O tempo da responsabilidade das plataformas sobre o conteúdo publicado nas redes sociais já estava em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2014, mas vivenciou idas e vindas, em meio a um intenso debate político e legislativo no Congresso. Porém, acontecimentos marcantes na vida política brasileira, como o atentado com explosivos ao prédio da Corte e o encerramento do inquérito da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe bolsonarista, fizeram com que o assunto ganhasse nova urgência. A partir desse momento, ministros começaram a se posicionar publicamente sobre o julgamento.
O Supremo começa a julgar no dia 27 de novembro seis processos relacionados às redes sociais. O principal foco das discussões está no artigo 19 do Marco Civil da Internet, sobre a possibilidade de as plataformas serem responsabilizadas por conteúdo criminoso divulgado por terceiros. Em seminário na Assembleia de Mato Grosso, o ministro Alexandre de Moraes afirmou: “É necessário para que nós possamos voltar à normalidade democrática, uma regulamentação e o fim dessa impunidade. Não há nenhum setor e nunca houve nenhum setor na história da humanidade que afete muitas pessoas que não tenha sido regulamentado”.
O decano do STF, Gilmar Mendes, também aproveitou uma sessão do STF no dia seguinte ao atentado de 13 de novembro para reforçar sua posição: “A revisitação dos fatos que antecederam aos ataques de ontem é pressuposto para a realização de um debate racional sobre a defesa de nossas instituições, sobre a regulação das redes sociais, que, como todos sabem, se avizinha, e sobre eventuais propostas de anistiar criminosos.”
O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, ao destacar que as redes sociais são um ponto de partida para o radicalismo político e a desinformação, lembrou de outros episódios recentes, como o 8 de janeiro de 2023: “Neste dia, milhares de pessoas, mancomunadas via redes sociais e com a grave cumplicidade das autoridades, invadiram e depredaram a sede dos três poderes da República.” Dessa forma, a maioria dos ministros do STF hoje reconhece que a radicalização política é impulsionada pelo uso das redes sociais e pelos algoritmos que disseminam notícias falsas e ataques às instituições.
O que é o Marco Civil da Internet?
A Lei nº 12.965, conhecida como Marco Civil da Internet, foi sancionada em 2014 e estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Ela visa garantir uma internet mais livre, segura e acessível, protegendo tanto os direitos dos usuários quanto incentivando a inovação e o desenvolvimento da rede. Contudo, sua implementação total estava pendente de uma regulamentação mais profunda, que agora se concretiza com a decisão do STF.
O Marco Civil aborda temas cruciais, como a neutralidade da rede, a proteção de dados pessoais, a liberdade de expressão e a responsabilidade de provedores de internet. Um dos maiores desafios, e também um dos maiores avanços, foi assegurar que todas as informações trafegadas na rede sejam tratadas de forma igual, sem privilégios para determinados conteúdos ou serviços.
As três ações do STF
Os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Edson Fachin, relatores de três ações que abordam o Marco Civil da Internet e as responsabilidades das plataformas digitais. A decisão final sobre a data do julgamento agora fica a cargo do presidente da Corte. Confira abaixo um resumo de cada um dos processos em questão:
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Recurso Extraordinário (RE) 1037396 (Tema 987 da repercussão geral)
Relator: Dias Toffoli
Este recurso questiona a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que exige uma ordem judicial específica antes que sites, provedores de internet e redes sociais sejam responsabilizados por conteúdos prejudiciais postados por terceiros.
2. Recurso Extraordinário (RE) 1057258 (Tema 533 da repercussão geral)
Relator: Luiz Fux
O processo discute a responsabilidade das plataformas digitais, como aplicativos e ferramentas de internet, pelo conteúdo gerado pelos usuários. A ação também aborda a possibilidade de remoção de conteúdos prejudiciais, como aqueles que violam direitos de personalidade, incitam ódio ou espalham notícias falsas, a partir de uma notificação extrajudicial.
3. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 403
Relator: Edson Fachin
A ADPF analisa a legalidade do bloqueio do aplicativo de mensagens WhatsApp por decisões judiciais, questionando se essa prática viola o direito à liberdade de expressão e comunicação, além de avaliar o princípio da proporcionalidade. O tema foi debatido em audiência pública realizada em julho de 2017.