Porque o crime contra o meio ambiente não será discutido na COP 30

Especialista reforça que apesar do debate ser necessário, há limitações em relação às prioridades, sobretudo em contextos de guerra
por
Giuliana Barrios Zanin
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04/11/2025 - 12h

 

Em menos de um mês, mais de 160 nações se reunirão na cidade de Belém, capital do Pará, para discutir ações necessárias para mitigar as consequências das mudanças climáticas. A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP 30,  será palco de negociações em relação à diminuição de emissão de carbono e a restauração da camada florestal. Na agenda oficial, não há nenhuma menção específica sobre destruição ambiental em conflitos armados. É importante notar que o mundo enfrenta ao menos 130 conflitos armados, de acordo com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, em diferentes medidas que atacam diretamente a saúde e as condições do meio ambiente. Dessa forma, ambientalistas e pesquisadores da área reforçam a importância de abordar o tema, a responsabilização dos crimes e, sobretudo, como o assunto pode ser levantado em eventos paralelos.

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A Conferência acontecerá entre 10 a 21 de novembro e, até o momento, 168 países confirmaram presença. Gráfico: Site oficial da COP 30.

 

Em fevereiro de 2022, forças armadas russas ocuparam a região próxima à usina de Kakhovka, na Ucrânia. Em outubro, a hidrelétrica foi destruída. Além de 80 localidades estarem sob risco de inundação, entre elas casas, fábricas, prédios e parques, as minas, artilharias explosivas usadas em guerras e carregadas de metais pesados, contaminaram quilômetros dessas águas. Outras 600 toneladas de petróleo bruto vazaram das instalações industriais, provocando mais uma vez destruição ao ecossistema.    

A Rússia pode ser penalizada pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por utilizar o meio ambiente como arma de guerra, segundo autoridades ucranianas. A Ucrânia acusa o país inimigo de ter provocado a explosão da barragem Kakhovka que resultou na contaminação das águas por agentes químicos - é o que informa a REACH, organização humanitária que coleta dados durante ataques e desastres ao meio ambiente.

Em Gaza, fontes de bombeamento de água foram atacadas por Israel e mais de 200 mil redes de esgotos estão inutilizáveis, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas). Os poços foram contaminados com mercúrio e outros agentes químicos referentes às bombas militares, deixando as pessoas sem acesso à agua potável.

De acordo com o Direito Internacional Humanitário, é crime atacar o meio ambiente ou utilizá-lo como método de guerra para atacar a população. No entanto, ambientalistas não acham que a punição apenas durante a guerra seja o suficiente. Segundo Tarciso dal Maso, consultor legislativo do Senado para assuntos internacionais e ex-consultor jurídico do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, o que eles defendem é que as consequências e penalidades desses crimes não sejam isoladas e contabilizadas apenas em momentos de guerra. Qualquer ataque generalizado contra a natureza deve ser julgado, de acordo com os ativistas. “Há um movimento de criar um Direito Penal Ambiental Internacional", afirma dal Maso. De acordo com esse especialista, XXX reivindicam que os crimes contra o   o meio-ambiente seja qualificado como “Ecocídio”. 

Para a Stop Ecocide Foundation, um movimento internacional, criado em 2017, que aconselha representantes e organizações políticas sobre o desenvolvimento sustentável,  o “‘ecocídio’ significa atos ilegais ou arbitrários cometidos com conhecimento de que há uma probabilidade substancial de danos graves, generalizados ou de longo prazo ao meio ambiente serem causados ​​por esses atos.” Essa mudança cria, segundo a fundação, uma “responsabilização aos tomadores de decisão” e uma melhor investigação sobre os perigos e as ameaças realizadas. Desse modo, será possível criar protocolos de segurança adequados para a proteção tanto da natureza, quanto das pessoas. 

"Têm vários episódios que colocam a destruição ambiental como uma estratégia no conflito armado”, destaca Terra Budini, professora de Relações Internacionais e do mestrado profissional em Governança Global e Formulação de Políticas Internacionais na PUC-SP. Ela relembra a utilização de Agente Laranja, herbicidas e químicos, utilizados pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã e em outras guerras civis na América Central. 

Budini e Dal Maso concordam que a discussão do crime contra o meio ambiente na COP30 não –é protagonista porque envolve interesses econômicos e políticos. Esse tema aparece em eventos paralelos, como a Cúpula dos Povos, que “tendem a acolher debates mais amplos, mais críticos e a conectar esses temas com a discussão de Justiça climática, direitos da natureza e defesa dos territórios”, afirma a internacionalista.

Na visão da internacionalista, há três razões principais pelas quais o “ecocídio” não seja debatido de forma mais presente: a dificuldade de comprovar a intencionalidade do uso do meio ambiente como arma de guerra, as consequências desse tipo de destruição ficarem evidentes a médio ou a longo prazo e a modernidade tratar o ambiental com menos emergência. “O regime internacional humanitário sempre priorizou as consequências humanas mais imediatas dos impactos dos conflitos, como ataque contra civis, refugiados, deslocamentos forçados, e mortes”. Budini não destaca a importância da urgência.

Até o momento, nenhum país ou pessoa foi condenado por destruição ambiental em um contexto de guerra. “Isso se deve em parte à definição vaga no direito internacional”, destaca Aaron Dumont, pesquisador de questões ambientais no direito internacional na Universidade Ruhr de Bochum, na Alemanha, para a imprensa local, DW.