Aumento do salário mínimo tem efeito multiplicador

Segundo técnica do Dieese, a cada R$ 1 de reajuste, há um impacto de mais de R$ 730 milhões no repasse à população
por
Aline Freitas
Luan Leão
Tábata Santos
|
03/07/2023 - 12h

No último dia 1º de maio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou, em ato organizado pelas centrais sindicais no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, o aumento do salário mínimo de R$ 1.302 para R$ 1.320. O reajuste de R$ 18  garante um aumento real (descontada a inflação) de 2,8% em 2023. De acordo com o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), enviado pelo governo ao Congresso, a previsão é de que o salário mínimo seja de R$ 1.389 em 2024.

Além do aumento real no salário mínimo, houve a alteração do valor por hora trabalhada para R$ 6 e o diário para R$ 44. O Imposto de Renda também sofreu mudanças: agora, apenas as pessoas que recebem mais de dois salários mínimos, o equivalente a R$ 2.640, deverão declarar à Receita Federal.

Apesar das medidas anunciadas e das falas do presidente contrapondo o reajuste à falta de aumento  anual durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), entidades políticas, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), classificaram o aumento como abaixo do esperado.
 

Em nota, a CUT afirmou: “Os cálculos do Dieese [Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos] mostram que, se o Programa de Valorização do Salário Mínimo não tivesse sido interrompido, hoje o valor deveria ser de R$ 1.382,71. O que significa uma valorização de 6,2%”.

Já a CTB declarou que o anúncio "fere as expectativas do movimento sindical". "Não dá para silenciar diante dos fatos e nós não devemos nos calar. O salário mínimo vigente no Brasil está anos-luz de distância do que deveria ser, com base no cálculo do Dieese (R$ 6.641,58). Temos que considerar o estágio de profunda desigualdade em que estamos, com uma realidade que assusta a milhões de famílias, dada a insegurança alimentar e o flagelo social. É urgente que o governo tome para si essa bandeira fundamental que foi utilizada como moeda forte na campanha", disse o presidente Adilson Araújo.

 

Os R$ 18 na prática

Adriana Marcolino, socióloga e técnica do Dieese, afirmou à Agência Maurício Tragtemberg que, a cada R$ 1 de reajuste, há um impacto de mais de R$ 730 milhões no repasse para a população.

“Considerando que todo esse recurso vá ser utilizado no mercado interno, a cada R$ 1 de reajuste há a possibilidade de gerar cerca de 18.383 mil empregos, o que também adiciona ao PIB (Produto Interno Bruto) um valor de R$ 1,3 bilhão", explica. "Em relação à arrecadação tributária, esse valor significa um incremento de R$ 333 milhões. Já em relação à massa salarial, o aumento é de R$ 476 milhões”, completa a socióloga.

Ainda de acordo com um estudo do Dieese, cerca de 54 milhões de pessoas serão afetadas pelo aumento real, das quais 22,7 milhões   diretamente. Nesse grupo, o departamento considera os empregados do setor público e privado registrados em carteira, servidores públicos, aposentados, pensionistas e beneficiários de programas sociais. Outros 31,3 milhões de brasileiros serão afetados indiretamente. Nesses casos, o estudo considera pessoas que residem em domicílios onde pelo menos uma delas é diretamente beneficiada pelo reajuste. 

Ainda sobre os impactos, Júlio Pires, economista e professor da PUC-SP, afirma que o setor de trabalho informal também é atingido. “Existe uma espécie de efeito sinalização mediante o qual, através do aumento do salário mínimo real, os trabalhadores do setor informal também são beneficiados. Isso porque esse aumento serve como referência para esse setor”, avalia.

 

Histórico

Ao comentar a insatisfação sobre o baixo valor do aumento neste início de governo, o economista relembra o primeiro mandato do presidente Lula. "O primeiro reajuste no governo de 2003 também foi baixo, e, com o avanço da economia, foi aumentando com o tempo", explica Pires.

No primeiro e segundo governo do atual presidente, entre os anos de 2003 e 2010, o salário mínimo passou de R$ 240 para R$ 510, mantendo um histórico de reajuste acima da inflação.

De acordo com dados do Ministério do Trabalho e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi apenas em 2015, no governo Dilma Rousseff (PT), que o reajuste do salário mínimo ficou abaixo da inflação, com o valor de R$ 788, um aumento de 8,84%, contra  10,67% registrados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Durante o período de Michel Temer na presidência, entre 2016 e 2019,  o salário subiu de R$ 880 para R$ 998, e mesmo assim não acompanhou a inflação durante o período, que chegou a marcar 9,32% ao final do mandato, a inflação era de 2,76%.

Nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, os dois índices estavam praticamente equiparados, com um leve sobressalto do mínimo, que estava em R$ 1.039 em 2020, ante uma inflação de 4,52%. Em 2021, a inflação atingiu dois dígitos (10,06%) e era quase o dobro do aumento de 5,26%, que elevou o salário para R$ 1.100.

O último aumento real do salário mínimo ocorreu em 2019, o único dos últimos seis anos.

No dia 5 de maio, o presidente Lula enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei (PL) que estabelece uma nova política de valorização do salário mínimo. De acordo com o PL, o salário mínimo seria corrigido pela variação do Índice Nacional dos Preços ao Consumidor (INPC) acumulado nos 12 meses encerrados em novembro do ano anterior. O projeto prevê ainda que, caso seja positiva, haja um acréscimo da taxa de crescimento real do PIB.

A expectativa do governo é de que a política beneficie cerca de 40 milhões de pessoas. O impacto fiscal orçamentário esperado para 2024 foi de R$ 18,1 bilhões. Para 2025, a expectativa é de R$ 25,2 bilhões e em 2026, de R$ 39,1 bilhões.