Cartunista Renato Aroeira comenta as dinâmicas de censura e resistência no Brasil de Bolsonaro

Tecendo críticas fortes e polêmicas ao governo atual, o cartunista reflete sobre o papel da própria obra.
por
Pedro Kono
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07/04/2021 - 12h

 

Colecionando ameaças, o cartunista Renato Aroeira vêm se tornando um destaque entre os artistas que se opõem ao governo de Jair Bolsonaro. Entre charges que associam o Presidente ao nazismo e culpabilizam Bolsonaro pelos recordes de morte decorrentes da Covid-19, Aroeira é alvo de polêmica e admiração.

 

‘‘Sinto medo o tempo todo. Tenho medo, mas sinto que estou seguro. Existe uma rede de proteção que funciona’’, diz Aroeira, sobre as ameaças de morte que recebe nas redes sociais. O cartunista também é músico e manifestou sua preocupação em divulgar suas apresentações: ‘‘Eu até parei de anunciar meus shows. Parei de dizer onde eu estava tocando. Deixava só pra quem sabia’’.

 

Entre as polêmicas mais recentes envolvendo Aroeira, a mais famosa ocorreu em junho do ano passado, quando o chargista fez uma ilustração de Bolsonaro ao lado de uma suástica, criticando a gestão do presidente em relação à pandemia. A obra gerou diversos ataques de grupos bolsonaristas na internet e a Polícia Federal chegou a abrir um inquérito contra Aroeira, a pedido do Ministro da Justiça, André Mendonça.

 

‘‘Pânico. A primeira coisa foi isso. Eu não tenho nem advogado. Depois, 10 advogados, todos pro bono, apareceram. Gente de escritório grande que se colocou à disposição. Eu percebi que já existe uma rede de solidariedade que está funcionando no Brasil’’, diz Aroeira sobre a sua reação à repercussão de seu trabalho. O artista também relatou o apoio da comunidade de cartunistas, que promoveu a campanha #somostodosaroeira com a "Charge Continuada", uma série de mais de quatrocentos desenhos que replicaram a charge inicial de Aroeira. ‘‘Eu usei o símbolo do bem por excelência, que é a cruz vermelha, que tem a ideia de curar e ajudar o próximo, com a ideia da cruz nazista, que é a ideia de mal supremo’’.

 

A relação de Aroeira com a política, no meio profissional, não foi imediata. O chargista iniciou a carreira no caderno de esportes no Jornal de Minas, por influência do seu pai, que trabalhava na publicação. Durante o governo Geisel, na década de 70, o editor do jornal fez um convite para que ele trabalhasse na seção de política e o cartunista aceitou. Foi a partir de outras experiências, porém, que Aroeira se descobriu politicamente: ‘‘Meu aprendizado com política ocorre no movimento estudantil e na construção da imprensa sindical. Ali, comecei a entender realmente o que era política’’. Sobre a ética de seu ofício, o cartunista também é contundente: ‘‘Você deve ter uma preocupação, assim como um repórter ou um editor quando está escrevendo uma matéria, de ser preciso. O humor simplificado costuma ser muito rasteiro. Homofóbico, sexista, racista. Isso costuma trazer o riso muito mais fácil. O humor tem que tomar cuidado com isso’’.

 

Em tempos de crítica ao politicamente correto e manifestações de que o ‘‘mimimi’’ está atrapalhando a sociedade, Aroeira tomou partido: ‘‘O meu caminho diz o seguinte: não bater em quem já está apanhando. Eu não vou fazer uma charge criticando uma mulher porque a mulher já vive uma situação de opressão na sociedade...Eu acredito fundamentalmente na ideia de lugar de fala enquanto lugar de ação’’.

 

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