um grupo que lutou pela constituição, mas que existe um outro que precisa lutar pela implementação dela”, finaliza Gonzaga.

“ Se Deus é por nóis quem será contra nóis?”

Thiagson, Lorrany e Júlia Zuin (da esquerda pra direita)
Thiagson, Lorrany e Júlia Zuin (da esquerda pra direita) durante a mesa: “‘Se Deus é por nóis quem será contra nóis?’: A elitização da cultura”.Foto: Sônia Xavier

 

Na quinta-feira, 20, o tema abordado foi a elitização da cultura, principalmente o funk. Para Thiagson, professor de música clássica e doutorando em Funk, todas as produções pretas e periféricas sempre trabalharam em um espaço de precariedade, e isso resultou no processo de desmerecimento de tudo aquilo que é popular. 

Além dessa precarização, Lorrany, DJ desde 2013, também cita o “embranquecimento” das letras como uma forma de tornar essas produções um pouco mais elitizadas. “Eu não toco as mesmas músicas em festas de branco que eu toco na quebrada porque a galera branca se ofende”, compartilha.

Thiagson
“A gente associa a música a grupos sociais, então, na verdade, as pessoas não odeiam o funk pelos valores elitistas, elas odeiam os funkeiros”, defende Thiagson. Foto: Sônia Xavier

 

 

Thiagson acrescentou que esse processo de embranquecimento parte, muitas vezes, de um cancelamento do funk por setores progressistas da sociedade, principalmente, pelo feminismo, mas um feminismo branco. “Eu não sei se essa coisa de objetificação do corpo assusta uma mina de quebrada, porque o corpo na favela já é objetificado, não só em relação ao sexo, mas também em relação ao trabalho”.

O professor ainda menciona que a música vai muito além de uma experiência auditiva, já que ela também carrega um estigma social. 

 “Levantar uma bandeira é ser atacado dia sim, dia também”

Alexandre Makhlouf, Marina Daquanno Testi, Jacqueline Rocha e Jonas Maria (da esquerda para a direita)
Alexandre Makhlouf, Marina Daquanno Testi, Jacqueline Rocha e Jonas Maria (da esquerda para a direita), na mesa “Bandeiras sobre sexualidade e gênero: abraçam ou aprisionam?”. Foto: Sônia Xavier

A última mesa do evento aconteceu na sexta-feira, 21, formada por Jonas Maria, palestrante sobre diversidade e gênero; Jacqueline Rocha, ativista em causas de inclusão, como a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS (RNP+); Marina Daquanno Testi, estudante de jornalismo e pessoa não-binárie; e Alexandre Makhlouf, jornalista e produtor de conteúdo de pautas identitárias.  

Na discussão sobre o ativismo LGBTQIA +, Alexandre Makhlouf, mediador da mesa, falou sobre a hostilidade que os indivíduos da comunidade sofrem. “Levantar uma bandeira é ser atacado dia sim, dia também”. Ele ainda relatou que, muitas vezes, só não sente medo de sofrer algum tipo de violência na rua com seu companheiro por conta da “passabilidade heteronormativa” com que são identificados. “Somos dois homens que, se você não abrir a boca e fizer a gente rir, você não sabe se a gente é gay ou não”. 

Sobre os ataques que as pessoas LGBTQIA+ sofrem, Jonas conta que foi alvo antes mesmo de compreender sua sexualidade. "Na escola, eu era chamado de sapatão, mas não sabia o que era isso, então chegou antes de mim".

A respeito da provável representatividade que as bandeiras provocam na sociedade, Maria acredita que apesar das discussões sobre identidade não aderirem totalmente ou restringirem-se às bandeiras, percebe que elas possuem uma funcionalidade social. “A gente usa as bandeiras porque elas nos servem socialmente para nos conectar com outras pessoas, mas não se reduz a isso”.