Covid-19 realça desigualdade no Brasil

por
Adriane Garotti
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05/05/2020 - 12h

Diante de crises econômicas, como a que o Brasil está enfrentando em decorrência da pandemia do novo coronavírus, a tendência é  que a desigualdade social fique ainda mais evidente. O principal ponto afetado pela disparidade econômica acaba sendo a área da saúde, principalmente a vida das pessoas que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS). 

Em situações emergenciais, o papel do Estado é garantir que tanto os ricos quanto os pobres consigam se prevenir da forma mais justa possível. Entretanto, acaba se tornando impossível exigir adesão à quarentena de pessoas que vivem em condições precárias de saneamento básico, não têm possibilidade de fazer home office e moram em habitações apertadas e com aglomeração. 

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), prorrogou, no dia 17 de abril, a quarentena no estado. “Aqui nós não brigamos com a ciência, nós respeitamos a ciência”, disse Doria em pronunciamento. O estado já está em isolamento social desde 22 de março. 

A diretora-executiva da Oxfam Brasil, Katia Drager Maia, reforça que nem  todos os brasileiros podem seguir as orientações de isolamento feitas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “Milhões de pessoas não têm a opção do chamado home office, tanto no que se refere ao tipo de trabalho quanto às condições logísticas residenciais. O necessário e importante isolamento social é totalmente diferente para quem tem condições de moradia adequadas e para quem não tem”, afirma.

Katia Drager Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil. (Reprodução: Jornal GGN)
Katia Drager Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil. (Reprodução: Jornal GGN)

 

A desigualdade social acaba se tornando algo comum aos olhos dos brasileiros e até mesmo sendo banalizada. É nos momentos de crises sanitárias, como esta pandemia mundial, que os menos favorecidos sofrem mais, e o principal motivo disso é a falta de direitos básicos de higiene e saúde. 

Segundo o DataSUS, sistema de informação do Sistema Único de Saúde,  houve uma queda de 2,5% no número de leitos disponíveis no estado de São Paulo nos últimos quatro anos. Em 2015, a média era de 109,5 mil leitos. Já em 2019 esse número caiu para 106,8 mil. Esses dados se referem aos leitos básicos e às Unidades de Terapia Intensiva (UTI), nos hospitais públicos e privados do estado. 

Com o crescimento acelerado dos casos de coronavírus, os hospitais acabam não suportando a demanda de atendimentos e, consequentemente, o sistema de saúde fica sobrecarregado. Dados da Rede Nossa São Paulo (RNSP) mostram que atualmente, em São Paulo, a proporção  é de 2,5 leitos para cada mil habitantes, o que é pouco, ainda mais no enfrentamento de uma pandemia.

Uma das soluções encontradas foi a construção dos hospitais de campanha. São dois na capital paulista, que têm por finalidade atender os pacientes infectados com baixa ou média complexidade. Um deles foi montado no Estádio do Pacaembu, disponibilizando 200 leitos. O outro foi erguido no Anhembi, com 887 leitos, dos quais 64 de Unidade de Terapia Intensiva.

Os números divulgados pela Prefeitura de São Paulo mostram que, até o dia 17 de abril, o bairro com mais mortes na capital paulista era a Brasilândia. O portal de notícias G1 divulgou que o bairro tinha então 89 casos confirmados de Covid-19 e 54 mortes. Já no Morumbi, bairro considerado de classe média alta, eram 297 casos confirmados e sete mortes.

Em meio a uma pandemia, cuja prevenção depende exclusivamente do isolamento social, os trabalhadores informais sentem ainda mais de perto os efeitos da crise econômica. Nesses momentos, os empregos mais vulneráveis e que pagam menos acabam demitindo seus funcionários, o que contribui para o agravamento da desigualdade social. Trabalhadores com carteira assinada também sofrem nessa crise, porém têm uma segurança econômica maior.

Diante da pressão da sociedade civil, economistas e parlamentares, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou o projeto de lei que visa ajudar os mais vulneráveis nesse momento de crise. A concessão de uma renda básica emergencial de R$ 600 durante a pandemia é uma das ações do governo com intuito de ajudar os mais afetados. 

“É fundamental que o governo priorize o atendimento econômico e social à população que está em situação de vulnerabilidade ou que pode vir a ficar, como consequência da crise provocada pelo coronavírus. A renda básica emergencial é um programa fundamental que precisa ser implementado com maior eficiência e por um período bem maior do que os três meses iniciais previstos”, afirma Katia Drager Maia.

Os efeitos econômicos da pandemia do coronavírus ainda vão ser vistos ao longo dos próximos anos. Maia prevê um aumento significativo nos índices de desigualdade no país nos próximos relatórios da Oxfam Brasil. “O Brasil já apresentava cerca de 40 milhões de pessoas no trabalho informal e esse número deverá aumentar. Os indicadores de renda também devem apresentar uma redução na renda da população, particularmente da base da pirâmide. Já existem análises que indicam que o país pode ter mais de 2 milhões de novos desempregados.”

Um caso muito comentado nas redes sociais foi o post da blogueira fitness Gabriela Pugliesi, cujo teste de Covid-19 apontou resultado positivo no início de março. Em uma postagem na rede social Instagram, ela escreveu: “Bastaram meia dúzia de dias para que o universo estabelecesse a igualdade social, que se dizia ser impossível novamente. O medo invadiu todos. Que isto sirva para nos darmos conta da vulnerabilidade do ser humano. Não se esqueçam, bastou meia dúzia de dias”, escreveu Pugliesi. O assunto teve uma repercussão negativa e a influenciadora apagou o post. 

A visão equivocada de que um vírus possa trazer à tona uma igualdade biológica humana é muito discutida nos dias de hoje, em meio ao enfrentamento da pandemia. Viver num país em desenvolvimento como o Brasil é uma experiência diária que permite enxergar como o mundo ainda sofre com a desigualdade total e não apenas no âmbito da saúde.

Imagem da capa: Casas de Paraisópolis e prédio no Morumbi, em São Paulo. (Reprodução: BBC Brasil)