A presença constante das telas na vida da sociedade não gera nenhum espanto. No entanto, o uso excessivo de tablets, smartphones e computadores por crianças tem despertado a preocupação de médicos e especialistas. Essa tendência levanta questões sobre os riscos e desafios associados ao acesso irrestrito às telas, e revela o impacto do algoritmo no desenvolvimento dos jovens. A tecnologia trouxe facilidades que mudaram permanentemente o modo das pessoas agirem. Hoje, é impensável esperar até que uma música que você goste toque na rádio ou perder seu programa de TV favorito porque chegou em casa mais tarde do que o esperado. Tudo está disponível o tempo todo na palma das mãos, e isso nem sempre é bom.
A tentativa e o erro, a descoberta e a exploração são fundamentais para a formação da personalidade do indivíduo. Mas a crescente personalização do conteúdo a partir da coleta de dados dos usuários mudou essa realidade, transformando inclusive o modus operandi de grandes empresas. Na primeira década do século 21, era comum que plataformas midiáticas como Instagram e Youtube tivessem um time de curadores. Essas pessoas buscavam por conteúdos originais e criativos para serem exibidos na plataforma como “Recomendados”. Mas, a curadoria dessas empresas hoje se dá de outro jeito. Ao invés de profissionais, são os algoritmos que escolhem qual conteúdo deverá ser beneficiado. O número de cliques e visualizações são os critérios usados. Hoje a quantidade se sobrepõe à qualidade. As recomendações algorítmicas das redes sociais agora desempenham o papel de explorar interesses e encontrar comunidades. Isso significa que as crianças de hoje talvez não estejam desenvolvendo a curiosidade e o pensamento crítico necessários para se tornarem adultos bem informados.
De acordo com a Dra. Deisy Mendes Porto, médica psiquiatra especialista em Infância e Adolescência, é fundamental estabelecer limites claros no que diz respeito ao uso de telas na primeira infância. Ela enfatiza que, especialmente durante os dois primeiros anos de vida, a exposição a telas deve ser evitada, pois o desenvolvimento nesse período é sensório-motor e depende da exploração sensorial do ambiente. Isso ajuda a melhorar as habilidades motoras e contribui para um desenvolvimento cognitivo e emocional saudável. “A partir dos dois anos de idade e ao longo da primeira infância, as crianças precisam de interação humana, exploração ativa, brincadeiras e afeto. O excesso de tempo gasto em frente às telas pode privá-las desse contato essencial, o que pode prejudicar seu desenvolvimento”, explica Deisy.
À medida que o tempo livre e a imaginação das crianças se fundem cada vez mais com as redes sociais que consomem, é fundamental entender que o acesso não regulamentado à Internet tem um custo. Por que os jovens se esforçariam para encontrar uma música de que gostem quando um algoritmo faz isso por eles? Por que correr o risco de explorar algo novo quando seus celulares enviam conteúdo interminável relacionado às coisas que já lhes interessam? Esse é um dos temas abordados em Infocracia: Digitalização e a crise da democracia, livro escrito pelo filósofo sul coreano Byung-Chul Han. Segundo o autor, hoje o signo dos detentores do poder não está ligado à posse dos meios de produção, mas ao acesso à informação, que é utilizada para a vigilância psicopolítica e a previsão do comportamento individual. Afinal, é o domínio da informação que realmente dita as regras do jogo hoje em dia, comandado pelas bigtechs (Google, Microsoft, Meta, Apple, Amazon). Segundo Han, "é um novo tipo de totalitarismo. O vetor não é mais a ideologia, mas sim a operação algorítmica que a sustenta".