Na última quarta-feira (16), as deputadas Erika Hilton (PSOL-SP) e Duda Salabert (PDT-MG) revelaram em suas redes sociais que, ao renovarem seus vistos para os Estados Unidos, foram classificadas com o gênero masculino, mesmo sendo reconhecidas como mulheres pela legislação brasileira. A alteração na identificação das parlamentares é resultado das novas políticas implementadas pelo presidente americano, Donald Trump, desde sua posse em janeiro de 2025.
Hilton havia renovado o visto para participar da Brazil Conference, realizada em Harvard e no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, onde seria palestrante em um curso sobre diversidade e democracia. No entanto, cancelou sua viagem ao descobrir a alteração em sua documentação. Já Salabert foi convidada para um curso sobre políticas públicas da primeira infância, que será realizado em maio, também em Harvard.
“Com o visto vencido, minha assessoria iniciou o processo de renovação junto ao consulado americano. Para minha surpresa — e revolta —, fui informada de que meu novo visto viria com a marcação de gênero como MASCULINO, com a ‘justificativa’ de que é de conhecimento público no Brasil que sou uma pessoa trans. Ou seja, minha identidade de gênero, reconhecida legalmente pelo Estado brasileiro, seria simplesmente ignorada”, relatou Duda Salabert na rede social “Instagram”.

Ambas as deputadas afirmaram ter acionado o Itamaraty. Hilton declarou ainda que pretende denunciar o caso à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em seu relato publicado nas redes sociais, a deputada paulista expressou preocupação com o fato de um país ignorar documentos oficiais, uma vez que é legalmente identificada como mulher em sua certidão de nascimento e em seu passaporte diplomático — documentos apresentados à embaixada americana para obtenção do visto.

“Ou seja, estão ignorando documentos oficiais de outras nações soberanas, até mesmo de uma representante diplomática, para ir atrás de descobrir se a pessoa, em algum momento, teve um registro diferente”, escreveu a parlamentar em suas redes sociais, referindo-se ao visto que tirou em 2023, no qual foi classificada de acordo com sua documentação oficial.
Na última sexta-feira (18), dois dias depois das deputadas terem se manifestado em suas redes sociais, o chanceler Mauro Vieira em uma entrevista à CNN confirmou que irá se encontrar com Hilton para conversarem sobre a questão, mas ressaltou que a decisão final cabe aos Estados Unidos: “Isso [a mudança] é uma decisão soberana dos Estados Unidos e é a aplicação da lei americana, mas vamos conversar”, declarou.
Em nota, a embaixada americana em Brasília afirmou que os registros de visto são confidenciais e que não comentam casos individuais, mas reforçou que a Ordem Executiva 14168 reconhece apenas dois gêneros — masculino e feminino — considerados imutáveis desde o nascimento. A ordem, emitida por Trump em 20 de janeiro, determina que os órgãos federais adotem uma definição binária e imutável de gênero e veta o reconhecimento da auto identificação de gênero em documentos oficiais, como passaportes.
Em seu pronunciamento nas redes sociais, Hilton declarou que a embaixada deveria adotar os canais apropriados para se manifestar: “E, se a embaixada dos EUA tem algo a falar sobre mim, que falem baixo, dentro do prédio deles. Cercado, de todos os lados, pelo nosso Estado Democrático de Direito.”
Durante o primeiro mandato de Trump, em 2017, a definição de gênero já havia sido estabelecida como binária e imutável, acompanhada de outras medidas que excluíam ou desconsideravam pessoas transgênero. Joe Biden, porém, revogou a maioria dessas políticas no início de seu mandato em 2021. Agora, com o retorno do republicano ao poder, a comunidade trans voltou a perder direitos recém-conquistados, diante da retomada dessas diretrizes.
“A partir de hoje, será a política oficial do governo dos Estados Unidos que haverá apenas dois gêneros: masculino e feminino”, afirmou Trump em seu discurso de posse no dia 20 de janeiro. Nos dias seguintes, ele encerrou programas federais de diversidade, proibiu o recrutamento de pessoas trans no Exército e ordenou a expulsão daquelas já alistadas, além de transferir mulheres trans para presídios masculinos. Outras medidas incluem cortes nos recursos destinados a programas de assistência médica para procedimentos de reafirmação de gênero — agora restritos a maiores de 19 anos — e a proibição da participação de mulheres trans em esportes femininos.
As ações de Trump cumprem promessas de campanha, nas quais a comunidade transgênero foi alvo frequente de ataques. Desde o início do novo mandato, os Departamentos de Saúde e Serviços Humanos passaram a seguir a cartilha presidencial. No site dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), ainda há definições de gênero mais inclusivas, mantidas por decisão judicial. Ao acessar temas relacionados a pessoas trans, o site exibe um aviso destacando que a página não reflete a posição da atual administração e do departamento: “Qualquer informação nesta página que promova a ideologia de gênero é extremamente imprecisa”, diz a nota.
As deputadas Erika Hilton e Duda Salabert foram diretamente impactadas pelas políticas discriminatórias adotadas pelo presidente republicano. Ainda assim, Hilton destacou em seu pronunciamento que possui sua identidade reconhecida legalmente no Brasil: “Mas, no fim do dia, sou uma cidadã brasileira, e tenho meus direitos garantidos e minha existência respeitada pela nossa própria constituição, legislação e jurisprudência.”, afirmou a parlamentar.