Diferenças entre ensino público e privado aumentam na pandemia

Desigualdade social afeta a educação de estudantes de acordo com o tipo de instituição que frequentam
por
João Victor Rubio Tiusso, Juliana de Mello Carrara e Marcelo Ferreira Victorio
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14/06/2021 - 12h

Com o agravamento da pandemia e o caos do ensino remoto, ampliou-se a diferença entre o ensino público e privado. É evidente a existência de um contraste entre qualidade de ensino, infraestrutura, métodos, organização das aulas e a cobrança de rendimento dos alunos de acordo com o tipo de instituição observada. 

As instituições privadas investiram no uso de plataformas de aula online, enquanto as públicas se viram obrigadas a paralisar suas atividades por falta de verba. De acordo com o professor de português da rede pública e particular, Murillo Marques, “o acesso às aulas online, está com uma defasagem enorme, pois os alunos não estão absorvendo o conteúdo". Segundo ele,  mesmo assim as instituições estão cobrando mais trabalhos e provas: "Os locais de estudo em suas casas não são apropriados, não é silencioso e é cheio de distrações.” 

A desigualdade social sempre marcou estudantes brasileiros e se agravou no ensino remoto no período da pandemia da Covid-19. As aulas em EaD exigindo a disponibilidade de diversos equipamentos eletrônicos, geralmente muito caros e, portanto, inacessíveis para a maior parte da população, e conexão com a internet. Porém, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 4,3 milhões de alunos não possuem acesso à internet, por isso são privados de acompanhar as aulas online, aumentando a disparidade entre os estudantes de classe média e os de classes menos favorecidas. 

Há uma diferença entre os alunos das duas instituições: “O estudante da rede pública, muitas vezes está preocupado com o que irá comer no dia, tem que conciliar trabalho e o estudo. Muitos não veem uma boa perspectiva de um futuro melhor, abandonando assim, os estudos.” afirma Murillo. “Já o aluno do particular, entra na escola com seu caminho trilhado: passar na universidade. Há exceções, claro, mas a grande parte já entra em um ritmo que pode ser cobrado firmemente em relação ao conteúdo.”  

            A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo liberou em 2021, a quantia de 28 milhões de reais do Programa de Transferência de Recursos Financeiros (PTRF) para o financiamento das atividades educacionais, reformas e a compra de artigos de higiene para o combate a Covid-19. Em entrevista, Solange Silva Jacinto, professora de artes da rede pública afirma que “está na hora de os governantes entenderem que as crianças não são o apenas o futuro, elas também são o presente, assim as políticas públicas precisam ser investidas na educação, para a construção de uma sociedade melhor.”

Apesar de haver muitos profissionais competentes na área, a falta de incentivo e de infraestrutura de qualidade no ensino público fizeram com que boa parte dos setores da sociedade brasileira vissem os professores e coordenadores a partir de uma ótica negativa. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Índice Global de Status de Professores, o Brasil é a nação onde profissionais da educação possuem menos prestígio, mesmo trabalhando em uma média de 48 horas semanais, enquanto nos demais países a média geral é de 39 horas.  Uma pesquisa feita pelo IBGE diz que 48% dos professores não recomendam a profissão para outras pessoas, sendo os principais motivos a baixa remuneração e a não valorização da profissão.

Essa desvalorização faz com que os professores se sintam desmotivados e desacreditados com a própria carreira. Consequentemente, cada vez menos funcionários entram para a rede pública, que por sua vez acabou se tornando desatualizada e sucateada, com os alunos vendo pouca utilidade prática na educação. Solange conta que “a falta de investimento do Estado gera uma grande desmotivação entre os alunos, pois eles não têm uma perspectiva de um futuro melhor, não sabem o porquê de estarem estudando, e se aquilo não vai ser um diferencial na vida deles.”

A falta de democratização do ensino também afeta no ingresso dos estudantes na vida universitária, como mostra uma pesquisa feita com 97 estudantes da PUC-SP dos cursos de Direito, Jornalismo e Publicidade: 51% das pessoas são vindas do ensino privado, com a renda maior que R$ 5.500  (equivalente a 5 salários mínimos); enquanto 21%, são provenientes do ensino público, com renda média de 2200 reais (2 salários mínimos) e ingressaram na faculdade através de programas de bolsas governamentais como o ProUni e Fies.

      A democratização do ensino está ocorrendo por meio dos clubes de leituras nas lajes de comunidades, da infinidade de professores voluntários presentes diariamente nas mídias sociais e na distribuição gratuita de material escolar e livros didáticos. A democratização do ensino depende de uma experiência sistemática que possa ajudar os alunos a se expressarem bem, a se comunicar de diversas formas, a desenvolverem o gosto pelo estudo, a dominarem o saber escolar, ajudá-los na formação de sua personalidade social, na sua organização enquanto coletividade. Isto é, a democratização do ensino depende de um projeto de escola democrática.

 

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