Indústria de moda se reinventa para sobreviver à crise

Segundo consultor, clientes estão mais atentos a atitudes de marcas na pandemia; Chanel é criticada por reajuste de até 25%
por
Vittória Burattini
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28/06/2020 - 12h

Em uma sociedade, seja antes da globalização ou atualmente, a moda sempre esteve presente entre a população. A forma de se vestir está diretamente relacionada com a cultura e os acontecimentos históricos. Por isso, não é uma surpresa a indústria fashion passar por mudanças e se reinventar, durante a pandemia de Covid-19, em 2020. 

Por conta da modificação de hábitos determinada pelo vírus, a população está mais focada em gastar seu dinheiro com coisas realmente necessárias, como alimentos e saúde, desmotivando o consumo de produtos não tão essenciais, como bolsas, joias e roupas de luxo. Com essa alteração nos costumes, a indústria da moda, principalmente a moda de luxo, se viu em desvantagem e, consequentemente, em crise. 

De acordo com as pesquisas da consultoria de administração americana Bain & Company, nos primeiros seis meses de 2020, o mercado de luxo sofrerá uma queda de 25% a 30% nas vendas. O primeiro impacto das marcas de luxo foi no começo da pandemia, em dezembro, quando a Covid-19 se espalhou pela China. Em 2019, o país asiático foi responsável por 90% do crescimento do comércio de luxo. Assim, quando a pandemia exigiu a quarentena, as marcas ficaram sem seus principais clientes. 

Ainda segundo a Bain & Company, a pandemia é uma ameaça para o setor de luxo. Os empregos e o mercado financeiro estão sob forte tensão, gerando uma consequente queda na confiança e na disposição dos consumidores de gastarem seu dinheiro com produtos mais caros. Além disso, a procura de bens e serviços de luxo pelos turistas continuará sendo interrompida pelas restrições de viagem e pelo constante medo de um possível contágio. 

Com todas essas alterações na economia da indústria de luxo, algumas marcas tiveram que se reinventar para continuar no mercado, mas nem todas de um modo positivo. A Chanel, um dos nomes mais tradicionais no comércio de luxo, anunciou o aumento de até 25% nos preços de suas bolsas mais clássicas. A marca francesa, que já é notoriamente conhecida pelo alto valor de suas peças, chegou a acrescentar quase mil euros no valor de algumas bolsas, alcançando a quantia de € 3.350. Já a bolsa "Chanel Classic Small Flap Bag" aumentou 20,9%, saltando de € 4.550, para € 5.500, quase R$ 31 mil. A marca usou o crescimento do valor das matérias-primas, como o couro de diversos animais, como justificativa para o reajuste. 

A jornalista e blogueira especializada em moda Luisa Accorsi usou seu alto número de seguidores para debater o aumento de preços das bolsas Chanel. Em seu canal do YouTube, a influencer deu sua visão sobre a mudança e explicou que a marca é uma das únicas do mercado de luxo que não vendem online. Consequentemente, a grife não vendeu nada durante todos os meses que ficou sem funcionar.

"A marca pode ter aumentado os preços para tentar compensar esse tempo que as lojas estavam fechadas. Porque não me parece que as matérias-primas realmente aumentaram tanto assim os valores, para justificar o aumento. Para mim, o acréscimo no preço das bolsas, em meio a uma pandemia, é um distanciamento do público", opinou a profissional. 

Luisa também falou sobre a estratégia de igualar os preços dos itens para estimular o consumo dentro do próprio país: "Atualmente, comprar peças de luxo, como a Chanel, na Europa é muito mais barato do que comprar aqui no Brasil ou na China. Existe muito o costume das pessoas viajarem para a Europa na procura de comprar as bolsas, mas com o cenário atual, em que ninguém está viajando, isso acabou. Com a equivalência dos preços, os consumidores são incentivados a comprar os produtos de luxo em seus respectivos países". 

Ao contrário da Chanel, a maioria das marcas de luxo continuam com seus preços inalterados, e até doaram fundos para combater a pandemia de Covid-19. Uma dessas grifes é a Gucci, que disponibilizou € 2 milhões de seu lucro para campanhas de arrecadação de fundos na Itália. 

Como estratégia para fugir da crise, Alessandro Michele, diretor criativo da marca italiana, anunciou no Instagram que irá reduzir pela metade o número de desfiles quando a pandemia acabar. Além de ser uma forma de economizar, essa fuga do calendário da moda foi justificada pela procura dos consumidores por coleções mais permanentes e atemporais, fugindo da chamada fast fashion. 

 Para Luisa, a Gucci está mais à frente da Chanel, já que a grife italiana está caminhando para uma relação mais próxima dos clientes e a uma ruptura com o 'status quo'. Enquanto isso, a Chanel só se afasta, por conta da sua vontade de exclusividade e alto preço. "As pessoas estão procurando marcas que elas se identifiquem com os valores, com a postura. Ter uma relação mais pessoal com a marca. Isso é o futuro", afirmou a jornalista. 

Claudio Diniz, CEO da Maison du Luxe (butique na área de conhecimento, consultoria e eventos) e coordenador da Comissão de Luxo da Câmara de Comércio França-Brasil, afirma que o mercado de luxo não combina com insegurança e, em tempos de Covid-19, a incerteza é constante. "As pessoas que têm dinheiro não deixaram de ter. O que acontece é que elas estão inseguras e não se sentem confortáveis em gastar com produtos mais caros, sendo que nem saem de casa", declara o professor de marketing de luxo. 

Assim como Luisa Accorsi, Claudio diz que os clientes de grande grifes querem saber o que as marcas estão fazendo por eles durante a pandemia, ou seja, se continuam agindo como se nada fora do habitual estivesse acontecendo ou se estão ajudando a população de seu país na produção de máscaras ou distribuição de produtos essenciais de higiene. De acordo com o especialista, quando o consumidor compra um produto de luxo, aquilo faz parte de seu estilo de vida e o produto deve falar com o cliente. 

 Apesar da crise econômica e de saúde causada pela pandemia, a China continua consumindo. Os clientes chineses são responsáveis por 30% das compras de luxo no mundo e os preços dos produtos de marca não costumam preocupá-los. Segundo a Footwear News, no primeiro dia pós-quarentena, a loja da grife Hermés faturou US$ 2,7 milhões, um recorde de vendas. 

 "O luxo está perdendo seu brilho. O produto agora é feito para ser vendido. O mercado ficou mercantil. Perdeu o brilho quando passou a não olhar mais para o cliente individualmente, e sim a reduzi-lo apenas ao dinheiro. Estamos valendo o quanto podemos oferecer", reflete Claudio Diniz.