Trump intensifica ofensiva militar na América do Sul

Envio de tropas americanas para combater cartéis na região provoca alerta diplomático e revive ingerência dos EUA no continente
por
MARIA LUIZA PINHEIRO REINING
SOPHIA COCCETRONE
|
11/09/2025 - 12h

O governo dos Estados Unidos, sob o comando de Donald Trump, deu início à mobilização de mais de quatro mil militares para regiões da América do Sul e do Caribe, sob a justificativa de combater cartéis de drogas considerados “organizações narcoterroristas”. A operação, iniciada após uma ordem presidencial sigilosa, inclui o deslocamento de submarinos nucleares, destróieres e unidades expedicionárias de fuzileiros navais, segundo confirmou o Pentágono à imprensa americana.

A ação militar, que contempla operações aéreas, navais e terrestres em países como Venezuela e México, já provocou reações de autoridades regionais. A presidente do México, Claudia Sheinbaum, afirmou que “não haverá operações militares dos EUA em solo mexicano”. Ainda assim, seu governo extraditou 26 suspeitos de envolvimento com cartéis, decisão tomada fora dos trâmites regulares. No sul do Caribe, Trump confirmou que tropas americanas realizaram um ataque contra uma embarcação venezuelana, marcando o primeiro confronto armado da atual ofensiva.

No Brasil, a movimentação acende um alerta geopolítico. Segundo o professor Ricardo Zortéa, 36, da UFRJ, a ação representa uma deterioração nas relações entre os dois países e desafia o princípio universal da soberania nacional. “O Brasil tende a protestar contra o uso da força americana, mas não por solidariedade regional. A resposta será pautada mais pela legalidade internacional do que por alianças sul-americanas”, analisa.

Além das implicações bilaterais, Zortéa chama atenção para o risco de que a América do Sul volte a ser tratada como esfera de influência dos EUA, em uma releitura da Doutrina Monroe. Para ele, o isolacionismo trumpista não elimina o desejo de controle regional, apenas o torna mais explícito. “Quanto mais recursos militares os EUA empregarem no hemisfério, menos poderão se dedicar à contenção chinesa na Eurásia. Isso cria uma tensão entre estratégia global e prioridades locais.”

No campo interno, a militarização da política externa americana pode ter efeito reverso. “A pressão aberta, por meio de tarifas, sanções e presença militar, pode estimular um movimento popular e institucional de reação à influência dos EUA”, afirma. O Brasil, nesse contexto, tende a reforçar seus vínculos com países dos BRICS e consolidar sua influência fora do eixo norte do continente, onde a presença americana é mais direta.

Na última terça-feira (9), a porta-voz do governo norte-americano, Karoline Leavitt, 28, declarou em entrevista coletiva que “Trump não tem medo de utilizar meios militares para proteger a liberdade de expressão”, referindo-se ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal. A afirmação foi recebida como nova ameaça de possível intervenção no Brasil.

Em nota oficial, o Itamaraty respondeu:

“O governo brasileiro condena o uso de sanções econômicas ou ameaças de uso da força contra a nossa democracia. O primeiro passo para proteger a liberdade de expressão é justamente defender a democracia e respeitar a vontade popular expressa nas urnas. É esse o dever dos três Poderes da República, que não se intimidarão por qualquer forma de atentado à nossa soberania.”

Apesar do enfrentamento público por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, manifestações recentes indicam que Trump ainda conta com apoio político expressivo entre setores da sociedade brasileira. No último sábado, o ato de 7 de Setembro na Avenida Paulista, São Paulo, foi marcado por bandeiras dos Estados Unidos dividindo espaço com as do Brasil. Cartazes pedindo ajuda a Trump, clamando por intervenção militar ou econômica, foram amplamente registrados.

Mesmo se apresentando como patriotas, muitos manifestantes recorreram a símbolos norte-americanos. A mistura entre as flâmulas revela uma dependência simbólica que especialistas têm chamado de “patriotismo vira-lata”, uma subordinação voluntária ao poder externo.

Em meio à manifestação, apoiadores do ex-presidente exibiam tornozeleiras eletrônicas cenográficas, como forma de ironizar as decisões judiciais tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes, responsável por medidas cautelares contra Bolsonaro.

Foto: Sophia Coccetrone
Camisetas com lemas de Jair Bolsonaro e Donald Trump, sendo "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos" e "Make America great again (Faça a América ser boa novamente)" - Foto: Sophia Coccetrone

 

As imagens e os discursos ecoaram memórias de outros momentos em que o Brasil foi alvo de ingerência direta dos EUA. Em 1964, durante o golpe civil-militar, Washington apoiou diretamente a derrubada do presidente João Goulart, com influência decisiva do então embaixador Lincoln Gordon. O histórico de intervenções se repete em Cuba, República Dominicana, Panamá, Honduras, Chile, Argentina e outros países latino-americanos ao longo do século XX.

Na visão de analistas como Erik Sperling, 39, da Just Foreign Policy, a ofensiva atual marca o retorno da “diplomacia da canhoneira”, que combina força militar, sanções econômicas e apoio a regimes alinhados para manter a hegemonia norte-americana no hemisfério. Mas, segundo ele, essa estratégia pode sair pela culatra:

“É mais provável que essa abordagem fortaleça a determinação da região de se aproximar da China e construir alternativas ao domínio dos EUA”, afirmou ao Intercept.

 

Bolsonarista utilizando “tornozeleira eletrônica” no ato de 7 de setembro como símbolo ironizando a decisão de Alexandre de Moraes - Foto: Sophia Coccetrone

Bolsonarista utilizando “tornozeleira eletrônica” no ato de 7 de setembro como símbolo ironizando a decisão de Alexandre de Moraes - Foto: Sophia Coccetrone