Inês Etienne Romeu: Símbolo de Resistência Feminina

Historiadora corajosamente lutou por democracia durante a ditadura, e continuou lutando por justiça após o fim dela.
por
Henrique Silva Rodrigues
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25/04/2024 - 12h

Nascida em 1942, em Pouso Alegre (MG), Inês Etienne Romeu foi uma guerrilheira integrante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), que tinha como objetivo combater o regime militar instalado em 1964.  

Foi presa em cinco de maio de 1971, na avenida Santo Amaro, por uma operação comandada pelo Delegado Sérgio Paranhos Fleury. Foi levada para o Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS) e foi interrogada. Em seguida, foi levada à ala de tortura, onde foi submetida ao “pau de arara” somado a espancamento, assim como choques elétricos na cabeça, mãos e pés. 

Para escapar da tortura, alegou ter um encontro com um companheiro da organização no dia seguinte, no Rio de Janeiro. Levada ao suposto local de encontro, se jogou na frente de um ônibus em uma tentativa de suicídio, temendo a continuação de sua tortura. Foi levada para o Hospital da Vila Militar onde recebeu transfusão de sangue, antes de ser transferida para o Hospital Carlos Chagas. 

Antes mesmo de se recuperar, foi retirada a força do hospital, vendada e jogada em uma caminhonete. Foi interrogada no caminho e sua viagem teve como destino final a “Casa da Morte” em Petrópolis (RJ), local em que ficou presa por 96 dias, sofrendo tortura, estupro e humilhação. Foi forçada a escrever três documentos: uma análise sobre as esquerdas, o motivo de sua saída da organização e uma crítica sobre os órgãos de repressão do governo, que não necessariamente refletiam seu verdadeiro ponto de vista sobre estes assuntos, dadas as condições em que os escreveu. 

Foi oferecida uma saída “humana” para sua condição por um de seus algozes, uma nova tentativa de suicídio, a qual queriam que fosse pública e sugeriram que refizesse o feito de se jogar na frente de um ônibus. Chegando ao local, não teve coragem de seguir em diante com o plano e foi severamente punida com mais sofrimento físico e psicológico. Dias depois, atentaria contra a própria vida novamente. Desta vez cortando o pulso com um pedaço de armação da cama de campanha, fracassando devido à falta de capacidade de cortar do material. 

Fingiu aceitar a proposta dos torturadores de tornar-se agente da repressão e se infiltrar na sua antiga organização. Período no qual passou por recuperação física, assinou uma declaração ditada pelos seus algozes, assinou um “contrato de trabalho” e foi forçada a gravar um vídeo, no qual lia seu contrato e dizia ter sido bem tratada por seus carcereiros. Todas eram mentiras previamente ensaiadas. 

Recebeu histórias falsas para dizer à sua família e aos ex-companheiros de organização e um plano para seguir, mas graças a conversas que escutou de madrugada, passou a suspeitar de uma cilada que resultaria em sua morte. Para não colaborar com sua morte forjada, tentou suicídio mais uma vez, cortando seus pulsos. Arrependeu-se graças a esperança de futuramente poder denunciar tudo que viveu e presenciou. Gritou então por socorro, recebendo suturas e transfusão de sangue. Esta foi sua terceira, mas não sua última tentativa. Antes do fim de seu cárcere fez uma quarta tentativa, engolindo vidro moído. Apesar de tudo isso, Etienne declarou que nunca foi uma suicida em potencial e que só tentou se matar tantas vezes pelo tratamento desumano que foi submetida. 

Foi deixada na casa da irmã, em Belo Horizonte (MG), e posteriormente levada a um hospital para recuperação. Teve sua prisão oficializada em novembro de 1971 e foi julgada no ano seguinte. Condenada à prisão perpétua pela morte de um segurança do embaixador suíço Giovanni Bucher, durante seu sequestro, teve sua pena reduzida para 30 anos após concluírem que Inês não cometeu crime de morte e novamente reduzida para 8 anos. Deixou a prisão em 1979, após cumprir sua sentença. É considerada a última presa política a ser libertada e foi anistiada em 2001. 

Única sobrevivente da casa da morte, ajudou a encontrar seu endereço secreto, apontou vítimas que passaram pelo local e identificou muitos de seus captores nas investigações da Comissão Nacional da Verdade. 

Em 2003, foi encontrada ensanguentada no chão por uma faxineira após a visita de um marceneiro. A polícia considerou um acidente doméstico, porém o relatório médico dizia que o traumatismo craniano havia sido causado por “múltiplos e diversos golpes”. O autor do crime nunca foi identificado e Etienne passou a ter dificuldades para se movimentar e comunicar. 

O governo brasileiro, em 2009, homenageou-a com o prêmio de direitos humanos na categoria de Direito à memória e à Verdade. 

Morreu em 27 de abril de 2015 aos 72 anos, em Niterói (RJ), deixando um legado de luta, resistência e resiliência. 

Inês Etienne Romeu é personagem de destaque no Memorial da Resistência de São Paulo, que possui uma parte de seu espaço reservado a evidenciar a história do regime militar da perspectiva feminina. “Não ouvimos muito sobre as mulheres na ditadura, só coisas básicas, como o cárcere da Dilma. É ótimo que a exposição mostre parte da história construída por mulheres, que boa parte da sociedade desconhece. É inspirador e uma representatividade muito válida”, relata Laura, estudante de jornalismo que visitou o memorial. 

Na exposição podemos encontrar cópias do relatório da Ordem dos Advogados do Brasil, nos quais Etienne relata sua trajetória desde a captura até a internação na casa da Saúde Santa Maria, onde se recuperava quando dava seu depoimento, pouco antes de sua prisão. Além disso, encontram-se outros documentos, como cartas que recebeu e que escreveu, e uma amostra do filme “Inês” (1974), de Delphine Seyrig, que denunciou internacionalmente as situações vividas por Inês na ditadura militar.

Esta matéria foi produzida como parte integrante das Atividades Extensionistas do curso de Jornalismo da PUC-SP.

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