Falta de alinhamento entre governos traz recuo grande e retomada lenta na economia, aponta especialista

Isolamento causado pela pandemia do novo coronavírus gerou “prioridades” entre autoridades
por
Vanessa Loiola
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26/06/2020 - 12h

Após a Covid-19 se espalhar pelo mundo e matar de maneira muito rápida milhões de pessoas, medidas drásticas foram tomadas para conter o avanço do coronavírus. O isolamento horizontal foi proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a medida mais eficaz para conter a aglomeração de pessoas e assim evitar um colapso no sistema de saúde. No entanto, o presidente da República, Jair Bolsonaro, se opôs e defendeu que apenas as pessoas que estão no grupo de risco deveriam permanecer isoladas em suas devidas residências para evitar uma queda brusca na economia brasileira propondo, assim, o isolamento vertical. Com isso, as divergência de teses entre os governos trouxeram debates entre diferentes classes sociais do país.

O Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) de 2019, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), colocou o Brasil na sétima posição de país mais desigual do mundo. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018, 13,5 milhões de brasileiros viviam abaixo da linha da pobreza, ou seja, sobreviviam com menos de R$145 por mês. Além disso, a grande parte da população vive em situações precárias e divide a residência com muitas pessoas, o que traz dificuldades para manter-se isolada, além de muitos jovens viverem com pessoas do grupo de risco - idosos, diabéticos, hipertensos, asmáticos, fumantes e pessoas com doenças do coração -, apesar de também estarem propensos a irem a óbito mesmo não apresentado comorbidades.

O professor, mestre e economista André Paiva Ramos faz uma análise sobre os impactos da pandemia: "Essa questão da população não estar respeitando, muitos indo na tese do presidente, nessa tese que para mim é irresponsável, de que tem que voltar as atividades, acaba que não se consegue conter. Mais pessoas vão começar a ficar doentes e é uma curva exponencial", destacou e acrescentou que poderá haver colapso na saúde e a necessidade de um isolamento mais severo, o que atingirá de maneira ainda mais forte a economia brasileira.

Yuri Busin, mestre e doutor em neurociência cognitiva, destaca que a melhor forma de conter o vírus é se informando: "A educação precisa ser informativa, ela precisa ser repetitiva, as pessoas precisam ter consciência a partir do momento que elas são informadas de uma forma clara. Atualmente a gente vê que existem muitas divergências e isso faz com que a população foque obviamente nessa situação divergente. Então é preciso ter muito mais um processo educacional para que as pessoas fiquem mais em casa e cuidem-se melhor".

Embora haja um desacordo entre as autoridades governamentais, a medida adotada atualmente é que a população que puder trabalhar de maneira remota fique em casa, só podendo funcionar, mantendo os cuidados com a higiene, os estabelecimentos considerados essenciais: supermercados, farmácias, postos de gasolina, açougues, padarias, pet shops etc, tudo isso para driblar uma superlotação dos leitos nos hospitais e evitar que as pessoas morram em casa, sem atendimento médico. Em contrapartida, com a redução do consumo, trará um rombo na economia do país, além de impactos sociais como desemprego, pobreza, empresas falidas, queda na arrecadação do governo, que implicaria em menos recursos para o próprio sistema de saúde etc.

André cita o relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre o desenvolvimento do Produto Interno Bruto (PIB), que aponta que os países que conseguiram conter o avanço da doença de uma forma mais rápida sofreram menos impactos econômicos e sociais. "Quanto mais rápido a população respeitar a questão do isolamento social e só as pessoas que são em atividades emergenciais que está operando se mantiver, mais rápido a gente vai conseguir conter o avanço e vai conseguir liberar a economia".

Em relação a economia brasileira, o FMI projeta que a economia vai retrair em 2020 5,3%, levando em consideração as medidas  atuais de contenção ao avanço do coronavírus, podendo haver uma queda mais grave chegando até a 8% de retração, de acordo com alguns economistas, destacando ainda que o Brasil já vinha de uma recuperação muito frágil desde 2016.

Na prática, é necessário ainda levar em consideração quanto tempo a população consegue manter-se isoladas sem alteração na saúde mental. "Na atual circunstância algumas dessas situações de bem-estar, alguns comportamentos, alguns costumes que essas pessoas tinham foram totalmente retirados da vida delas. Então as pessoas acabam tendo um pouco mais de dificuldades de recomposição mental para que ela consiga lidar com esse estresse enorme que elas estão sentindo", disse Yuri e citou ainda a pressão social que os profissionais da área da saúde tem de lidar diante de um vírus desconhecido. "É muito relevante que todos os hospitais também olhem para a saúde mental tanto dos pacientes e familiares quanto dos profissionais que trabalham dentro desse novo modo de Covid para que as pessoas consigam se manter bem", comentou o psicólogo.

Diante do cenário incerto que a pandemia do novo coronavírus trouxe para a economia do país e para a vida das pessoas, André fala sobre as possíveis projeções para o país após a contenção da doença: "O tamanho da retração econômica e da recuperação da atividade econômica vai depender muito das próprias medidas que o governo venha a adotar. Se não tiver uma medida efetiva para estimular a economia após terminar o isolamento social a gente vai ter primeiro um recuo muito grande, depois uma retomada muito lenta, ou seja, a gente vai demorar mais de quatro anos para conseguir restabelecer o nível de atividade que a gente tinha no período anterior a pandemia, que já é um nível muito abaixo de produção, de emprego, de renda, do que a gente tinha em 2014", analisa.