Realidades afetivas de pessoas transexuais e travestis

É necessário pontuar que pessoas transexuais e travestis não são tratadas pela sociedade como merecedoras de afeto.
por
Aline Freitas, Luan Leão, Tábata Santos, Larissa Isabella
|
22/06/2021 - 12h

Vistos, em sua maioria, como pessoas não dignas de afeto, transexuais e travestis são colocados em um lugar de exclusão e hostilização. Em uma sociedade que não busca se informar sobre temas relacionados a identidade de gênero e sexualidade, Gabrielle Graciolli, 18, mulher transexual, ressalta: “Por mais que seja um assunto mais falado do que era a alguns anos atrás, eu acho que a sociedade não está pronta para pessoas trans. As pessoas ainda marginalizam muito, principalmente as mulheres trans, e as travestis. A gente ainda tem muitos desafios e a nossa vida é dez vezes mais difícil do que a vida de uma pessoa cis”.

Foto da entrevistada Gabrielle Graciolli, 18.
Gabrielle Graciolli, 18

Graciolli nunca esteve em um relacionamento sério e acredita que isso tem a ver com o fato de ser uma mulher trans. “O motivo é que as pessoas cis, a grande maioria homens cis,  podem até se apaixonar por uma mulher trans, e querer ter um relacionamento com elas, mas eles não assumem esse relacionamento, e deixam de uma forma escondida, por conta do medo de sofrer preconceito e do que os familiares e os amigos vão pensar”, diz. 

 A psicóloga Laís Mendes, especializada em atendimento a pessoas LGBTQIA+, concorda com o pensamento da estudante. “Geralmente o receio de assumir se dá devido ao receio de ser zoado pelos amigos, por vergonha ou medo de enfrentar junto a essa pessoa o que ela passa no dia a dia”, afirma.

A criadora de conteúdo Thiessita, também mulher trans, lista, em seu canal no Youtube, motivos que levam a essa realidade. Segundo ela, os homens cis, além de terem  medo de serem julgados pela sociedade, também enxergam as mulheres trans de uma forma muito fetichizada. Para Graciolli, a fetichização decorre da pornografia: “A pornografia de trans e travesti é bem fetichizada. É sempre a trans como se fosse apenas uma boneca inflável. Então, muitos homens acabam tratando as mulheres como fetiche”, completa. Segundo relatório do site pornográfico “Pornhub”, o Brasil está entre os países que mais consomem pornografia transexual no mundo. 

Foto do entrevistado Matheus Menatto, 19
Matheus Menatto, 19

A problemática da fetichização não afeta só as mulheres trans e travestis, como também os homens transexuais. Matheus Menatto, 19, homem trans, afirma que sofre na pele as consequências dessa realidade até mesmo  por membros da própria comunidade LGBTQIA+: “Tem muitos homens, gays ou héteros, que têm fetiches em homens trans. Eles chegam já mandando foto deles, achando que a gente é um objeto”. 

Graciolli infere que a fetichização, causada pela pornografia, desencadeia o assédio. “Eu mesma passo por isso, de mandarem fotos do órgão genital para mim no Instagram, nas redes sociais”, relata. Ela afirma que de todas as vezes que sofreu assédio, denunciou apenas uma delas: “Ele ficava me perseguindo, eu tive que denunciar. Mas eu fiz só o boletim de ocorrência virtual, nunca cheguei a fazer uma denúncia muito séria”. 

De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), 90% desse grupo, no Brasil, recorre à prostituição como fonte de renda. Isso mostra que a fetichização leva ao assédio, ao alto índice de prostituição desse grupo, e ainda contribui para a negação de afeto sofrida por essas pessoas. 

Contudo, é perceptível a diferença de tratamento recebido pelos homens trans em comparação com as mulheres transexuais. Um artigo escrito por Kristen Schilt da Universidade da Califórnia, Los Angeles, demonstra como homens trans ganham mais visibilidade, autoridade e respeito em seus trabalhos. Kawan Freitas, 21, homem trans, afirma nunca ter passado por nenhum preconceito com as pessoas com que se relacionou e suas famílias: “Sou casado com uma mulher cis. A gente nunca enfrentou nada, temos a aceitação das pessoas. Minha família sabe, a família dela sabe e aceitam a gente, respeitam”. O mesmo acontece com Menatto que namorava uma mulher cis durante seu processo de transição. “Assim que eu comecei a transição eu tava namorando uma menina. Ela era da minha escola e me apoiou. Enfim, eu terminei, ela é minha ex-namorada. Quando eu mudei de escola eu não cheguei a sofrer nada do tipo, hoje eu namoro de novo”, relata. Em seu novo relacionamento, a aceitação é a mesma: “Em nenhum dos relacionamentos que tive, eu sofri preconceito”. 

Foto do entrevistado Kawan Freitas, 20
Kawan Freitas, 20

Já Graciolli enfrenta uma realidade diferente. “O relacionamento que eu tive não era um relacionamento sério porque eu nunca fui assumida", conta. “Ele falava que me amava só para conseguir se relacionar comigo quando ele quisesse. Ele só me usava e falava coisas para me manter por perto”. Ela ainda relata o medo que seu parceiro sentia de que a relação fosse descoberta: “Teve uma vez que eu estava em uma festa que estavam os amigos dele e ele me mandou um monte de mensagens falando para não contar para ninguém. Umas mensagens desesperadas. Uma coisa bem horrível, bem desconfortável”. 

É importante ressaltar que os homens trans também passam por preconceitos e que Menatto e Freitas são exceções. Contudo, isso aponta que as mulheres trans sofrem ainda mais em decorrência do machismo. Segundo Graciolli, questões relacionadas à masculinidade fazem com que homens cis que se relacionam com mulheres trans sofram mais que mulheres cis que se relacionam com homens trans. “Quem namora com uma pessoa trans, acaba sofrendo transfobia também, principalmente os homens, porque tem toda a questão da masculinidade”, conta. 

Entender as questões de gênero é um dos principais fatores que contribuem para que a violência da rejeição amorosa não faça parte da vida de uma trans ou travesti de maneira traumática, Mendes ressalta: “É de extrema importância que as pessoas se informem e desconstruam o que inicialmente foi aprendido sobre gênero. O gênero não é uma ideia de pênis e vagina, isso é uma característica genética fenotípica. As vezes tem pessoas que se relacionam com trans ou travestis que decidiram não passar por uma cirurgia e os amigos chamam essa pessoa de gay ou lésbica, por estar se relacionando com pessoas que tenham a mesma genitália, então a sociedade tem que entender que gênero não é biologia, gênero é algo a ser aprendido”. E finaliza: “No país que mais mata trans e travestis no mundo, é um ato de resistência essas pessoas se permitirem amar e demonstrar esse amor.”