O movimento estudantil da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) declarou o fim da paralisação no Campus Monte Alegre, liderada pela Coletiva Afroindígena Saravá, na noite desta terça-feira (27). A manifestação, que começou em 19 de maio, conquistou importantes vitórias para a comunidade acadêmica, como a retirada de queixa policial contra alunos, atendimento imediato de parte das reivindicações e uma “mesa de diálogo” com a reitoria para discutir as outras pautas do movimento.
Um primeiro diálogo entre a comissão de paralisação e o padre Rodolpho Perazzolo, secretário executivo da Fundação São Paulo (fundasp), com o intuito de apresentá-lo formalmente às demandas dos estudantes, ocorreu na segunda-feira (26). Ao final da conversa, o sacerdote fez uma solicitação: que os piquetes interditando algumas das entradas da universidade fossem retirados. O pedido de Rodolpho foi acatado e, já no mesmo dia, e as barreiras foram removidas e devolvidas às devidas salas de aula. No dia seguinte, houve mais uma conversa com o padre, que exigiu o fim da ocupação em troca de remover a liminar judicial contra quatro alunos participantes da paralisação.
As manifestações começaram com a articulação dos centros acadêmicos de Ciências Sociais (CACS), Serviços Sociais (CASS), Relações Internacionais (CARI) e a Coletiva Afroindigena Saravá, que paralisaram as atividades curriculares da Faculdade de Ciências Sociais (FACSOCS) em busca da democratização do ensino através de políticas afirmativas na universidade.
Dentre as exigências da paralisação estão formação antirracista obrigatória para estudantes e funcionários, investigação e responsabilização nos casos de discriminalização, cotas trans e direito de estudantes bolsistas a dupla gratuidade no “bandejão” (restaurante universitário).
Ao longo da semana passada, outros centros acadêmicos participaram da ocupação, como o de Psicologia (CAPSI), Letras (Clarice Lispector), Jornalismo (Benevides Paixão), além de organizações como União da Juventude Comunista (UJC) e o coletivo de alunos bolsistas Da Ponte Pra Cá. Os centros acadêmicos de Direito, o 22 de Agosto, e dos cursos da Faculdade de Economia e Administração (FEA), o Leão XIII, após assembleias realizadas com seus alunos, não aderiram ao movimento.
Os piquetes foram colocados no último dia 21, com o intuito de bloquear diversas salas e passagens dos prédios. Entretanto, a ocupação teve seu início apenas na quinta-feira (22), quando os estudantes dormiram no campus Monte Alegre. A ocupação só foi decretada oficialmente no dia seguinte, em assembleia geral, sendo determinado também que os estudantes passariam o final de semana na universidade.
Criminalização do movimento estudantil
Os jovens que estavam lutando por suas reivindicações foram surpreendidos com uma liminar judicial, assim que foram tentar conversar com o reitor. A FUNDASP, mantenedora da PUC-SP, entrou com o pedido porque desde o dia 19 as entradas para o edifício Cardeal Motta, conhecido como “prédio velho”, foram bloqueadas, assim como uma das entradas do “prédio novo” (edifício Reitor Bandeira de Mello). Alegaram também uma mobilização para coleta de mantimentos, o que sinalizaria uma ocupação por um tempo maior do que poderiam prever.
A liminar coloca os alunos como invasores da universidade, visto que pedem uma restituição de posse do imóvel. Ao todo, são 92 páginas de processo, no qual quatro estudantes são citados, com fotos e contas de rede social. Em assembleia que aconteceu no mesmo dia, estudantes negros representados pela Coletiva Saravá deixaram sua indignação pelos adjetivos no documento.

Representantes de diversos comitês em apoio à ocupação e alunos de vários cursos se reuniram na área da “prainha”. As falas tiveram início na voz da presidenta do CACS, Renala Francisco Fernandes, que reafirmou as pautas defendidas pelo comitê de greve e deu detalhes da reunião com a reitoria. “Foi feito um debate, a gente apresentou os pontos de reivindicação, e a reitoria respondeu de uma forma muito genérica”, apontou. A aluna continua: “Sobre o curso de letramento de raça e gênero, falaram que já existe esse programa e que, de certa forma, seria ampliado, mas não eram os termos em que a gente está falando”. Os relatos do comitê de greve terminaram afirmando que “tanto a questão do ‘bandejão’, quanto das cotas raciais e trans não foram definidas. A gente saiu de uma reunião hoje em que não teve nada firmado”.
Durante o discurso de Renala, o reitor Vidal Serrano apareceu, quase como de surpresa, para compor a assembleia. “Caso a ocupação de fato continue, que o reitor tenha uma posição à lá Nadir Kfouri, e que não deixe que a polícia militar entre na PUC-SP”, finalizou a presidenta do CACS.
Em entrevista à AGEMT, o estudante de Direito Hector Batista, militante da UJC e da União Estadual dos Estudantes (UEE), afirmou: “A gente teve uma reunião com a vice-reitora e algumas pessoas do gabinete, pois o reitor estava no Rio de Janeiro em uma atividade com todas as PUCs do Brasil. Foi quando a gente soube da liminar da FUNDASP”. Ele comenta também sobre a presença do reitor na assembleia: “A gente ficou na expectativa de que ele pudesse vir falar com os estudantes, já que foi uma sugestão feita pelo nosso comitê, mas não tinha certeza de que ele apareceria de fato. A gente considera uma surpresa, principalmente pro público em geral”.

A sequência da assembleia se deu com falas dos representantes de diversos coletivos e centros acadêmicos da universidade. Letícia Chagas, professora da PUC-SP e advogada formada pela primeira turma de cotistas étnico-raciais da USP, marcou presença em um discurso de repúdio à liminar. “Reitor, os meus alunos não estão sozinhos. A negritude da PUC está muito forte porque não está só”, disse. A docente continua: “Foi um absurdo o que fez a FUNDASP, encampando um processo contra nomes específicos de alunos. Como o senhor pode ver, isso aqui não são cinco alunos, isso aqui é um mundo inteiro”.
Durante a assembleia, o estudante do curso de Ciências Sociais e militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), Pedro Bezerra, criticou os métodos da FUNDASP: “Eu estou aqui para dizer que não vai ter reitoria e nem Fundação que vai nos intimidar e nem nos desarticular. Na noite de quarta-feira [21], um funcionário da PUC-SP, de crachá azul, foi dentro do centro acadêmico [de Ciências Sociais] e pediu o nome de quatro estudantes. São esses quatro que estão citados nominalmente no processo”
Como forma de manter a segurança dos estudantes presentes na manifestação, os representantes dos coletivos e centros acadêmicos reafirmaram para os alunos não darem seus nomes a nenhuma autoridade de justiça. Em grupos de WhatsApp criados para organizarem as atividades da ocupação, circulavam listas de nomes dos estudantes que dormiram na universidade. Tal ação foi então alertada pelos administradores dos grupos, com o risco dos nomes serem incluídos em outros processos judiciais. Por isso, muitos dos alunos optaram por não fornecerem seus nomes completos e cursos para a AGEMT.
A representante do Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino (ESPP), Aiumii, expressou críticas à forma como a reitoria tem tratado os casos de arabofobia na PUC-SP. Em fevereiro e março de 2025, houve dois casos de mensagens com ameaças de morte em tom de limpeza étnica nas paredes do banheiro do “prédio velho”.
“Já há um ano, a gente denuncia para essa reitoria que houveram casos de ameaça de morte contra alunas árabes nessa faculdade. A resposta que deram para a gente todas as vezes foi que isso não é prioridade da faculdade”, disse Aimuii. Em sequência, a estudante afirmou: “A lágrima de sangue que chora a mãe que perdeu um filho martirizado para a PM, é a mesma lágrima que as mães palestinas choram quando perdem seus filhos”.
Estudante do segundo semestre de Direito, Gustavo Xavier dialogou diretamente com o reitor. “O que a gente está buscando aqui é uma emancipação estudantil. Uma emancipação dos estudantes negros, dos estudantes LGBT, de todos os estudantes” afirmou. Ele continua: “Eu pago 5 mil reais para ser discriminado. Eu não sou um invasor. O que for conquistado aqui, se deliberado, vai mudar vidas, vai mudar a história da PUC-SP”.
Posicionamento dos professores e funcionários
Durante a segunda-feira (26), os estudantes em ocupação organizaram mais uma assembleia, dessa vez em conjunto com as Associações dos Funcionários (AFAPUC) e dos Professores (APROPUC). Chamada de “Assembleia dos Três Setores”, o evento reuniu forças com as demais entidades da universidade, além de resgatar demandas do corpo docente e dos funcionários.

Durante a reunião, que teve uma sessão matutina e outra noturna, os alunos em manifestação leram uma carta escrita à FUNDASP, listando as exigências do movimento. As demandas foram levadas à uma reunião com o padre Rodolpho, marcada pelo mesmo inegociavelmente às 10 horas da manhã da própria segunda-feira (27) uma hora antes do agendado para a primeira sessão da assembleia.
Representantes dos setores associados aos funcionários e professores, Rodrigo Mariano Costa e João Teixeira, respectivamente, fizeram suas falas em apoio ao movimento de ocupação da PUC-SP.
Em discurso individual, Teixeira ratificou críticas à FUNDASP, a partir de denúncias feitas pelo Movimento Estudantil. O professor reafirmou a diferença salarial de até 50% entre os professores negros recém contratados como assistentes de ensino - mesmo possuindo formação de mestres, doutores e pós-doutores -, e professores brancos com a mesma experiência. Quando a militante da Coletiva Saravá, Ica Nishimoto, disse “Isso é racismo!” durante a fala de Teixeira, o professor consentiu com a cabeça.

O fim da assembleia diurna foi um ato de protesto realizado na frente do prédio da FUNDASP, onde os alunos se dirigiram para a sede para recepcionar a saída da equipe do comitê de paralisação, que tinha comparecido à reunião com o padre Rodolpho. No entanto, não foram resolvidas as questões dos estudantes e sim feita uma oferta: retirar os piquetes da universidade, realizada pelos próprios alunos durante a noite, com o intuito de remover a liminar. No dia seguinte, terça-feira (27) houve mais uma conversa com o sacerdote, e nesta, enfim, o acordo para o fim da paralisação foi alcançado.
Fala do reitor Vidal Serrano
O reitor Vidal Serrano se mostrou aberto para dialogar com os alunos na assembleia de sexta-feira e solidário às pautas levantadas. “Na reitoria, temos um compromisso de portas abertas, então qualquer estudante que quiser falar comigo, é só marcar e será recebido. Acho as reivindicações de vocês legítimas, especialmente a questão relacionada ao ‘bandejão’”. Neste momento, os estudantes em frente à mesa questionaram juntos: “E o racismo?”, sendo respondidos pelo reitor com “o racismo também”.

“Eu me comprometo com todas as questões raciais que estão colocadas por escrito em uma carta que vou deixar aqui, e vocês lêem depois”, continuou o reitor, que após o movimento dos alunos gritarem “lê” repetidamente, fez a leitura do documento.
A carta apresentada pela reitoria consiste em cinco pontos com os quais ela se compromete, “sem prejuízo de futura construção conjunta e coletiva”. Dentre os tópicos listados estão “letramento racial; reformas nos cursos de graduação com o compromisso de efetivação de currículos antirracistas; restaurante universitário (qualidade da comida fornecida, expansão imediata da bolsa alimentação e dupla alimentação para todos os bolsistas); garantia de devida apuração a todo ato discriminatório e negociações quanto a permanência do programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas”.
Em defesa do segundo ponto levantado na carta, Serrano apresentou as ações já feitas pela reitoria. “Nós estamos avaliando todos os cursos da graduação aqui, ouvimos 800 estudantes nos últimos dois meses e queremos apresentar para uma comissão de cada uma das faculdades o resultado dessa avaliação”. Em sequência, ele reconheceu déficits nos cursos: "É verdade que há aspectos relacionados à estrutura da universidade e à população que são deficitários, mas também é que vários dos nossos cursos precisam ser melhorados. Melhorados do ponto de vista científico e acadêmico”.

Ao fim da leitura da carta, o reitor foi questionado quanto à liminar que criminaliza os estudantes como “invasores” do campus, e se poderia fazer alguma mediação com a Fundação. “Queríamos garantir que ele se comprometesse com o diálogo com a Fundação, para que não haja nenhuma retaliação futura. Daqui a seis anos, com a gente formado, ainda podemos estar com uma dívida enorme por conta dessa liminar”, disse Renala Fernandes.
Em resposta, Serrano afirmou: "essa liminar não partiu da reitoria, em primeiro lugar. Nós não sabíamos. Eu não sou favorável a isso, não acho que seja correto entrar com ação contra os estudantes. Não sei se eu vou conseguir [remover a liminar], mas me comprometo a dialogar com a Fundação”. Após a presença do reitor na universidade, um primeiro comunicado foi divulgado via Instagram a fim de pontuar quais reivindicações seriam estudadas pela reitoria.
Várias outras exigências quanto à administração da universidade foram feitas ao reitor na assembleia. Pautas como o posicionamento frente à questão da solidariedade aos povos palestinos, a implementação de cotas para pessoas trans, entrada de alunos indígenas na universidade e até a presença do padre Rodolpho, diretor executivo da FUNDASP, para circular e ver a situação do campus foram levantadas.
Nesse momento, o reitor se despediu dos estudantes presentes, que se manifestaram contra sua ida. Enquanto pediam a Serrano “professor, tem mais”, este respondia “eu preciso ir embora, tenho outro compromisso”.
Após sua saída, a assembleia seguiu, até uma votação realizada pelos alunos onde, por unanimidade, foi determinada a continuação da ocupação até segunda-feira (26), com alunos permanecendo dentro da universidade durante o final de semana.
Com a continuação do movimento durante os dias e as reuniões com o padre, a paralisação chegou ao fim. O pedido de Rodolpho foi acatado pela comissão de greve e repassado para os demais. No mesmo dia, as barreiras foram retiradas e devolvidas às devidas salas de aula. Na terça-feira (27), houve mais uma conversa com o diretor executivo da Fundação São Paulo que exigiu o fim da ocupação em troca do fim da liminar.
Mesmo com um fim o movimento saiu muito vitorioso e em suas redes sociais publicou.