O Futuro Especulativo do Brasil

O impacto da privatização da Eletrobras
por
Maria Eduarda dos Anjos
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29/06/2022 - 12h

 

Após cinco anos de negociação e trabalho pesado de lobby, a Eletrobrás abriu seu patrimônio para ser dividido e vendido na Bolsa de Valores, no dia 13 de junho. Os acionários foram rápidos em garantir seus papéis e agora são maioria na composição do Conselho da empresa, que pela primeira vez tem suas decisões concentradas na mão do mercado ao invés do Estado. A medida foi uma das poucas realizações do que o ministro Paulo Guedes prometeu em sua campanha neoliberal. A União ainda tem a “Golden Share”, que lhe permite veto de decisões estratégicas, mas mesmo com essa espécie de proteção, nove representantes públicos que compunham o comitê renunciaram no sábado, 18 de julho. As motivações políticas e todos esses trâmites transacionais embarcam na problemática real do déficit de produção de energia, que causou ameaças de Apagões gerais em neste ano e em 2012 além do consumado Apagão em 2011. Mas a privatização não é a resposta de ouro que resolverá a falta de suprimento, visto que a falta de regularização efetiva e restritiva faz com que os impactos da privatização para a população sejam imprevisíveis, fazendo a venda da maior distribuidora de energia do Brasil - ela carrega em suas costas 1/3 da produção total- especulativa, que nem o mercado onde se encontra.

Ao colocar seus ativos no mercado, a Eletrobrás contava com a mão invisível do mercado para forrar seu caixa. “ O setor público tem dificuldades de fazer investimentos. Vindo de anos de déficit fiscal do governo federal, essa falta de caixa dificulta para uma empresa pública fazer investimentos. Então, teoricamente, a possibilidade de captação no mercado, seja via negociação de ações, ou investimentos de bancos privados e parceiros, seria muito mais fácil, o que permitiria a expansão rápida na produção”, analisa o professor Renan Pieri da Fundação Getúlio Vargas em entrevista concedida para AGEMT. Essa insuficiência da parte elétrica fez com que distribuidoras recorrem a recursos mais caros, como as termelétricas, o que explica em parte a conta de luz ter ficado cada vez mais cara.

Analistas apoiadores dessa privatização também comparam a futura rota da Eletrobrás com a de outras empresas estatais que foram privatizadas na Europa, uma equiparação atrasada em vista do processo de reestatização de empresas que foram abertas para o mercado em meados de 1980 e 1990. Desde a abertura, os serviços caíram de qualidade e pouco custo benefício. Para além disso, se viu lá um problema endêmico do organismo mercadológico, que é a monopolização da produção naqueles que mais lucram. Por ter começado e terminado seu primeiro ciclo de industrialização, a Europa já conta com regulação própria para evitar tal concentração, coisa que não aconteceu nacionalmente antes da privatização de uma das maiores empresas do Brasil. Pieri explica que “lá, já há um histórico de regulação de oligopólios. Nossa experiência vem desde os anos 90, muito recente. É difícil comparar as empresas elétricas daqui com as de lá, mas elas servem de lição: o grande problema das privatizações é aumentar a concentração de mercado e gerar comportamento monopolista não regulamentado. Do jeito que é hoje, é preciso reforçar mais o papel das agências reguladoras, dando liberdade e condições para regular mercado para não cair nessa baixa de competitividade”.

Mesmo que administrada pela camada econômica e política mais alta, os efeitos dessa privatização também se estendem para o cidadão comum. Ainda é incerto se essa medida encarecerá ou barateará a conta de luz doméstica. Em perspectiva histórica, a desestatização da Telefonias barateou o serviço e expandiu o acesso, mas isso não é regra. Quando questionado sobre, o professor da FGV reitera o peso da regularização: “o setor energético é muito concentrado, com poucas empresas […] Se o preço vai subir ou cair depende muito da regulação da Aneel, limitando as ações monopolistas, cobrando preços muito altos”. Devido a venda, a Eletrobrás previu a “descotização” do parque gerador de energia da companhia, o que significa que as hidrelétricas da empresa deixarão de seguir o regime de cotas (com preços regulados, mais baixos) e passarão a seguir as regras do Regime de Produção Independente de Energia, em contratos de concessão de 30 anos. O analista do setor de energia elétrica da Lafis Consultoria, Marcel Carneiro, ressalta em entrevista que “Cabe destacar que a empresa deverá pagar ao longo dos próximos anos uma quantia de mais de R$ 30 bilhões de reais para amortizar os custos nas tarifas do sistema elétrico nacional. Caso não houvesse essa obrigação, seria indiscutível que a privatização levaria a um aumento dos preços, mas com essa compensação, os impactos nas tarifas seriam reduzidos. O objetivo dessas compensações é trazer um impacto nulo para as tarifas”. Essas são as medidas acordadas em primeira instância da venda dos ativos e é provável que o Estado consiga impedir qualquer alteração que faça o povo pagar por essa transição, mas, com a mudança de cadeiras do Conselho, isso pode voltar a ser uma dança de interesses e benefícios.

As implicações políticas são indissociáveis do movimento de mercado causado pela Eletrobrás, por mais que a passagem para o mercado especulativo queira diminuir justamente isso. A possível mudança da presidência para as mãos de Lula, cuja campanha é veementemente contra a desestatização, coloca em dúvida o quanto será desfeito, ou pelo contrário, negociado com empresários e retentores de papéis da Eletrobrás. Apesar da integração no mercado internacional, a privatização de estatais é sempre uma aposta de altos lucros ou altas perdas às custas da soberania nacional. “A opinião pública sobre privatização é cíclica”, conclui Pieri, e influenciada pelo quanto pesa no bolso e à qual nome de chapa pode se colocar o nome.