Cada vez mais as redes sociais passam a ser um dos principais meios de informação das pessoas. Segundo pesquisa do Alfaia Lab, mais da metade dos brasileiros usam as redes sociais como principal fonte de informação. E isso impacta a política do país em vários âmbitos.
Para entender melhor as consequências disso, a AGEMT entrevistou uma das principais pesquisadoras do Brasil nessa área, a professora Lucia Santaella.

Segundo Lucia, esse fenômeno se inicia na desconfiança com a grande mídia que existiu desde sempre, mas que ganhou força com a chegada da internet como possível espaço para veículos independentes. Isso se acentuou no Brasil a partir das manifestações de 2013. “Foi a época de criação da Mídia Ninja, que em sua inserção ágil na própria rua, evidenciou trapalhadas da grande mídia e demonstrou sua incapacidade de registrar o fervor do coletivo em movimento vital”. Santaella trabalhou na inserção das mídias digitais como meio de informação e os abalos que a mídia tradicional sofreu.
Porém Santaella destaca que, desde 2016, as redes sociais tiveram fortes mudanças e o que foi sonhado com a chegada da democracia e da palavra aberta, se tornou palavra perversa. “Se tornou o oposto na era da pós-verdade, provocada pelas fake news”.
A professora afirma que a liberdade das redes sociais se tornou um espaço de grupos políticos fanáticos disseminadores de informações, que muitas vezes não são devidamente apuradas. “Infelizmente as pessoas hoje vivem em bolhas alienantes, e o pior, fechadas na satisfação autocomplacente de suas mentes encolhidas vociferando paixões tristes como o ódio e o apagamento da alteridade”, completou.
Para Lucia, os políticos se aproveitam disso para criar suas narrativas próprias, principalmente aquelas que atacam a democracia. Com isso, a confiança na grande mídia também passou a ser reivindicada por seu compromisso com a checagem dos fatos.
Um exemplo disso foram as fakes news sobre as urnas eletrônicas propagadas durante as campanhas eleitorais. O TSE divulgou que em 2022 removeu mais de 150 publicações falsas sobre as urnas eletrônicas e o processo de votação. Todas elas propagadas pela extrema direita, um ataque à democracia desde o início das campanhas, que resultou nos atos de vandalismo do dia 8 de janeiro de 2023 e fez parte da tentativa de golpe de estado do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus cúmplices.
A professora finalizou dizendo que para que possamos sanar esses problemas, não temos muitas alternativas, o caminho é um só: “não existe cura para esse estado de desinformação, a não ser a educação midiática levada a sério”. É por isso também que ela tem cada vez mais buscado abordar esse tema.
Vera Chaia, Doutora em Ciências Políticas, aponta para como as informações veiculadas na internet e nas redes sociais, tornaram-se fundamentais para a formação dos cidadãos. “Elas auxiliam os políticos a se projetarem e informarem suas ações para suas bases eleitorais.”

O documentário da Netflix “Dilema das Redes”, lançado em 2020, denunciou a compra de dados de mais de 50 milhões usuários do Facebook para direcionar a campanha de Donald Trump para as eleições presidenciais estadunidenses de 2017. E fez um alerta para os usuários das redes sociais com uma famosa fala de um ex designer da Google, Tristan Harris: “Se você não está pagando pelo produto, então você é o produto”.
Segundo análise da SciElo Brasil e dados de uma pesquisa realizada pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, a campanha de Jair Bolsonaro utilizou, em 2018, uma estratégia de comunicação parecida com a de Donald Trump em 2017, consistindo no foco em diferentes perfis de eleitores, com técnicas de microtargeting e profiling. Microtargeting político é um tipo de estratégia em que se emprega uma combinação entre análise de dados e campanha política personalizada. Já a técnica denominada psychometric profiling acontece a partir do desenvolvimento de perfis do eleitorado tendo como base seus traços de personalidade.
A internet e seu crescimento exponencial contribuíram para a disseminação política e quem acabou conseguindo melhor alcance foi a extrema direita, se utilizando de discursos falsos e apelativos aproveitando de todo e qualquer caso para se promover.
Um estudo feito pela Universidade Fluminense aponta que a ascensão da extrema direita está diretamente ligada ao crescimento das mídias sociais.
No último mês, o caso de adultização publicado pelo Youtuber Felca, mostra como a exposição de crianças na internet pode ser perigosa e fonte de munição para pedófilos. Seu vídeo tomou grandes proporções, fazendo com que autoridades e a população brasileira soubessem e entendessem a gravidade do que era tratado, levando o Congresso a abordar a pauta de maneira urgente.
“A classe política, que já havia apresentado projetos limitando a ação das redes sociais por representarem uma influência negativa para crianças e adolescentes, ganhou força política com o vídeo”, reforçou Vera Chaia.