Os crimes em terras Yanomami e o reflexo da violência contra a população indígena

As recentes denúncias de violência contra o povo yanomami, escancara o avanço de políticas contra o povo indígena e suas pautas.
por
Ana Coelho
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13/05/2022 - 12h

No último dia 25, cerca de 24 indígenas da aldeia Yanomami Aracaçá, em Roraima, desapareceram após a denúncia de que garimpeiros ilegais estupraram e assassinaram uma menina de doze anos e sumiram com outra criança de quatro anos. A aldeia foi encontrada incendiada.

Na última quinta feira (5) o povo Yanomami da comunidade Aracaçá foi encontrado. Segundo o líder indígena Júnior Hekurari, alguns Yanomamis se mudaram para outras áreas indígenas, como a comunidade Palimiú. A Polícia Federal informou que irá instalar uma base durante seis meses na região para proteger os indígenas dos garimpeiros
         Segundo Júnior Hekurari, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena e Ye'kuana (Condisi-YY), os Yanomamis fugiram após o episódio de estupro e estão escondidos na floresta. O Condisi-YY disse também que é comum os indígenas deixarem suas casas e procurarem outro lugar para viver quando perdem membros da aldeia. Alguns indígenas foram encontrados na região, mas se recusaram a falar pois teriam recebido cinco gramas de ouro dos garimpeiros em troca do silêncio.
         Apesar de atuar na região desde 1980, o garimpo ilegal cresceu nesses últimos anos (46% a mais que em 2020), tornando a região tomada por esta atividade que afeta 16 mil indígenas. Além disso, por consequência, os conflitos de terra em 2020 aumentaram 174% em comparação a 2019, somando 96 casos. E os assassinatos aumentaram 61% em relação a 2019, sendo 182 indígenas assassinados. Invasões, explorações ilegais e danos ao patrimônio em 2020 atingiram pelo menos 201 terras indígenas, de 145 povos, em 19 estados.
Muitas entidades a favor dos direitos humanos indígenas criticam o governo Bolsonaro por se abster e até apoiar os garimpeiros, discutindo a legalização da mineração nas terras indígenas por exemplo. Além deste impulso por parte do governo, especialistas criticam as penas para este crime que não ultrapassam quatro anos de reclusão e que são normalmente substituídas por prestação de serviços. Também condenam a fiscalização precária destas áreas que sofrem dos mesmos crimes por mais de 40 anos.
A Câmara dos Deputados instalou nesta terça-feira (10) uma comissão externa criada na semana passada para acompanhar as denúncias de violações de direitos contra indígenas na Terra Yanomami. A comissão terá 13 membros e será coordenada pela única parlamentar indígena do Congresso, a deputada Joenia Wapichana (Rede -RR).
De acordo com o relatório Conflitos no Campo Brasil 2020, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2021 algumas modalidades de violência no campo, como a invasão de territórios indígenas, sofreram crescimento exponencial em relação aos anos anteriores. Das 81.225 famílias vítimas de invasão, 58.327 são indígenas.
Segundo a Funai, há 248 processos de demarcação de terras indígenas em curso. Essas áreas equivalem a um décimo das terras já demarcadas, ou 1,2% do território nacional. Após o início do governo de Jair Bolsonaro, os processos de demarcação de terras foram reduzidos. No início de seu mandato, Bolsonaro transferiu a Fundação Nacional do Índio (Funai) do Ministério da Justiça para o Ministério da Agricultura e retirou do órgão a atribuição de demarcar terras indígenas. 
As mudanças agradaram à bancada ruralista, que exerce forte influência sobre o Ministério da Agricultura e historicamente vê a Funai com desconfiança. 
Quando questionado, Jair Bolsonaro, utiliza como justificativa para suas constantes ações contra a preservação dos povos e terras indígenas, que os indígenas devem ser “integrados” à sociedade nacional - mesmo discurso adotado pelo governo durante a ditadura militar. 
Ao discursar na Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2019, o presidente afirmou que “algumas pessoas, de dentro e fora do Brasil, apoiadas por ONGs, teimam em tratar e manter nossos índios como verdadeiros homens das cavernas”. 
A Constituição de 1988, no entanto, reconheceu a organização social, os costumes, as línguas, as crenças e as tradições indígenas, rompendo com a perspectiva integracionista adotada pelo Estado Brasileiro até então.