Causa animal é a aposta de políticos para conquistar a simpatia de eleitores

Número de parlamentares ligados à pauta tem crescido.
por
Marcela Rocha
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18/09/2025 - 12h

Nas últimas eleições, de 2024, um detalhe chamou atenção: diversos candidatos a cargos municipais tiveram como bandeira a causa animal. Segundo levantamento realizado pela Folha de S. Paulo, candidatos com palavras de afirmação identitária como “pet”, “defensor”, “protetor” e derivados somaram 494 candidaturas em todo o país para os cargos de vereança (491) e vice-prefeitura (3).

Do total analisado, sobressaíram os partidos de centro, com 204 candidatos, seguidos por 198 candidatos de partidos de direita e apenas 92 candidatos da esquerda. Os critérios para a classificação ideológica  foram definidos pelo GPS partidário da Folha. Neste cenário, foram considerados “centro” partidos como Avante, Mobiliza e MDB, de “direita” os partidos como PL, União Brasil, Republicanos, Novo e PRTB, e de esquerda o PSOL, PT, PDT, Rede e PV

cachorros em situação de vulnerabilidade atrás de grades
Cães em abrigo esperando por adoção. | Foto: Adobe Stock

A causa animal é um dos temas mais difíceis de serem abordados. Isso ocorre porque não há relação de direito dos animais previsto na Constituição brasileira de 1988, sendo a legislação específica baseada no Artigo 225, que dispõe sobre a proteção da fauna e flora, vedando práticas de crueldade e risco a funções ecológicas. Nesse contexto, apesar de avanços recentes, como a discussão a respeito do reconhecimento de animais como seres sencientes e da ampliação da proteção de animais domésticos para além de “cão e gato” (como prevê a Lei Sansão), o direito dos animais acaba limitado ao crime de maus-tratos, dificultando a tipificação e a aplicação de penas para outras práticas.

Essa realidade limitada do sistema jurídico cria condições para que o tema seja tratado sobretudo a partir de abordagens sensacionalistas. Nas redes sociais de parlamentares que levantam a bandeira, é comum o compartilhamento de vídeos e fotos de animais em situação de extrema vulnerabilidade, feridos, sujos e acuados, sendo utilizados para provocar comoção e sensibilidade nos seguidores e em outros usuários a partir da evidência de maus-tratos.

Segundo Igor Siqueira, especialista em gestão de comunicação e marketing, as postagens de temas sensíveis representam uma tática de marketing político e digital utilizada pela assessoria dos parlamentares. “É muito comum [esse tipo de conteúdo] em casos de resgate de animais. Mostram o animal muito sensível e vulnerável. Essas cenas geram engajamento nas redes porque as pessoas se interessam em entender o que aconteceu e querem ajudar.”

Normalmente, os parlamentares eleitos abordam o tema da causa animal desde a época da campanha política, antes de as eleições ocorrerem. Os vídeos e fotos explícitas ajudam no engajamento durante a campanha e promovem o candidato para além da sua “bolha” eleitoral. Mas, quando a câmera é desligada e o vídeo postado, não se sabe a legitimidade das ações e o destino desses animais. Em um caso recente na cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul, Paula Lopes, ex-secretária de Bem-Estar Animal conhecida como “protetora”, está sendo investigada após denúncia anônima de maus-tratos contra os animais resgatados.

Nomeada em janeiro de 2025, Paula publica vídeos resgatando animais das ruas e pedindo doações para cuidados veterinários, alimentação e acolhimento. Os conteúdos são postados em uma página do Instagram de nome “Instituto Paula Lopes”, mas, apesar das postagens de cuidado, a suspeita é que tenham sido abatidos 240 cães em oito meses sob ordens da secretária. Foram encontrados, ainda, 14 animais mortos em um freezer da sede da Secretaria e 20 gatos doentes em situação insalubre e sem alimentação adequada. De acordo com a polícia, os felinos estavam presos em um contêiner. Paula Lopes foi indicada ao cargo na prefeitura pelo deputado federal Luciano Zucco, do Partido Liberal (PL).

Em uma postagem pública de formato Reels no Instagram, Tiago Dominguez,  médico veterinário e ativista pelo direito dos animais em Capão da Canoa (RS), afirmou que “além de ser muito triste (o caso) é muito simbólico que essa política esteja alicerçada na direita gaúcha e no Brasil”, se referindo ao fato de que Paula foi indicada por Zucco, que está sendo cotado a futuro candidato a governador pelo Rio Grande do Sul. O veterinário continuou: “a gente tem que se perguntar quantos políticos hipócritas se utilizam da pauta animal para adquirir capital político sem fazer o debate mínimo, como por exemplo a saúde mental dos protetores, dentre tantas outras questões”.