Mobilidade urbana e sustentabilidade: o uso das bicicletas em São Paulo

O papel dos institutos de mobilidade na incorporação do ciclismo no dia a dia de uma grande metrópole
por
Isabelle Maieru
Laura Paro
Marina Jonas
|
02/05/2023 - 12h

Reprodução: arquivo pessoal / Yuri Vasquez
Reprodução: arquivo pessoal / Yuri Velasquez

O direito de ir e vir, assim como diversos outros direitos assegurados por lei ao cidadão, é, muitas vezes, negado. Os grandes centros urbanos brasileiros costumam ser repletos de desigualdade e segregação socioespacial, fazendo com que aqueles com menos condições financeiras vivam longe de seus centros – onde costumam ficar importantes áreas de lazer, cultura, educação e trabalho – e tenham que percorrer maiores distâncias para chegar até ele. Além disso, essas cidades têm a tendência de direcionar parte significativa de seus espaços aos carros, que acabam virando um de seus principais meios de locomoção, levando a menos investimentos em serviços públicos de transporte e mais investimentos em rodovias, por exemplo, excluindo, novamente, grande parte de sua população.

Diante das dificuldades enfrentadas para se ter uma mobilidade democrática, possível e sustentável nos centros urbanos, surge, no ano de 2009, a CicloCidade: Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo. Seu principal objetivo é ampliar o uso da bicicleta na cidade e, também, “torná-la mais humana, equitativa do ponto de vista de raça e gênero”, explica Yuri Vasquez, associado da CicloCidade. Segundo ele, são diversos os benefícios e importâncias de se incentivar o uso desse transporte nas cidades. Primeiramente, do ponto de vista climático, pois como sabemos, a bicicleta é um dos veículos que mais potencializa a força humana e que faz com que as pessoas emitam menos gases do efeito estufa, que contribuem para a crise climática. Também é benéfica para o uso equitativo do espaço urbano, humanizando as relações, pois com ela há um contato mais próximo entre uma pessoa e outra. 

Mesmo com essas vantagens, o uso de bicicletas ainda parece ser uma realidade distante para maioria da população da cidade de São Paulo. Além desse modo de locomoção não estar ao alcance de todos, aqueles que possuem automóveis não consideram abandonar seus veículos ao percorrer trajetos curtos, seja a pé ou de bicicleta. Yuri explica que o certo seria fazer uma troca dessas viagens curtas para que as pessoas usassem os automóveis só quando for realmente necessário, e também usar mais o transporte público: “São viagens de 3km a 5km que correspondem a quase 80% das viagens diárias, mas muitas pessoas ainda insistem em fazer essas viagens de automóvel pelo simples conforto, por não conseguirem pensar em alternativas individuais”, afirma. 

Hoje em dia, não é possível mensurar ao certo, qual o uso diário real das bicicletas na cidade de São Paulo. A última pesquisa divulgada passou por período de pandemia, causando uma deficiência incapaz de indicar o número real. Porém, o associado revela que o instituto já está desenvolvendo uma pesquisa que seja capaz de mostrar indicadores reais: “A gente está em um projeto agora em conjunto com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), a Secretaria de Trânsito e Transporte (SMT), junto com a Metrópole Um para Um, projeto capitaneado pela CicloCidade com financiamento conseguido pela própria Associação com a maior série histórica de contagem. São 218 contagens para tentar mensurar quantas viagens/dia a gente tem na cidade. Ao final desse projeto a gente vai ter real noção da proporção.”

Além da importância do ciclismo para a cidade de São Paulo, Vasquez também explica que o uso de carros elétricos não seria o suficiente para solucionar os problemas que a cidade enfrenta, pois deve-se levar em conta os inúmeros acidentes decorrentes do trânsito: somente em 2021, 823 pessoas morreram nas ruas e avenidas paulistanas, segundo dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). “Só eletrificar os carros e não acalmar o trânsito, a vida e o convívio das pessoas a partir dele, mantém um dos maiores problemas que é a morte no trânsito, da qual sabemos que é um dos fatores que mais mata no Brasil”, afirma. 

Para Yuri, o uso cotidiano das bicicletas como principal meio de transporte só será possível se houver uma mudança na mentalidade da população. A cultura da construção da cidade, que desde o início do século XX, se deu voltada para a especulação imobiliária e o uso do automóvel, construiu um pensamento difícil de lidar. “A mentalidade das pessoas que também acreditam que andar de bicicleta na Europa é super especial e quando retornam para São Paulo voltam para a "síndrome de vira-lata” de que aqui não é possível(...) é muito difícil lidar com pessoas que acreditam que o automóvel é o mandatário do espaço urbano, que deve ocupar todos os espaços que deveriam ser comuns”, explica. 

Além disso, o representante da CicloCidade relata que os tomadores de decisão, que representam a população na esfera política, continuam a insistir em um projeto privatista do espaço urbano, que contempla apenas o automóvel como meio de transporte. “A gente sabe que a expansão do metrô é muito lenta, a expansão do transporte público é lenta, a expansão da caminhabilidade e ciclomobilidade também é muito lenta(...)A gente vê uma cidade que só cresce pra cima, verticalmente, prédios cada vez maiores e cada casa com mais de um carro.”, relata. 

Enquanto medidas que podem ser adotadas pelo público em geral a fim de buscar uma redução de danos, Vasquez sugere: “Eu acho que o transporte público é sim o grande salvador da realidade de uma cidade tomada por carros e que enfrenta todos os problemas que esse tipo de veículo traz. De forma coletiva, eu acho que se unir em grupos, trabalhar coletivamente para que a cidade se torne uma cidade mais agradável: com trabalho coletivo, com trabalho ligado à preservação do meio ambiente, de preservação das praças, de manutenção dos parques, de rodas de conversa, de encontros que discutam alternativas para que essa cidade possa se desenvolver de uma maneira mais sustentável”.

 

Para saber e entender mais, assista o vídeo no canal do CicloCidade: https://www.youtube.com/watch?v=OkrDeDkwCCY


 

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