Quase 200 árvores são derrubadas no Aeroporto Campo de Marte

Área desmatada passa por reforma com objetivo de aumentar a segurança de pousos e decolagens
por
Bruno Caliman
|
11/09/2025 - 12h

Atualmente, o Aeroporto Campo de Marte, localizado na zona norte de São Paulo, está sob comando da concessionária Pax Aeroportos, também responsável pela operação e infraestrutura do Aeroporto de Jacarepaguá (RJ). A empresa vai gerir o Campo de Marte por 30 anos a partir do momento em que assumiu o controle, em 15 de agosto de 2023.

Aeroporto mais antigo da cidade, o Campo de Marte recebe aviões e helicópteros gerais, executivos e de táxi aéreo. De acordo com o relatório anual da Pax, 70.567 pousos e decolagens ocorreram no ano de 2024.

Para aumentar a área do aeroporto, quase 200 árvores foram derrubadas. As obras começaram em junho deste ano e estão previstas para terminar em maio de 2026. Além de reformar as pistas e implementar um sistema de luzes, o principal objetivo é a melhoria na segurança dos voos.

Os pousos e decolagens atuais são feitos através da visualização do piloto sobre a pista, sem a ajuda de nenhum equipamento. Segundo a Pax, ao final das obras, o aeroporto será capaz de receber voos com instrumentos que auxiliarão o piloto. Dessa forma, a tendência é que os movimentos das aeronaves aumentem no Campo de Marte.

Obras em andamento na área desmatada no Aeroporto Campo de Marte. Foto: Bruno Caliman
Obras em andamento na área desmatada no Aeroporto Campo de Marte. Foto: Bruno Caliman

Impacto do número de árvores retiradas

O engenheiro ambiental e especialista em gestão ambiental pela UFPR, Hian Silva, afirmou não ter conhecimento sobre este caso até dias antes da entrevista, visto que obras civis que envolvem supressão de vegetação nativa não são isoladas e acontecem com certa frequência.

“Minha posição é sempre de preocupação e atenção. Embora seja importante garantir a segurança e a infraestrutura do aeroporto, é crucial que essas obras não ignorem os impactos ambientais de longo prazo. Acredito que é possível e necessário buscar um meio-termo, onde desenvolvimento urbano e preservação caminhem juntos”, declarou Silva.

Para ele, a retirada de quase 200 árvores causa um impacto significativo e imediato na fauna e flora local e no entorno urbano. Inclusive, ressaltou que a perda desse patrimônio natural representa também a perda de memória e identidade do espaço urbano, já que muitas dessas árvores tinham valor histórico e paisagístico, algumas com mais de 100 anos.

“Em uma cidade com poucos fragmentos florestais como São Paulo, essas árvores funcionam como parte de um ecossistema complexo: habitat, fonte de alimento e corredores ecológicos para aves, insetos e pequenos mamíferos. A remoção repentina desse habitat pode levar à perda de biodiversidade e ao deslocamento de espécies que nem sempre conseguem se adaptar a novos locais. Além disso, a vegetação regula temperatura, umidade e qualidade do ar. A supressão tende a aumentar o calor da área, reduzir a infiltração de água no solo e afetar o bem-estar da população vizinha”, afirmou o engenheiro ambiental.

Moradora na região, Yasmin Mafei, 33, não gostou da retirada das árvores: “a cidade está cada vez mais sem árvores, precisamos dos bairros mais arborizados”. Paulo Xavier, 69, outro vizinho da área, acreditava que essas obras eram destinadas à construção do futuro Parque Municipal Campo de Marte. Mesmo assim, ele minimizou a derrubada e comentou que há outras áreas em São Paulo para o plantio de árvores como uma forma de compensação.

Nota de autorização para supressão das árvores

No dia 7 de março de 2025, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) emitiu uma nota para comunicar o deferimento parcial da solicitação da derrubada das árvores. Com assinatura de Rodrigo Kenji de Souza Ashiuchi, Secretário Municipal do Verde e do Meio Ambiente, um trecho do comunicado diz: “AUTORIZO, em caráter excepcional, com fundamento no Artigo 14, incisos III, IV e VIII da Lei Municipal n° 17.794/2022, a supressão de 194 (cento e noventa e quatro) exemplares de porte arbóreos, sendo 30 (trinta) exemplares secos/morta”.

O texto indica que haverá a iniciativa de replantio de 194 mudas em outras áreas de São Paulo, além de reaproveitar os resíduos gerados pelo desmatamento. Segundo a nota, o plantio substituto será fiscalizado pela SVMA por meio de um relatório técnico fotográfico após doze meses, ou seja, apenas em 2026.

Nota da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA). Foto: Divulgação/Diário Oficial da Prefeitura de São Paulo
Nota da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA). Foto: Divulgação/Diário Oficial da Prefeitura de São Paulo

Silva também comentou sobre a nota. Ele acredita que a avaliação dos impactos cumulativos no ecossistema urbano não ficou totalmente clara, e que seria importante comunicar de forma mais transparente os critérios usados para definir quais árvores seriam retiradas e de que maneira o impacto seria reduzido.

“Na natureza, a balança não é tão simples. Não basta retirar 200 árvores de um lado e plantar 200 mudas em outro para que tudo fique equilibrado. A ideia de replantar é essencial e demonstra uma tentativa de suavizar os impactos da supressão, mas não se trata de uma solução simples ou perfeita. Árvores centenárias, com raízes profundas e ecossistemas associados, não podem ser simplesmente transferidas – o replantio ocorre por meio de mudas, o que significa que um ambiente construído ao longo de décadas ou séculos é perdido”, opinou o especialista em gestão ambiental, sobre o plantio substituto que será realizado.

Os locais em que as mudas serão replantadas são: Parque Municipal Campo de Marte, Refúgio da Vida Silvestre Anhanguera, em Perus, e no Projeto Rio do Peixe, em Socorro (SP). O Parque Municipal Campo de Marte fica ao lado do aeroporto e ainda está na fase inicial, porém o projeto já está assinado, conforme disse no mês passado, Ricardo Nunes (MDB), prefeito de São Paulo.

Silva acredita que o plantio em locais distantes – caso da cidade de Socorro, localizada a 132 quilômetros de São Paulo – pode comprometer a adaptação das espécies, pois condições de solo, clima e hidrologia variam significativamente.

“A taxa de sobrevivência dessas mudas também não é garantida, exigem monitoramento constante, irrigação e equipes técnicas especializadas. Por fim, mesmo que todas as mudas vinguem, o tempo necessário para que se estabeleça um ecossistema comparável ao anterior é extremamente longo, e os benefícios ambientais imediatos proporcionados pelas árvores centenárias são insubstituíveis a curto e médio prazo. Aqui cabe o cuidado dos órgãos competentes em acompanhar cada caso e entender a real necessidade das ações”, completou.