Mickey 17 e a caricatura do nazismo

Novo filme de Bong Joon-Ho não emplaca em bilheteria, mas apresenta crítica social necessária
por
Davi de Almeida Madi Rezende
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31/03/2025 - 12h

 

"Mickey 17”, nova produção estrelada por Robert Pattinson, estreou nos cinemas no último dia 6. Dirigida pelo sul-coreano Bong Joon-Ho, mente por trás de Parasita - vencedor do Oscar de melhor filme em 2019 - a obra aposta em um gênero e tom fora do comum na filmografia do cineasta. A produção é uma ficção científica bem-humorada, mas que carrega uma crítica social clara e direcionada ao governo dos EUA.

A história segue a rotina de Mickey Barnes (Robert Pattinson), um jovem estadunidense que na busca por dinheiro, decide se associar a uma expedição espacial em busca de um planeta substituto à Terra. Neste programa, o protagonista assume a função de um “descartável” - um funcionário selecionado especificamente para missões e experimentos nos quais a única certeza é que não retornará com vida. Sua particularidade, porém, é que Mickey pode ter seu corpo recriado artificialmente por uma máquina quantas vezes for necessário, mantendo sua memória intacta. Desta forma, o “descartável” pode ser enviado à morte inúmeras vezes, sempre retornando como se nada tivesse acontecido.

Robert Pattinson em trajes de astronauta no espaço em foto de divulgação do filme "Mickey 17"
(Robert Pattinson em cena do filme “Mickey 17” Foto: Divulgação/Warner Bros.)

 

O Filme é uma adaptação direta do romance literário "Mickey 7", de Edward Ashton, lançado em 2023, e era esperado como uma das grandes promessas da temporada. Com a direção de Bong Joon-Ho e um elenco estrelado, a obra tinha tudo para ser destaque entre os lançamentos do ano. Entretanto, a estreia de “Mickey 17” ficou bem abaixo do esperado pelo estúdio de produção. O fracasso inicial da obra pode ser entendido através da principal temática da narrativa, a sua crítica social, mas também pela forma como apresenta seu subtexto. Apesar de uma distopia aparentemente divertida, o filme tem como segunda camada uma analogia caricatural e satírica a um modelo de um governo fascista já conhecido. 

Na história, o protagonista é chefiado pelo candidato à presidência Kenneth Marshall, que lidera a exploração espacial terráquea. O governo do personagem interpretado por Mark Ruffalo é uma clara alusão ao regime ditatorial nazista, com cenas que relembram discursos eugenistas de defesa de uma suposta “raça pura”,  saudações e simbolos similares aos propagados pelo nazismo. Sua figura, propriamente dita, flerta com uma caricatura de Hitler, Trump e até mesmo Elon Musk, tanto em aparência quanto em ações, enviando a população da Terra ao espaço e espalhando um discurso de ódio à raças diferentes da sua, da mesma forma como o atual presidente dos EUA faz com os imigrantes.

Nesta analogia, Mickey representa a força de produção deste governo, a mão humana necessária para que os planos corram bem, mas que não deixa de ser descartável e facilmente substituível. Sua função está na mais baixa categoria social, e é frequentemente a razão da maioria das piadas do filme, mas também propõe uma reflexão ao espectador: quando sua vida é descartável, qual valor você tem para a sociedade? 

Mark Ruffalo e Toni Collette em sala de jantar em foto de divulgação do filme "Mickey 17"
(Mark Ruffalo e Toni Collette em cena do filme “Mickey 17” Foto: Divulgação/Warner Bros.)

 

Apesar do universo criativo adaptado pelo diretor, a crítica social retratada é exposta de forma tão óbvia que domina o filme, deixando pouco espaço para uma história que não seja essa. A obra busca colocar tanta relevância para seu segundo plano crítico que acaba não dando espaço para mais nada. Ao fim, a sensação deixada para o espectador é que a história de Mickey é um pouco rasa e tudo que o filme quer é apresentar sua crítica a todo momento, saturando sua própria ideia perto do fim.

Mesmo com pontos negativos, o saldo da obra é positivo, já que mesmo podendo ter desenvolvido com mais profundidade algumas ideias do universo distópico proposto no livro de Edward Ashton, a proposta é bem produzida. O que se segue da obra, e também o que interessa a quem assiste, é a maneira como Bong Joon-Ho espalha suas críticas e analogias de forma bem humorada na trama. O filme tem um tom diferente de Parasita, mais divertido e com uma ambientação incomum, agradando os fãs de ficção científica. Ainda assim, a obra contém momentos, por mais breves que sejam, de tensão, mostrando que o diretor sul-coreano sabe deixar o espectador “na ponta da cadeira”. 

Robert Pattinson deitado em maca de hospital usando um capacete e recebendo uma injeção em foto de divulgação do filme "Mickey 17"
(Robert Pattinson em cena do filme "Mickey 17" Foto: Divulgação/Warner Bros.)

O filme é um grande experimento do diretor em um novo gênero e tom, deixando sua criatividade correr solta com as possibilidades do Sci-Fi propostas pelo livro. As piadas e momentos de humor seguem os padrões do romance de 2023 e são bem colocados, de forma a tirar boas risadas ao mesmo tempo que propõe as reflexões críticas do roteiro. A grande caricatura do nazi-fascismo é exagerada, mas essa é a proposta, impressionar com o absurdo e talvez assim esclarecer as similaridades de alguns elementos com a realidade. O filme diverte para então chocar.

A força que a produção demonstra nas bilheterias em seu mês de estreia decepciona as previsões, mas precisa viver com essa realidade ao apresentar uma crítica tão clara ao país de seu principal público consumidor, os EUA. Apesar disso, em um mundo onde os comportamentos de governos como o de Trump se aproximam cada vez mais do absurdo, críticas claras, óbvias e caricaturais talvez sejam o meio necessário de alertar. “Mickey 17” pode ser um filme que passa batido nos olhos do povo agora, mas futuramente se espera que sua proposta seja refletida, quando a tempestade passar.

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