Cortes em setores estratégicos agravam problemas na Amazônia

por
Letícia Assis
|
21/11/2019 - 12h

Mesmo com a crise que afeta a Amazônia devido às queimadas que aumentaram 15% em relação ao mesmo período do ano passado, foi anunciado pelo Governo Federal um corte nos gastos direcionados à prevenção e ao controle de incêndios florestais.

 Com valores caindo de R$ 45,5 milhões para R$29,6 milhões, resultando em uma queda de 34% nos recursos previsto para o próximo ano, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) também sofreu uma baixa de 10% em relação ao ano anterior, com um investimento de R$ 561 milhões contra R$ 625 milhões de 2018.

 A pasta já sofreu neste ano uma restrição orçamentária em relação a verba destinada ao combate das queimadas. Em 2019, houve uma retenção de 13,5 milhões dos R$ 45,5 milhões previstos para o MMA, congelando 29,6% do orçamento anual, sem previsão de uso. A medida atrapalha ações que visam combater o desflorestamento na Amazônia, pois o dinheiro servia para ações como a contratação de brigadistas e o aluguel de veículos e equipamentos

O gabinete também teve cortes em outros setores, como a redução do montante disponível para os processos de licenciamento ambiental em nível federal, que visava fiscalizar obras de grande impacto no meio ambiente, reduzindo de R$ 7,8 milhões para R$ 4,6 milhões.

A redução de verba orçamentária também afetou a repartição de uso sustentável da biodiversidade e recuperação ambiental, contando com apenas R$ 11,5 milhões para 2020, R$ 4,4 milhões a menos que o ano anterior. 

Reserva indígena Uru-Eu-Wau-Wau. 28/09/2019 Crédito: Gabriel Monteiro / Agência O Globo
Reserva indígena Uru-Eu-Wau-Wau. 28/09/2019 Crédito: Gabriel Monteiro / Agência O Globo

Áreas destinadas à prevenção e controle do desmatamento sofreram significativas perdas quanto às medidas tomadas pela presidência. A extinção de departamentos como o de Florestas e Combate ao Desmatamento encerram iniciativas importantes para o campo, como o projeto de lei que cria a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, visando instituir um sistema de governança unificando governo federal e estadual.  

A proposta, elaborada entre os anos de 2017 e 2018, recebeu a parceria do Departamento de Agricultura e Floresta do Reino Unido, além de auxílio do governo da Alemanha. Enviado ao Congresso em dezembro de 2018 por Michel Temer, o projeto ainda aguarda sanção da Cãmara. 

A sucessão de cortes solicitadas pelo orçamento federal atingiu diversos setores, dentre eles, apenas sete dos 31 ministérios em funcionamento e órgãos do governo escaparam da tesourada.

 IBAMA tem sua última base desativada

O Instituto Brasileiro do Meio Ambientes e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), terá sua última base fechada em novembro. Localizada no interior do Amazonas, agora a unidade e Parintins passará a utilizar o auxílio de centros multifocais do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) 

Outras unidades já sofreram os cortes solicitados pelo governo. A base de Humiatá, também no interior do Amazonas, sediada em uma sala no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), está desativada desde 2017, após a destruição do escritório e de veículos. A base de Tabatinga, cidade fronteira com a Colômbia, também encerrou as atividades em 2018.

Em entrevista ao G1, o superintendente substituto, Leslie Tavares, afirmou que o Ibama está em acordo com o Ipaam para utilizar a estrutura cedida pelo instituto, ampliando a sua estruturação. Para ele, o uso de tecnologias de monitoramento em áreas de conflito apresenta melhores resultados. 

O superintendente ainda declarou que as antigas bases necessitavam de uma verba muito alta para pagar a estrutura física e que, agora, a utilização da infraestrutura do Ipaam, além da economia, irá resultar em uma estratégia mais eficaz para o andamento das ações movidas pelo Ibama.

“Vimos que a estratégia antiga era custosa. Tem que pagar energia, internet, faxineira. Com a estrutura física do Ipaam, se não tiver necessidade de usar, a gente não usa. [...] Mudamos por economia - economia e estratégia. [...] Hoje em dia, as estratégias de ação, o uso de inteligência e uso de tecnologias de monitoramento dão mais resultado do que manter agentes lotados em municípios conflituosos. Manter servidores nessa situação inibe suas atuações. Em muitas vezes, [os agentes] vivem sob intimidação", reiterou o superintendente.

Tavares também ressaltou que dezenas de bases do Ibama passaram para o ICMbio ao longo dos anos. Para ele, não houve diminuição da presença do Ibama pois o efetivo usado para a fiscalização de municípios como Apuí, Novo Aripuanã e Lábrea são de todo o Brasil,  com órgãos federais e apoio da polícia ambiental.

Base do Ibama em Humitá, desativada em 2017. Créditos: Ditec_Ibama/AM
Base do Ibama em Humitá, desativada em 2017. Créditos: Ditec_Ibama/AM

Repercussão internacional

Divergências no cenário mundial entre o governo brasileiro e líderes mundiais têm se estendido desde o início da gestão Bolsonaro. As constantes provocações por parte do presidente e a falta de ações para combater os incêndios na Amazônia causaram uma má imagem do mandato brasileiro.

A divulgação dos dados do INPE, que ressaltaram um aumento das queimadas em 278% no mês de julho em relação ao ano anterior, e a consequente demissão do diretor do instituto, estremeceu a relação entre o Brasil e países europeus que dão recursos para a proteção do ambiente.

Países como a Alemanha é responsável por grande parte das doações do Fundo da Amazônia - maior projeto de cooperação internacional  para preservar a Floresta Amazônica. A Noruega também está entre os maiores doadores do fundo, em dez anos foram recebidos cerca de R$ 3,4 milhões, sendo 93,3% cedido pelo governo norueguês. 

O valor, gerido pelo BNDES, é repassado a estados, municípios, universidades e ONGs e tem por finalidade, segundo o próprio Fundo, captar doações para investimentos em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, promoção da conservação, uso sustentável da Amazônia Legal, além do desenvolvimento de sistemas de monitoramento e controle do desmatamento no Brasil e em países vizinhos. 

O Fundo da Amazônia foi alvo de críticas do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que alegou ter encontrado indícios de irregularidades em contratos do fundo com ONGs. No entanto, a medida se encontra infundada a partir do pressuposto que o ministro analisou somente 25% dos contratos firmados. 

Além da declaração, o ministro também afirmou a vontade em querer alterar o conselho do fundo, atribuindo maior autoridade ao Poder Federal, como o controle sobre a tomada de decisão. Para isso, seria necessário retirar da centralidade do poder o Comitê Orientador do Fundo da Amazônia (COFA), responsável por estabelecer critérios para a aplicação dos recursos da floresta. 

A medida desagradou importantes líderes mundiais, como a chanceler Angela Merkel, da Alemanha, e o governo da Noruega. Responsável por grande parte das captações do Fundo da Amazônia, entidades do governo norueguês se posicionaram contra as ações brasileiras.

Após divergências políticas, o governo da Noruega anunciou, em agosto, a suspensão de R$ 133 milhões para o Fundo. Em entrevista ao jornal norueguês Dagens Naeringsliv, o ministro do Clima e do Meio Ambiente, Ola Elvestuen, afirmou a retirada do investimento por conta da quebra do acordo para a redução do desmatamento. 

Para o ministro, os números do desmatamento cresce e “o país parece não querer parar isso”. Em nota, o governo norueguês afirmou que “não há fundamento jurídico e técnico  para realizar contribuição anual”. 

A Alemanha também entrou em divergências com o governo brasileiro, anunciando, também em agosto, a suspensão de parte do financiamento de proteção ambiental  para o Brasil. De acordo com a ministra do Meio Ambiente, Svenja  Schulze, a suspensão pode ultrapassar a casa dos R$ 150 milhões. 

Ainda em relação às medidas adotadas pelo governo em relação às queimadas,  chanceler alemã, Angela Merkel, afirmou ver com “grande preocupação as ações do atual governo em relação ao desmatamento.

Jair Bolsonaro atacou Merkel ao afirmar, em entrevista, que a chanceler deveria reflorestar o próprio país com o recurso suspenso. “Eu até queria mandar  um recado  para a senhora querida Angela Merkel, que suspendeu R$ 80 milhões para a Amazônia. Pegue essa grana e refloreste a Alemanha, ok? Lá está precisando muito mais do que aqui”.

Os episódios envolvendo as desavenças entre os líderes mundiais e o governo brasileiro, contribuem para agitar o cenário político. As falas de Jair Bolsonaro causam grande repercussão nas principais nações, como as declarações no encontro do G20, no qual o presidente ironizou o encontro com representantes. Em entrevista, Bolsonaro disse: “Imagina o prazer que eu tive de conversar com Macron e Merkel”.