Diversidade folclórica faz parte de um Brasil multifacetado

Saci, bumba meu boi e outras entidades configuram um imaginário rico e dinâmico que revelam a alma mais profunda de um país complexo
por
Anna Cecília Nunes
Ricardo Dias de Oliveira Filho
|
27/09/2022 - 12h

O folclore brasileiro é conhecido por sua riqueza e variedade, com maior destaque às lendas. Um dos personagens mais famosos da cultura brasileira é o Saci-Pererê, uma pequena criatura de uma perna só, que vive na floresta, e é conhecida por suas travessuras. A lenda do Saci teve origem no sul do Brasil e é diretamente influenciada por elementos culturais africanos e indígenas. 

Celebrado no dia 22 de agosto, o Dia Nacional do Folclore foi oficializado no Brasil através do decreto nº 56.747, assinado no dia 17 de agosto de 1965. Com o objetivo de garantir a identidade cultural e preservação do patrimônio folclórico brasileiro, sua perpetuação histórica é rica e importante, pois através dele o saber popular e identidade nacional são mantidos. 

Rodas de contação de história, festas tradicionais como Festas Juninas e Reisados, brincadeiras como pique-pega ou adedonha/stop, expressam a cultura e promovem esses elos entre os membros da comunidade.

“Em nosso Brasil de dimensão continental, teremos uma infinidade de cenários e enredos constituintes da Cultura Brasileira (Folclore Brasileiro) que não se comunicam entre si, contudo vale ressaltar que não existe hierarquia, nem tipologia de maior valor relacionado aos aspectos culturais de um povo”, contou o antropólogo Diogo Moreno.

O aspecto que destaca o Brasil é a riqueza cultural que influencia outros países, mas também desfruta de culturas de outras regiões. Um dos exemplos são os costumes da população de Foz do Iguaçu, que consomem, principalmente, da culinária e da música do Paraguai e Argentina. “É muito comum que cidades de países diferentes em zonas de fronteira compartilhem tantos aspectos culturais que façam com que um brasileiro que more em um desses lugares possa acabar se identificando mais com seus colegas do país vizinho do que com a identidade “nacional” em pessoas do mesmo país mas de outra região”, explica Lorena Herrero, folclorista há mais de 5 anos. 

Bumba meu boi, umas das festas popular no Norte e Nordeste do Brasil
Bumba meu boi, umas das festas popular no Norte e Nordeste do Brasil
Divulgação: Leiturinha

Apesar de aspectos de outros países, existe também uma ‘independência cultural’ entre os estados brasileiros. No folclore goiano, uma história, que foi contada no passado pelos pais para assustar as crianças e fazê-las obedecer às suas ordens em casa, é contada até os dias de hoje. “Em nosso país de dimensão continental podemos afirmar que existem diversos “folclores”, ou seja, a forma como se apresenta na região nordeste não necessariamente é a mesma das outras regiões do país”, confirma Diego Moreno. 

O conto do Velho do Saco fala de um idoso, de aparência simples, que afasta crianças desobedientes de lares e reuniões de adultos, deixando-lhes misteriosas mensagens de sabedoria. Não curiosamente, a história influenciou a formulação do personagem “Velho do Rio” da novela “Pantanal”, da Rede Globo.

“O relevo de uma região, suas estações, vegetação, fauna… todos interferem nos modos de vida de uma comunidade e nós nos moldamos a partir da nossa relação com esses fatores. Se vivemos em uma vila no interior, por exemplo, é muito comum que os seres míticos e as lendas da região se relacionem com animais, que os perigos se relacionem com a floresta ou com os rios. Já em grandes metrópoles, os ambientes que se relacionam com o medo passam a ser construções abandonadas, e os “monstros” se tornam mais humanos, como fantasmas, o Homem-do-saco ou a Loira do Banheiro”, explica Lorena Herrero. 

Outro exemplo de como o folclore é retratado no mundo do entretenimento é a minissérie brasileira “Cidade Invisível”. Na série original da Netflix, pessoas do convívio urbano da sociedade encontram personagens como Boto-cor-de-rosa, Iara, Saci-Pererê, Cuca e Curupira. A série tem um tom de suspense policial, mas não deixa de tirar a visão infantil que costumamos ter do Folclore, já que esses personagens nos são apresentados na infância. 

Uma das manifestações artísticas e populares do folclore brasileiro é o  Bumba meu boi, que surgiu no século XVIII, na região do Nordeste. A história envolvendo a dança está relacionada à lenda de uma dupla de escravos conhecidos como Pai Francisco e Mãe Catarina. A atração é um símbolo na cultura brasileira, principalmente no Estado do Maranhão, pois está ligada diretamente à identidade de seu povo. Além disso, a dança possui uma variedade de nomes em várias regiões do país, como: boi-bumbá, boi de reis, boi-surubi, boi-calema ou calumba, rancho de boi, boizinho etc.

É muito comum que tenhamos a ideia de que o Folclore se refere à manifestações culturais especificamente rurais e/ou antigas, elementos que não se relacionam com a maioria da população hoje, que é urbana e vive uma “era da tecnologia” e de avanços científicos. Por conta disso, muita gente entende que o Folclore é algo a ser superado, mas a cultura popular se adapta e está presente no contexto urbano e tecnológico de outras maneiras, ou em aspectos da vida que não entram tanto em conflito com a tecnologia ou a “ciência”.

Apesar de todos os cultos ao folclore nacional, as grandes metrópoles não se conectam da mesma maneira que as regiões interioranas e florestais. “Esse é um embate desigual, pois cada vez mais temos um culto ao que é estrangeiro em detrimento da valorização de uma cultura local, para corroborar como nosso pensamento basta lembrar toda veneração e espaço mercadológico dedicado ao “Halloween”, comenta o antropólogo.

A população tem uma relação dual com o folclore, hora menosprezado hora exaltado. Isso acontece pela diferença da “ideia” que temos de Folclore e como ela se diferencia de como vivemos a cultura popular de fato.

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