A democratização da cultura no território brasileiro, enfrenta desafios devido barreiras econômicas e à falta de incentivo. Muitos não têm a oportunidade de frequentar eventos culturais em virtude dos preços elevados. Para mudar essa realidade, iniciativas buscam ampliar as oportunidades, garantindo que a arte e o entretenimento sejam viáveis a todos, pois a cultura deve ser um direito, não um privilégio.
Para abordar esse tema, é fundamental considerar o contexto histórico. A África do Sul, dos anos 1948 e 1994, foi marcada por um período muito triste da história do país: o apartheid — um sistema de segregação racial com o objetivo de garantir privilégios aos brancos, excluindo a população negra dos direitos civis, políticos e sociais — criado durante o governo de Daniel François.
Conforme matéria intitulada “Entenda o que foi o regime racista do apartheid e como ele foi derrubado”, publicada em 26/12/2021 por France Presse no site G1. “Quase todo território (87%) era reservado aos brancos. Cerca de 3,5 milhões de pessoas foram expulsas à força, e os negros, relegados às 'townships', cidades-dormitório, e 'bantustões', reservas étnicas.”
Nelson Mandela se tornou um dos principais símbolos de resistência e ficou 27 anos preso. Em 1990, o governo de Frederik Willem de Klerk, iniciou o processo de encerramento dessa política, e em 1994, Mandela foi eleito o primeiro presidente negro da África do Sul, marcando o fim do regime, e de acordo com a matéria citada acima Mandela disse: “Finalmente livres.”
A advogada, professora e Doutora em Direitos Humanos pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Lucineia Rosa dos Santos explana a respeito: “Quando estive na África do Sul para a Oitava Conferência de Mulheres Negras Ativistas do Mundo, na época de Mandela em 1998, considerando o final do apartheid em 1994, ainda era muito recente a questão da segregação. Nos encontros, discutíamos a questão de um apartheid institucional, por um critério racial, dentro de um país do próprio sul-africano negro.”
Essa reunião fez Santos refletir sobre o Brasil. “Imediatamente, voltei minha mente para o Brasil, em 1998, havia um apartheid social com um viés racial. Me questionei quais eram as condições da população pobre, que mora nas regiões mais afastadas, periféricas, quais as opções de acesso à cultura e uma educação igualitária?”.
Embora a separação entre brancos e negros não seja oficial no Brasil, essa desigualdade dificulta o acesso à educação, ao emprego e à cultura, afetando a vida de muitas pessoas até hoje. “Atualmente há uma grande exclusão. Quando se fala em cultura falamos sobre Direitos Humanos. Seguindo a máxima de Paulo Freire: ‘a educação nos liberta, mas a cultura nos salva’ e onde não há cultura, teremos a violência”, diz a Doutora.
O Apartheid Social ou Cultural, refere-se a exclusão sistemática de determinados grupos sociais à movimentos artísticos. Essa divisão acontece por diversos motivos como: a falta de políticas públicas para que a população de baixa renda tenha acesso à shows e eventos culturais, a desigualdade econômica e a localidade dos eventos que em sua maioria acontecem em bairros considerados elitizados.
Ao pensarmos em eventos culturais no Brasil, associamos a uma precificação superfaturada e inacessibilidade aos ingressos.
Além disso, existe a problemática acerca dos cambistas, que compram uma grande quantidade de ingressos revendendo a preços exorbitantes. “Já é caríssimo um show! Você pega um grupo de seis pessoas que compram todos os ingressos, revendem num valor mais alto aos olhos de quem deveria coibir”. Ela comenta que uma forma de minimizar essa questão é a compra controlada por número de CPF (Cadastro de Pessoa Física).
Frente à exclusão cultural, é essencial a criação e manutenção de políticas públicas que promovam o acesso democrático à arte e ao entretenimento. Diversos programas buscam atender essa demanda, como o CEU (Centro Educacional Unificado), com 58 unidades ativas em São Paulo, e oferece atividades culturais e esportivas, beneficiando cerca de 2 milhões de pessoas por ano em regiões periféricas; o Vale Cultura, criado pela Lei nº 12.761/2012, chegou a atender mais de 400 mil trabalhadores com R$ 50 mensais por benefício, permitindo o consumo de produtos e eventos culturais; o Bolsa Família, que apoia mais de 21 milhões de famílias e contribui para a superação da pobreza; e o Bolsa Esporte, com mais de 6 mil beneficiários em 2024, um dos programas de maior patrocínio individual do mundo, com bolsas entre R$ 370 e R$ 15 mil, voltado para atletas de alto rendimento. Essas iniciativas, precisam ser ampliadas e articuladas entre sociedade civil, universidades e entidades como a CUFA (Central Única das Favelas), presente em mais de 17 estados, para garantir que os Direitos Humanos sejam efetivamente promovidos por meio da cultura.
A professora Santos encerra sua análise com preocupação de futuro com as próximas gerações. "A sociedade civil precisa atuar dentro do papel universitário, indo além dos muros acadêmicos. É necessário um trabalho contínuo com a população, já que estamos falando de cultura. Devemos pensar em como a sociedade pode manter políticas de gestão cultural e de que forma as Instituições Acadêmicas podem se unir em torno desse tema. Temos a CUFA e diversas outras entidades, que poderiam formar uma rede para tornar a cultura acessível a todos.”
Lucineia Rosa dos Santos, em sua sala na PUC-SP
Imagem: Arquivo pessoal.