Do desprezo à representatividade: o funk como porta-voz das periferias

Apesar do sucesso, a parcela da sociedade que insiste em discriminar o funk negligencia pautas e nega parte da cultura do país
por
Júlia Nogueira e Gabrielle Barbosa
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15/04/2021 - 12h

 

Das favelas às grandes baladas de elite, dos barracos aos palácios, o funk vem ganhando cada vez mais espaço Brasil afora. A cultura popular é qualquer manifestação cultural de que o povo produz e participa ativamente, como por exemplo o funk. Ao longo de três décadas de evolução, foram criadas inúmeras vertentes sob o estilo musical mais popular do país, como brega funk, pop funk, arrocha funk entre outros. O ritmo que saiu das periferias por pessoas produzindo músicas de uma forma extremamente precária e hoje vem tomando cada vez mais gravadoras e rádios é um ótimo exemplo dos efeitos da indústria cultural. 

Um dos textos mais conhecidos de Theodor Adorno e Max Horkheimer pela Escola de Frankfurt trata sobre o conceito de "Indústria Cultural, onde diz que a arte, dentro de um sistema capitalista, passa a ser tratada não como uma forma de expressão sincera, mas sim como um produto visando o lucro. Assim qualquer produto de arte, como a música, é transformado em produto para a “massa”, visando assim maior alcance e aceitação, gerando mais lucro. 

Fato é que o funk também movimenta a economia brasileira, despertando um incômodo em parte da população brasileira, com voz ativa, a elite. O funk assusta a elite brasileira, justamente por ser a realidade de muitos, mas conhecida por poucos. Assim a realidade da pobre população brasileira das favelas, acaba sendo invalidada, causando aversão à sociedade, em que ser morador de comunidade está automaticamente associado a ser bandido. A sociedade repulsa o termo “favelado”, pois é mais cômodo fingir que não existe a realidade que abrange a maioria do que encará-la. As pessoas querem hinos de amor e paz, vindos daqueles que não são expostos a essas circunstâncias. É preciso que levem incentivos e oportunidade aos moradores dessas comunidades, principalmente aos jovens, que são o maior número de ouvintes do funk, como afirmou a cantora Anitta em um palestra em Harvard: “A rejeição ao funk é única e exclusivamente porque veio do pobre, da favela. O funkeiro canta a realidade dele. Se ele acorda, abre a janela e vê gente armada se drogando, se prostituindo, essa é a realidade dele. Para mudar o contexto da letra do funk, você precisa mudar a realidade de quem está vivendo essa realidade”.

Com a apresentação da rapper Cardi B no Grammy 2021, que incluiu um trecho do remix do brasileiro Pedro Sampaio, o produtor dos Mamonas Assassinas, Rick Bonadio, moveu as redes após publicar em seu Twitter: “Já exportamos Bossa Nova, já exportamos Samba Rock, Jobim, Ben Jor. Até Roberto Carlos. Mas o barulho que fazem por causa de 15 segundos de Funk na apresentação da Cardi B me deixa com vergonha. Precisamos exportar música boa e não esse ‘fica de quatro!’”. Nomes do funk, como Anitta, Lexa e Valesca Popozuda, rebateram Bonadio “O funk evoluiu e cresceu tanto que estava no Grammy ontem. É preciso respeitar nosso movimento. Tenho respeito pelo seu trabalho e esperamos o mesmo respeito. O funk é cultura, é música e tá quebrando barreiras sim.” tweetou Lexa.

A cantora Ludmilla em entrevista ao Metrópoles em novembro de 2020 disse: “Levei o funk para as pessoas mais elitistas, aquelas que julgavam o ritmo como música de marginal e estou na luta para levar o funk para o mundo”. No último dia 3 de abril a cantora comandou o show na casa do Big Brother Brasil e durante sua performance declarou: "A próxima música que vou cantar agora fala sobre uma coisa que o mundo está precisando, que é respeito. Respeita o nosso funk, respeita a nossa cor, respeita o nosso cabelo”.

Apesar de ainda ser muito discriminado por grande parte da sociedade, o funk vem ganhando respeito na música e representando a comunidade. O funk é uma forma de porta-voz da favela, e a maneira como é criminalizado nega espaço às periferias e pautas importantes debatidas, como o racismo e a violência policial.

As periferias, diariamente marginalizadas no país e limitadas a relatos de violência e estatísticas de pobreza, encontraram no funk uma identidade e uma oportunidade para expressar o que vivem. A música da periferia ainda segue na luta pela conquista de seu espaço e respeito da sociedade.

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