Mídia e população: os riscos dos discursos de ódio e polarização

As mídias digitais têm desempenhado um papel significativo na crescente sociedade dos desafetos
por
Felipe Abel Horowicz Pjevac
Pedro Paes Barreto Monteiro
Felipe Volpi Botter
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06/11/2023 - 12h

A popularização das mídias digitais e a inserção dos grandes veículos de notícias em diversas plataformas da internet nos últimos 15 anos vem trazendo diversos benefícios para a população. O acesso mais fácil à informação, a abertura de novos espaços para debate, o lugar de fala (possibilitado a cidadãos com piores condições de vida) e o rápido compartilhamento de informações; a princípio podem parecer exclusivamente positivos para o funcionamento do sistema democrático. Mas, é necessário e urgente analisar o papel delas na polarização social, explorando como a cobertura mediática de questões políticas, culturais e sociais tem contribuído para a divisão da sociedade.

A mídia sempre desempenhou um papel fundamental na sociedade, moldando opiniões, informando o público e influenciando a forma como as pessoas veem o mundo ao seu redor. Essa postura de polarização extrema nas redes sociais só beneficia os donos das bigtechs, além de gerar bolhas específicas de opinião e ainda favorece que o algoritmo envie com mais precisão os conteúdos designados a cada grupo social. Outro fator importante é que para atingir o público desejado, o transmissor do conteúdo pode fazer uso das ferramentas mais eficientes para cada postagem. Dessa maneira, as fake news, frases tiradas de contexto, comparações desprovidas de sentido e teses comprovadamente equivocadas ganham força para alcançar aqueles receptores que aguardam por essas notícias.

Essa grande rede de manipulação prejudica o funcionamento da democracia em sua essência, pois o debate construtivo com os participantes sujeitos a uma possível mudança de opinião fundamenta o sistema democrática da maneira como o conhecemos nas sociedades atuais. É uma via de mão-dupla: os usuários das redes incentivam uma postura mais polarizadora da mídia, acessando apenas conteúdo que favoreçam suas opiniões e criticando veementemente qualquer tipo de postagem que vá contra aquilo que acredita ou que ao menos incentive uma reflexão. Xingamentos nos comentários, bloqueios em massa e o famoso ‘reclamar sem ler’ são medidas que refletem a incapacidade de interpretar e absorver informações de ambos os lados.

Em entrevista ao UOL, a jornalista Luciana Gurgel deu o nome de Fox News-ização a esse processo, devido à emissora que é responsabilizada por ter desencadeado um enorme sistema polarizador nos Estados Unidos antes das eleições presidenciais entre Donald Trump e Hillary Clinton em 2016: “A ‘Fox News-ização’ da mídia representa um perigo fatal para as democracias porque mina a base da harmonia civil e do debate público tolerante”.

Luciana completa: “Considerando que não é um erro a mídia expressar uma opinião, como acontece em editoriais, artigos de colunistas e programa de debates", mas isso não é prestação de serviço, mas opinião, que muitas vezes não favorece a democracia. Na obra ‘Infocracia’, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, fala muito sobre as técnicas de microtargeting e como esse processo é relacionado com uma divisão maior na sociedade. Todo o processo de psicometria é baseado na análise de dados e perfis pelas grandes empresas que controlam as redes (Google, Microsoft, Meta, Amazon, Apple, entre outras). O comportamento dos cidadãos em redes muitas vezes pode parecer puramente espontâneo, mas até mesmo os comentários mais ofensivos e genéricos são influenciados e manipulados em níveis inconscientes por esferas que desejam promover o ‘caos’ social para sua escalada.

 

Foto Polarização Internet
A política e a internet se misturam de muitas maneiras, trazendo pontos positivos e negativos

Uma das maneiras pelas quais a mídia contribui para a polarização social é através do sensacionalismo e do uso de títulos sensacionalistas, comumente conhecidos como "clickbait". Os veículos de comunicação muitas vezes destacam histórias que provocam emoções intensas, como raiva, medo ou indignação, a fim de atrair mais espectadores ou leitores. Isso pode levar a uma visão distorcida da realidade, exagerando problemas e agravando as divisões sociais.

O livro ‘Infocracia’ também traz esse tema, demonstrando que o afeto se forma e se propaga com mais força e intensidade do que a racionalidade. Qualquer conteúdo que atinja o espectador pela emoção tende a criar um laço maior do que algo que exija a interpretação. Essa é uma característica marcante da sociedade da informação, que, pautada por um caráter de curto-prazo, não oferece ao seu cidadão o tempo necessário para tomar a ação racional.

Outra maneira pela qual a mídia contribui para a polarização é através de viés e seletividade na cobertura de notícias. Os veículos de comunicação podem favorecer certas perspectivas políticas ou ideológicas, retratando eventos de maneira tendenciosa. Isso pode criar uma bolha de informações onde as pessoas só são expostas a um ponto de vista, reforçando suas crenças e alienando aqueles que pensam de maneira diferente.

A polarização social é um desafio significativo que afeta muitas sociedades nos últimos anos, e a mídia desempenha um papel importante nesse fenômeno. O sensacionalismo, o viés, a seletividade e o uso de redes sociais desempenham um papel na criação de divisões na sociedade. No entanto, a mídia também pode ser uma força positiva na promoção do diálogo, da compreensão e da unidade. É crucial que a mídia e os consumidores de notícias sejam conscientes de seu papel na sociedade e trabalhem juntos para reduzir a polarização e promover uma comunicação mais equilibrada e construtiva.