Turismo sexual no Brasil

Anitta, Bolsonaro, Embratur e a discussão sobre a atração de turistas em busca de sexo no país
por
Giulia Aguillera
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26/04/2022 - 12h

Em abril, Anitta estampou a capa da revista norte-americana Nylon. Apesar do prestígio de ter uma mulher brasileira em um veículo internacional de grande circulação – a edição foi, inclusive, distribuída no Coachella –, a cantora foi alvo de duras críticas na internet após ser acusada de incentivar o turismo sexual. Na capa, uma fala da entrevista marcou a polêmica mais recente da cantora: “Nos Estados Unidos, todos querem ser descolados. No Brasil, todo mundo quer se divertir e transar, e eu quero trazer essa energia para cá”.

A frase repercutiu nas redes sociais e deixou vários fãs brasileiros desapontados. A denúncia é de que a artista estaria reforçando o estereótipo da mulher brasileira hiperssexualizada do país. Essa padronização, na verdade, surgiu bem antes de Anitta; é resultado de um longo processo de objetificação dos corpos femininos.

Na época da ditadura militar, o turismo sexual foi financiado pelo governo. A sensualidade das mulheres do país foi usada como estratégia para alavancar o turismo no Brasil pela Embratur (Instituto Brasileiro de Turismo), criada pelos militares. A objetificação da figura feminina era o foco dos folhetos oficiais distribuídos entre os anos 1970 e 1985.

Capa de guia turística da Embratur de 1983. (Foto: Reprodução/G1)
Capa de guia turística da Embratur de 1983. (Foto: Reprodução/G1)

Em 2019, no seu terceiro mês de mandato, o presidente da República, Jair Bolsonaro, já tinha feito algo parecido. Durante uma entrevista com jornalistas, ele declarou que o Brasil não poderia ser um destino de "turismo gay". "Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade", disse.

Em entrevista, a professora de Geografia e pesquisadora do tema, Ana Carolina Ramos, comentou alguns dos fatores convergentes para o surgimento desse fenômeno. Segundo Carolina, uma questão determinante, no caso do Brasil, é o fato de ser um lugar paradisíaco, com infraestrutura turística e um clima que propicia o que se chama de “turismo sol e praia”.

Além disso, a professora também comenta que o turismo sexual envolve uma questão social. Os homens estrangeiros se aproveitam da vantagem econômica para demonstrar status para as mulheres brasileiras. “Não são pessoas com muito dinheiro; são, na verdade, trabalhadores – muitos até da construção civil –, que juntam dinheiro durante o ano e, quando eles vêm para cá, a vantagem cambial faz com que pareça que têm muito dinheiro". Nesse caso, a diferença econômica serve como facilitador, como é o caso do Brasil. Da mesma forma que os turistas projetam suas fantasias sexuais sobre as mulheres, elas enxergam neles uma esperança de sair – mesmo que temporariamente – de uma vida de privações.

Por outro lado, esses homens se vêem em uma posição de poder em relação às mulheres com as quais se relacionam, principalmente pela vulnerabilidade delas. Ana cita o caso do Arthur do Val, o Mamãe Falei, que, em um episódio recente, foi para a Ucrânia para, segundo ele, fazer a cobertura da guerra. Na ocasião, enviou um áudio para colegas dizendo que as ucranianas são "fáceis porque são pobres".

"Em um país europeu, pela questão da equidade entre os gêneros, ele [o turista] não sente tanto essa questão do poder que ele tem sobre a mulher. Mas, em um país subdesenvolvido, em que ele tem uma vantagem econômica grande, ele se sente", explica Carolina.

Rui Aurélio Badaró, doutor em Direito Internacional e escritor do livro “Turismo e Direito: convergências”, explica, em entrevista, que ainda não existe uma lei específica de combate à exploração sexual no turismo. No entanto, há um projeto de lei do deputado Eduardo Bismarck que prevê sanções aos prestadores de serviços turísticos que cometem infrações associadas à facilitação do turismo sexual.

“É de suma importância que o Brasil crie, provenha um arcabouço legal específico para que nós tenhamos um turismo responsável, portanto, combatendo todas aquelas formas de turismo que são consideradas abjetas, nojentas, que não se alinham com a dignidade da pessoa humana, que é o caso do turismo sexual”, comenta o membro da OAB.

O especialista acrescenta: “o combate ao turismo sexual se faz, em primeira mão, com uma mudança de paradigma. Uma mudança de paradigma no aspecto cultural”.