Por Inaiá Misnerovicz
Pesquisadores da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) desenvolveram um canudo descartável que muda de cor ao detectar metanol em bebidas. O dispositivo biodegradável é capaz de identificar, em poucos segundos, a presença do álcool tóxico responsável por graves casos de intoxicação no País. A proposta é permitir que qualquer pessoa reconheça o risco antes de consumir uma bebida adulterada, sem precisar de equipamentos ou conhecimentos técnicos.
O projeto é coordenado por David Douglas, professor e pesquisador do Departamento de Química da UEPB. A ideia surgiu a partir da preocupação com o aumento dos casos de envenenamento por bebidas falsificadas, muitas vezes vendidas em festas, bares e eventos. O grupo buscava uma solução acessível, de baixo custo e uso imediato. Assim nasceu o canudo que muda de cor ao entrar em contato com o metanol.
O metanol é um tipo de produto que oferece um risco silencioso. À primeira vista, parece inofensivo: é incolor, tem cheiro fraco e se mistura facilmente ao etanol, o álcool comum das bebidas. Mas é altamente tóxico. Mesmo em pequenas quantidades, pode causar cegueira, coma e morte. Usado na indústria como solvente e combustível, o metanol jamais deveria estar presente em bebidas alcoólicas. Quando ingerido, o corpo o transforma em substâncias que atacam o sistema nervoso e os olhos, provocando danos irreversíveis.
Douglas explica que o canudo foi projetado para ser usado de maneira simples e intuitiva. . Em seu interior, há uma fita com reagentes químicos sensíveis ao metanol que, ao entrar em contato com a bebida, provoca uma reação capaz de alterar a cor do canudo, geralmente do amarelo para o vermelho. O processo é rápido, dura apenas alguns segundos e dispensa o uso de qualquer aparelho complementar. A ideia central é permitir que qualquer pessoa possa testar a bebida antes de consumi-la, sem precisar ter conhecimento técnico.
Segundo o pesquisador, o objetivo principal é oferecer um produto barato e eficaz. A equipe estima que cada unidade custe menos de dois reais, o que permitiria sua distribuição em larga escala. O canudo foi pensado para ser usado em bares, festas e eventos, mas também por órgãos de fiscalização e vigilância sanitária. Os testes vêm sendo realizados com diferentes tipos de bebidas, como cachaças, vodcas e licores artesanais, para garantir que a reação funcione em todas as composições.
O projeto começou em 2023, nos laboratórios da UEPB, em Campina Grande, e desde então tem recebido apoio de estudantes de graduação e pós-graduação. O grupo trabalha agora na padronização dos resultados, no registro de patente e na busca por parceiros que viabilizem a produção em escala comercial. Paralelamente, a universidade pretende promover campanhas de conscientização sobre os riscos do metanol, incentivando o consumo responsável e a compra de produtos de origem confiável.
O consumo de bebidas adulteradas é um problema de saúde pública no Brasil. O metanol, por ser mais barato que o etanol, é usado ilegalmente na fabricação clandestina. Essa prática ainda causa tragédias em várias regiões do país. Em 2025, surtos de intoxicação foram registrados em estados do Nordeste e do Sul, com dezenas de vítimas. A ausência de métodos simples de detecção e a dificuldade de fiscalização contribuem para o aumento dos casos.
Para David, o canudo funciona como uma ferramenta de prevenção e alerta. Ele não substitui a análise laboratorial, mas serve como um primeiro passo para evitar o consumo da bebida contaminada e estimular denúncias às autoridades. O pesquisador destaca que o ideal seria que ninguém precisasse recorrer a esse tipo de recurso, mas que, diante da realidade do mercado informal, oferecer um meio de defesa à população se torna essencial.
Os sintomas de envenenamento por metanol podem aparecer entre meia hora e doze horas após a ingestão. Entre os mais comuns estão visão turva, dor de cabeça, tontura, náuseas, dificuldade para respirar e, em casos graves, convulsões e coma. O tratamento precisa ser feito rapidamente em ambiente hospitalar.
O desenvolvimento da pesquisa também mostra a força da ciência feita em universidades públicas regionais. Para o pesquisador, o projeto demonstra que é possível criar soluções inovadoras e de impacto social fora dos grandes centros de pesquisa. Ele destaca que o trabalho coletivo, envolvendo alunos e técnicos, é o que torna o resultado possível. O grupo já estuda novas aplicações para a tecnologia, como o desenvolvimento de palitos, adesivos e fitas reagentes capazes de identificar outros tipos de adulterantes, como solventes e corantes ilegais.
Douglas lembra que, em outros países, iniciativas parecidas ainda são raras e muitas vezes caras. O diferencial da equipe paraibana está no foco na simplicidade. O canudo é barato, descartável e usa materiais que não agridem o meio ambiente. É uma tecnologia pensada para o cotidiano, para chegar a quem mais precisa. A pesquisa tem despertado o interesse de instituições de ensino e de agências de fomento científico. O grupo da UEPB já foi convidado a apresentar os resultados preliminares em eventos acadêmicos e feiras de inovação. A expectativa é que, até o final de 2026, o produto esteja disponível comercialmente, após os testes de segurança e a aprovação dos órgãos reguladores.
Além da inovação química, o canudo também levanta um debate sobre educação científica e cidadania. O pesquisador acredita que a disseminação da informação é essencial para reduzir o número de casos de intoxicação e para valorizar o papel da ciência pública no enfrentamento de problemas sociais. A equipe planeja, junto à Pró-Reitoria de Extensão da UEPB, criar oficinas educativas em escolas e comunidades, unindo ciência, saúde e responsabilidade social.
Casos de intoxicação por metanol têm sido recorrentes no mundo todo. Em 2022, um surto na Índia matou mais de 40 pessoas após o consumo de uma bebida clandestina. No México, dezenas foram hospitalizadas em festas locais. No Brasil, os registros se multiplicam, especialmente em períodos de festas populares. Apesar disso, são raros os métodos de detecção acessíveis ao público. O canudo criado na Paraíba surge como uma inovação com potencial global, justamente por unir simplicidade, baixo custo e impacto social.
Enquanto o produto não chega ao mercado, os pesquisadores reforçam a importância de comprar bebidas apenas de fontes confiáveis, com rótulo e registro. Preços muito baixos e embalagens improvisadas são sinais de alerta. O pesquisador também destaca que as autoridades precisam intensificar a fiscalização, especialmente em períodos de festas populares e feriados prolongados.
