"Instituições não estão preparadas para lidar com pessoas trans"

A psicóloga Ilda Aparecida (54) enumera casos de violência e transfobia com crianças e adolescentes na periferia da Zona Leste
por
Julia Barbosa
João Pedro Lopes
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14/09/2023 - 12h

“E quando a família diz que não tem preconceito é por que abreviam o nome de registro dela”, conta a psicóloga sobre a vivência familiar de uma das crianças que atendeu no Centro de Defesa da Criança e do Adolescentes de Sapopemba. A garota de 15 anos, que veio ao consultório de Ilda após passar por outras 11 unidades do Saica, Serviço de acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes, sofria exploração sexual e se encontra desaparecida após repressão da avó e do serviço de acolhimento. 

Ao conceder a entrevista, Ilda optou por zelar pela privacidade das crianças, não revelando seus nomes. Disse ainda que as instituições não estão preparadas para lidar com pessoas trans, e havia casos de transfobia vinda dos funcionários e acolhedores. “Existem várias situações de violação de direitos e discriminação. Alguns funcionários chamavam ela de ele e se recusavam a usar o nome social quando se referindo a garota.” 

A psicóloga diz que a menina descobriu pontos de prostituição no bairro mas tinha dificuldade em perceber que estava sendo explorada. “Ela não consegue pegar dinheiro nenhum, o que ela consegue são só algumas trocas”. Após sua saída no Saica, ela retornou a casa da avó que cuidou dela na ausência dos pais, mas não ficou por muito tempo, fugindo de casa em poucas semanas, estando desaparecida desde o dia 12 de agosto. 

Em outro caso na mesma unidade, Ilda traz relatos de uma menina ainda mais nova. “Quando ela chegou aos 10 anos pra gente no CEDECA, falava que era uma menina mas não tinha certeza e nesse período de um ano e pouco ela amadureceu. Tanto que recentemente ela chegou pra nós e pediu que usássemos o nome social nos nossos documentos, isso a gente fez e pediu também pros outros serviços (Saica).”  

Assim como a menina anterior, a sua família também não aceitou sua transição, morando na rua por alguns meses e sofrendo abusos. Ao voltar para casa ficou aos cuidados da avó, que decidiu cuidar da neta depois de ser deserdada pela mãe e a ausência recente do pai. “Ela é alguém que está aflorando agora, mas também já está vivenciando a transfobia em vários espaços, até dentro da escola. Mas está se fortalecendo.”  

No Serviço de acolhimento os adolescentes ao completarem a maioridade são transferidos para uma república jovem e auxiliados pelo CEDECA na procura de um emprego. Em mais um dos casos que atendeu, Ilda fala de um garoto trans: “Ele já está próximo de atingir os 18 anos, tem uma baixa escolaridade, no abrigo não encontraram um serviço pra ele, tem essa questão da morte da mãe que ele nunca conseguiu viver o luto e a péssima relação com as irmãs. É alguém que está lutando para sobreviver.”  

O jovem não consegue encontrar um lar após conflitos também com a família, tendo se mudado para Goiás com a irmã mais velha, porém voltou para São Paulo após sofrer agressões dentro de casa. “A gente tá ajudando ele a se fortalecer, eu vejo ele muito perdido. Perto de jovens da mesma idade eu sinto que ainda falta um pouco dessa malícia.”