Crises alimentam a música nas periferias 

Racionais MC, Marcelo D2, Planet Hemp, Criolo, Emicida, esses artistas têm algo em comum, eles usam sua arte como forma de denúncia de injustiças sociais
por
Maria Clara Alcântara
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26/09/2022 - 12h

    O rap, gênero musical criado na Jamaica e difundido nas periferias norte-americanas, chegou ao Brasil no século passado e hoje é encontrado em todos centros urbanos. De acordo com o rapper Alexandre Bane, músico e estudante de ciências sociais da PUC-SP, ele cumpre o papel de resgatar a autoestima do povo periférico, um povo que por excelência já é sofrido por si só. 

    Como o rap fala sobre injustiças sociais, não é loucura remeter a sua ascensão a momento de crises econômicas e sociais, por isso, surgiu no brasil na cidade de São Paulo, em 1986, um ano após o fim da ditadura militar e quando o país sofria com as consequências da péssima gestão dos militares. 

   Porém, pode se relacionar o surgimento do rap com o final da época de repressão dos militares, pois para o rap ser feito é necessário liberdade para os artistas, principalmente periféricos, que são maioria nesse gênero. 

  Mesmo chegando na década de 80, foi só em meados dos anos 90 que esse estilo começou a se popularizar, com a popularização do grupo Racionais MC, originário  da capital paulista e persistente no cenário até os dias atuais, que abordam temas corriqueiros da cidade, como a violência, o preconceito e as dificuldades do povo periférico.  

   O grupo também abordava a cultura periférica e sua realidade e momentos históricos que impactaram a vida dos paulistas, como o massacre do Carandiru.  

      Na década de 80, São Paulo estava abandonada, o crime era cada vez mais frequente e a desigualdade social era gigante, o rap surgiu nesse meio, era imprescindível o surgimento desses assuntos na música deles, era essa a realidade dos músicos.  

    Com isso, o rap brasileiro se tornou politizado e fala sobre suas dificuldades, fazendo com que em crises sociais e econômicas ele se sobressaia, pois nessa épocas os temas das músicas são mais reais e fácil de se identificar  

     Mesmo falando de temas importantes, o gênero ainda sofria muito preconceito por ser uma arte vinda da favela, era considerado coisa de bandido e não era visto como arte para a maioria da sociedade. 

 Essa realidade foi mudando ao longo dos anos 90, foi nessa época que o rap começou a superar barreiras e sair de um ciclo pequeno para começar a ir para a mídia, e tocar em clubes das cidades.  

    Porém esse movimento não foi visto positivamente pelos rappers, pois os rappers que iam para esses canais tinham uma postura mais polida e menos radical e politizada. "Eu vejo que a gente tem que ir pra mídia sim, entendeu mas com a nossa cara , eu não vou pra mídia pq eu to cantando mais um hino que denigre a imagem de uma mulher, que anda sendo muito banalizado agora. Acho que nossa obrigação como mensageiros é tá em todos os lugares, mas chegar de cabeça erguida”. 

    No governo Bolsonaro e na pandemia do covid19, o rap também se beneficiou de uma onda de criatividade, dada aos fatos do cotidiano difícil do país, assuntos como o isolamento, as mortes e a crise que aumentou a fome serviram de ferramenta para a criação de músicas. 

Vários artistas do gênero vieram a público mostrar a realidade da pandemia de dentro das favelas, um exemplo foi o rapper Emicida que em entrevista ao Domingão do Faustão disse: 

“Eu acho que a gente tem uma situação muito emblemática na realidade do Brasil que é: a primeira vítima do coronavírus foi uma empregada doméstica, que pegou coronavírus da sua patroa, aparentemente. Isso é muito simbólico, muito forte. As pessoas pobres se contaminam mais, elas têm menos condições de se cuidar” 

Mas não foi só através da música que os rappers ajudaram sua comunidade, artistas mais reconhecidos como  Djonga, Emicida e GOG conseguiram juntar aproximadamente um milhão de reais para ajudar as comunidades a enfrentarem o problema. 

Ao lembrar do lado profissional da pandemia, o estudante Alexandre declarou: "A pandemia foi aquele tombo do último andar que ninguém imaginava, parou shows, vendas, o mundo. E a arte e a música no brasil já não é valorizada, aí vem uma pandemia e acaba com tudo de uma vez. Eu tive que me virar, a pandemia acabou sendo um aprendizado” 

Mesmo com as mudanças desde a década de 80 até os dias atuais, o foco do rap é o mesmo, denunciar injustiças e aclamar por igualdade e respeito. 

 “Continua o mesmo sofrimento as mesmas mazelas e o rap surgiu nessa caminhada pra ser aquele contraponto de resistência certo, aquele lance que consegue olhar pra um cara totalmente desesperançado e falar acorda vc tem muito o que lutar ainda, acorda vc é descendente de reis e rainhas, vc tem força pra lutar sim. Essa é a função do rap” Finaliza Alexandre. 

 

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