Alunos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) realizaram uma ocupação no campus Monte Alegre nesta semana, protestando contra o posicionamento da reitoria frente cobranças sobre falhas na infraestrutura e casos de discriminação nos cursos. Na sexta-feira (23), o reitor Vidal Serrano compareceu a uma assembleia geral para conversar com os estudantes. Após o diálogo foi determinado que a ocupação iria durar até segunda-feira (26).
As manifestações começaram na segunda-feira (19) e tiveram seu estopim em uma assembleia organizada pelo Centro Acadêmico de Psicologia (CAPSI), na quarta-feira (21), que definiu a interrupção das aulas no curso. Os Centros Acadêmicos de Ciências Sociais (CACS), Serviços Sociais (CASS), Relações Internacionais (CARI) e o Coletivo Negro Saravá também participaram da assembleia e aderiram à organização dos atos. Seus respectivos cursos estão com aulas suspensas desde o início da semana.
A assembleia do Centro Acadêmico de Psicologia
Os estudantes iniciaram os protestos com base em denúncias feitas por alunos sobre os casos de racismo, infraestrutura da universidade, permanência estudantil e atitudes da reitoria diante desses ocorridos na universidade, nos últimos 2 anos.
Durante a assembleia, a vice-presidente do CAPSI, Ana Julia Araujo, comentou sobre as reclamações dos estudantes: “Uma das pautas colocadas foi o fechamento do curso de pós-graduação de Relações Internacionais, o programa San Tiago Dantas, essencial na pesquisa da causa dos povos palestinos”. Ela também aponta falta de diálogo entre a Fundasp (mantenedora da PUC-SP) e o corpo docente e discente do curso antes de tomar a decisão de encerrar o programa.
Outras denúncias incluem atos de racismo por parte dos docentes dos cursos de História e Ciências Sociais. Em um caso relatado à Folha de S. Paulo, em 2024, uma aluna - única não branca de sua sala - afirmou ter sofrido racismo de uma professora no curso de História. Quando denunciada pela aluna à ouvidoria, a Fundasp afirmou que não iria afastá-la, pois seria muito caro à fundação, devido aos 40 anos de trabalho da professora para a universidade.
Em entrevista à AGEMT, Athos Soares, estudante de Ciências Sociais, conta que um aluno do curso, ao tentar entrar na sala de aula, foi barrado e questionado por um segurança a respeito da sua permanência no local.
O ápice das denúncias ocorreu nesta semana, com a queda de parte do teto do edifício Cardeal Motta, conhecido como “prédio velho”, durante a assembleia do CACS, na segunda-feira (19). Discentes que gostariam de ser deixados em anonimato afirmam à AGEMT terem visto um grupo de crianças em excursão na área minutos antes do ocorrido.
Na manhã de quarta-feira (21), um vídeo de um rato andando pelo refeitório universitário circulou pelas redes sociais, interditando o espaço e alarmando os estudantes sobre a higiene do local.
Após os Centros Acadêmicos dos cursos da Faculdade de Ciências Sociais (FACSOCS) aderirem à paralisação no início da semana, o resultado da votação dos alunos de psicologia foi de unanimidade entre os presentes na assembleia, por 193 a favor da interrupção das atividades curriculares.
Definida a paralisação, os estudantes realizaram piquetes nas entradas do prédio Cardeal Motta, utilizando mesas e cadeiras para bloquear os acessos ao edifício e às entradas das salas dos cursos de Ciências Sociais, Serviços Sociais e Psicologia.

Na manhã da quinta-feira (22), o acesso ao campus pela rampa da Rua Monte Alegre (que estava bloqueado) foi aberto para a circulação dos funcionários. Espaços em meio aos piquetes para que os alunos acessassem as salas de aula também foram liberados, mas as cadeiras ainda estavam presentes, revelando a constante presença dos alunos.
Posicionamento dos outros centros acadêmicos
Os protestos foram oficialmente apoiados pelos Coletivos Da Ponte pra Cá - frente organizada por alunos bolsistas -, União da Juventude Comunista (UJC), Movimento Correnteza e pelo Centro Acadêmico de Jornalismo Benevides Paixão (Benê).

O Centro Acadêmico 22 de Agosto, do curso de Direito, sob a gestão Alvorecer, inicialmente não havia aderido à paralisação, mas na manhã desta quinta-feira (22), a gestão convocou uma assembleia para decidir o posicionamento dos alunos.

Após referendo via formulário on-line, à 00h de sexta-feira (23), por 504 votos o curso manteve sua posição e não se uniu ao movimento.
O Centro Acadêmico Leão XIII, da Faculdade de Economia e Administração, realizou manifestações publicamente e convocou uma votação virtual na quinta-feira (22) para decidir se iria aderir à interrupção das atividades. O resultado, divulgado na sexta-feira (23), definiu que o centro acadêmico não irá aderir à ocupação, por preocupações com o calendário acadêmico e prejuízo nas disciplinas
Exigências do protesto e os cortes da Fundasp
Em carta de proposta aberta assinada pelo CACS, CASS, CARI e pelo coletivo Saravá, os alunos apresentam algumas das demandas gerais para a reitoria da universidade, entre elas o congelamento e diminuição das mensalidades dos cursos, a abertura de contas da Fundasp e a implementação de cotas para pessoas trans.
Em meio às exigências, se destacam a elaboração de um currículo anti-racista na universidade e cursos de letramento racial e de gênero aos professores. “A gente vê um sucateamento gigantesco entre os professores, por exemplo, docentes negros sendo contratados depois de muita luta, mas recebendo salários menores que os brancos”, conta Athos. Sobre as novas contratações, ele acrescenta, “esses funcionários são contratados não como professores, mas sim como assistentes de ensino, sendo excluídos da carreira, mas ainda exercendo função como docentes”.
Em relação aos estudantes bolsistas, o ativista retoma: “Fica muito difícil para os alunos entrarem e se manterem em uma universidade que não pagam, mas também não lhes são oferecidos planos de carreira”, em referência à identificação do aluno com o corpo docente e a qualidade de ensino oferecida pela universidade. Tais movimentos reiteram que, para a Fundasp, “há a necessidade de manutenção de um estado de profissionais que foram formados há muito tempo e que têm um currículo desatualizado para o nível dos estudantes”, completa Athos.

Durante a assembleia, os protestantes questionaram a falta de disponibilização de bolsas para alunos pretos, pardos e indígenas, assim como a remoção do programa de bolsas integrais nas refeições do restaurante universitário. “O programa de bolsas do ‘bandejão’, que antes eram de duas refeições ao dia, agora é reduzido a uma, para todos os bolsistas menos os do FIES” (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior), afirma Athos. O estudante ainda manifesta: “a galera mais fodida, que se endivida pelo o resto da vida para entrar na universidade, não tem direito nem a comer dentro do campus”.
Os alunos exigiram uma resposta mais firme e imediata da reitoria e da FUNDASP quanto aos casos de injúrias raciais. Uma das exigências presentes na carta proposta é a de “ação institucional contra alunos, professores e funcionários envolvidos em casos de preconceito e abuso em geral reconhecido pelo corpo discente”. Ao longo da manifestação de quarta (21), Athos, membro do Movimento Correnteza, disse: “eu pago cinco mil reais pra vir pra cá sofrer racismo. Vocês acham isso justo?” se dirigindo à plateia de quase 130 pessoas.

Com a apuração dos últimos editais de bolsa, é notável que de forma gradativa, a universidade tem feito cortes nos programas de bolsa. A Fundasp, nos últimos 10 anos, reduziu o número de bolsas em 92,89%. O que antes eram 450 bolsas integrais filantrópicas se tornaram somente 32. Vale ressaltar que esse número é dividido entre todos os cursos.
Segundo apurações do Centro Acadêmico de Psicologia, nesse ano não houveram vagas ofertadas pelo PROUNI (Programa Universidade para Todos) nos cursos de História, Ciências Sociais, Pedagogia, Serviço Social, Jornalismo, Arte: História Crítica e Curadoria, Comunicação e Multimeios, além de Publicidade e Propaganda. Ainda, só foi disponibilizada uma bolsa para pessoas PPI (pretos, pardos e indígenas) em cursos como Psicologia, amplamente procurado.
O que diz a PUC?
Ao ser questionada pela AGEMT, a assessoria da reitoria afirmou que “a manifestação desta quarta-feira (21/5) afetou brevemente a normalidade do Campus Monte Alegre”. Em outro comunicado, direcionado ao portal de notícias CNN, a universidade ressalta: “a nova Reitoria da PUC-SP está e sempre esteve aberta ao diálogo com todos os alunos. Embora as pautas levantadas sejam de relevo, a manifestação desta quarta-feira envolveu um grupo minoritário de estudantes de cursos do edifício Cardeal Motta”.
No entanto, a assembleia realizada na manhã desta quinta-feira (22) pelo Centro Acadêmico de Direito reuniu mais de 300 alunos de cursos variados na área da quadra da universidade, segundo a presidente do centro acadêmico, Lais Hera, durante o evento. O conjunto de protestantes presentes nestas manifestações durante os horários das atividades curriculares já ultrapassa este número e vem crescendo cada vez mais.
Os estudantes organizaram uma programação durante a semana, que inclui assembleias gerais entre os centros acadêmicos, aulas abertas e palestras na quinta-feira (22) e na sexta-feira (23).