No último sábado de setembro (27), aconteceu no Pátio Estação São Bento, o encontro do Hip-Hop. Este evento acontece todo último sábado do mês e tem como objetivo manter vivo o legado e a essência do hip hop nacional. Considerado o berço do hip-hop brasileiro, o pátio da São Bento é palco de encontros desde meados da década de 80.
Na época, os encontros ocorriam todo sábado e serviam como um palco para troca de experiências, vivências e aprendizados. “Eu sou de São Mateus…então assim, nóis treinava lá, e aqui era o lugar [São Bento] onde a gente tirava a prova. Então aqui vinham várias gangues, várias turmas de vários lugares, e aí começava o racha. Aqui não tinha hora...e assim ia” conta o B-Boy–como são chamados os dançarinos de break– Kapote. Ainda em entrevista com AGEMT, ele lembra que, antigamente a vida era mais leve, “na cabeça era só dançar, dançar, dançar…era o que nóis tinha…não tinha mais nada, a não ser o barro, candomblé ou a igreja” e completou, com os olhos cheios de água, “se não fosse o break, eu não estaria aqui hoje. Não estaria mesmo”.

Rooneyoyo O Guardião, um dos responsáveis pela execução da exposição Hip-Hop 80’SP– São Paulo na Onda do Break, no Sesc 24 de maio, reforça que falar da São Bento é também falar de sentimento afetivo e de legado. “O Hip-Hop pra mim é vida. Vida positiva, vida que você pode compartilhar coisas boas e aprender muita coisa interessante com os seus amigos, com seus parceiros. As pessoas que estão em volta de você são sua proteção, seu laço…é importante isso, é bem legal!”, declara.
Durante um período, as atividades no Pátio foram encerradas, e só voltaram depois da produção coletiva de um abaixo assinado. Atualmente, o espaço é liberado uma vez por mês, e, apesar dessa mudança, o que realmente falta é um apoio, tanto financeiro quanto estrutural, que perdure. “A gente faz isso há 40 anos, então toda ajuda ou colaboração artística é sempre bem-vinda em questões financeiras, né…porque isso faz parte de um trabalho, que precisa ser remunerado por alguma parte. Muitas vezes ela é corporativa e muitas vezes pode ser também governamental pra poder fazer com que o trabalho se expanda e chegue a mais pessoas”, afirma O Guardião.
O Hip-Hop têm o poder de unir e de aproximar pessoas com gostos, experiências pessoais e interesses em comum. Para Rooneyoyo, o mais especial sobre o movimento é o que ele proporciona na vida de cada um. Desde menino inserido no meio, ele garante que o sentimento ainda é o mesmo. “Eu saio de casa com a mesma intensidade, mesma vontade, é…eu faço isso há tanto tempo, que eu me sinto sempre igual: bem” e conclui, “é um lugar que tenho muitos amigos, fiz muitos amigos, e muitas vezes eu não sei nem o nome, nem o endereço, mas a gente empresta disco, empresta fita, empresta câmera, empresta as coisas e no outro mês ta aqui…é uma família”.

Carlos Heduardo, B-Boy de 9 anos e membro da Federação de Breaking do Mato Grosso do Sul, a FBMS, em entrevista à AGEMT, relata que o break (um dos pilares do movimento do hip-hop) é uma paixão herdada do pai, também Carlos Heduardo. Além de sentir-se orgulhoso por construir esse legado, o genitor afirma que é gratificante ver o filho seguir seus passos: “é um sonho passando de geração em geração”.
Somado a carreira de B-Boy, Heduardo é educador e acredita que a história do pátio deveria ser pautada em escolas e em pesquisas, a fim de promover um ensino amplo e que alavanque a cultura. “Por mais que [o hip-hop] já tenha avançado bastante, ainda precisamos de incentivo. Isso aqui é um patrimônio cultural. Todos os cantos do mundo, do Brasil, as pessoas falam de São Bento…É manter firme, fazer a São Bento continuar”, disse.
A nossa conversa aconteceu no mesmo dia que marcou a primeira visita de seu filho à São Bento. Era nítido no olhar e no jeito de falar do menino, o quão confortável ele estava. Era transparente que ele, mesmo com tão pouca idade, já se sentia pertencente àquele local. Essa é a mágica do hip-hop. Ele te acolhe quando ninguém mais te acolhe. Ele te valoriza, quando ninguém mais te valoriza. Ele é único e eterno.
E quando questionado sobre o que quer ser quando crescer, Carlos Heduardo respondeu: “eu? eu já estou sendo o que queria–sou B-Boy”.
Além do break, rap e grafite, os patins também fazem parte do grande conglomerado Hip-Hop. Juliana Jeronimo, patinadora e frequentadora da São Bento há 3 anos, compartilha que os patins foram os responsáveis por fazer com que ela conhecesse o movimento hip-hop e o próprio pátio. “Aqui foi um lugar onde eu consegui ser acolhida pra vir dançar as músicas da cultura do hip-hop e do patins”. Para ela, essas atividades a ajudam a se expressar e ser o que quiser fora do sistema.
Ainda que tenha se sentido acolhida quase que de imediato, Juliana comenta que o pessoal mais jovem tende a ser mais receptivo, enquanto os mais velhos ainda sofrem com os choques geracionais. “Tem alguns pontos ainda a melhorar, mas a galera nova vem chegando e vem trazendo essa informação e essa quebra de preconceitos.”
Luiz Carlos “Paciência”, participante do movimento há mais de 30 anos, destaca que reunir o pessoal das “antiga” e os mais novos é a chave para manter o movimento vivo. O hip-hop vai além das gerações, ele atravessa o tempo, sobrevive e resiste durante anos. Seja pela audácia de quem lutou por isso ou pelo respeito de quem chega para somar.