"Nem dócil, nem obediente"

Resenha do livro Infocracia, de Byung-Chul Han expõe falsa liberdade e vigilância nas redes sociais
por
Catarina Pace
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13/11/2023 - 12h

Lançado em 2022, o livro Infocracia analisa as relações sociais e democráticas da era da tecnologia. Byung-Chul Han une em sua obra aspectos da política digital, da sociedade e da maneira em que a própria informação é manipulada nesse momento. Em cinco partes, o autor consegue analisar e descrever as questões em torno de cada situação em que as redes sociais e a tecnologia incidem na liberdade e na capacidade de gerir informações. “O sujeito submisso do regime de informação não é nem dócil, nem obediente. Ao contrário, supõe-se livre, autêntico e criativo. Produz-se e se performa”, enfatiza o autor. No primeiro capítulo, Han faz uma análise profunda da maneira como a sociedade começou a lidar com a liberdade. O mundo sempre viveu momentos de lutas constantes por liberdade, e finalmente na era da internet, ele “alcançou”. Pelo menos, é o que se parece. 

Mas, a liberdade que as redes sociais costumam propagar faz parte de um modelo diferente. O autor compara o regime de informação com o regime disciplinar de Foucault, em que a sociedade não teria liberdade de se livrar da vigia. Mas, na sociedade da informação essa vigilância se desfaz em redes abertas, ou seja, nas redes sociais. A visibilidade é produzida então, pela conexão e não mais pelo isolamento. 

A tecnologia funciona através de bases de dados, assim como as redes sociais, o que se torna uma grande ironia. A sensação de liberdade que se tem ao usar a internet, gera dados e só aumenta mais a vigilância. “Nos regimes de informação, as pessoas não se sentem, além disso, vigiadas, mas livres. Paradoxalmente, é o sentimento de liberdade que assegura a dominação. [...] A dominação se faz no momento em que liberdade e vigilância coincidem.”

Os influenciadores são hoje, o maior exemplo dessa dominação digital que Han frisa. Eles são adorados, tem fãs como se fossem donos de verdades e de identidades que todos gostariam de ter. A autenticidade no capitalismo moderno não existe mais. Todos querem ter a roupa de fulano, o mesmo cabelo de ciclano e a vida de beltrano, mas ainda sim, acreditam que isso é liberdade. Outra questão que pode ser relacionada com essa análise é a das recompensas digitais. Os usuários das redes anseiam por recompensas e por isso continuam alimentando sua necessidade. Por exemplo, quando uma foto é publicada no Instagram o usuário costuma receber likes por ela e assim, continua publicando para receber cada vez mais likes e seguidores. Mas por que esse tipo de recompensa só funciona na vida digital?

É simples. Ninguém é 100% verdadeiro no ambiente digital, os usuários mostram o que querem que seus seguidores vejam e achem que são na vida real. E talvez por decepção ou por não querer se decepcionar, criam a vida “perfeita” em um ambiente que não é nada verdadeiro. E assim, criam uma era do egoísmo, do ego inflado e da individualidade. No capítulo “O fim da ação comunicativa”, Han ainda problematiza essa questão da autopropaganda. “Levam igualmente a perda de empatia. Hoje, cada um presta homenagem ao culto de si mesmo. Cada um performa e se produz”. Ele usa o termo “tribos digitais”, para caracterizar esses grupos que criam uma falsa noção de identidade e liberdade e os espalham nas redes. 

Mas tudo isso está atrelado a facilidade de criar e de espalhar as informações. Há uma crise da verdade quando toda e qualquer informação pode ser divulgada e assim, hoje, ela já chega nas pessoas com o pré conceito de desconfiança fundamental, termo que Han usa para explicar. 

E não dá para esquecer que a crise da verdade é uma crise da sociedade. Ela gera diversos conflitos em uma democracia e acaba impedindo que seja feita da maneira correta e como tudo no cenário atual, se torna uma mercadoria. Como o autor explica, estamos presos em uma caverna digital, com muitas informações, mas sem verdade ou interpretação do que acontece. Tudo vira fútil no mundo digital e o que foi criado para facilitar e conectar pessoas, está individualizando e separando-as. Parece que na internet não há mais tempo para conversas sinceras ou exposições de verdades nuas e cruas. Quem se mostra realmente, é martirizado, leva uma enxurrada de comentários negativos que são frutos da toxicidade cultivada nos ambientes virtuais. 

Isso deixa cada vez mais claro que a sociedade virtual quer continuar mantendo a mentira, a falsa vida e a falsa felicidade, porque se não existe na vida real, pode ser forjada em um ambiente que aceita esse tipo de “falsa liberdade”. Mas talvez, ainda falte pouco tempo para que as pessoas percebam que a liberdade das redes não é real, ela se esconde atrás de dados e informações roubadas de cada usuário e cada personalidade, que acaba sendo perdida no mundo real.