Atores Negros Representam Cerca De 10% Dos Vencedores Do Oscar Nas Últimas Duas Décadas

por
Ana Luiza Pêgo
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07/04/2021 - 12h

 

Para a surpresa de muitos, em 2021, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Los Angeles incluiu na maior premiação do cinema não somente produções, mas profissionais multi-étnicos. Ainda que vagarosa, a renovação nos processos de indicações escancara o histórico predominantemente masculino e branco do Oscar. 

Por conta da pandemia de Covid-19, a quantidade de obras dos grandes estúdios diminuiu. Enquanto isso, o número de trabalhos distribuídos e produzidos pelas plataformas de streaming aumentou. Isso reflete diretamente na diversidade das indicações, uma vez que permite que outros projetos, mais independentes e inclusivos, ganhem destaque.

Contrariando as tradições, pela primeira vez na história dos Oscars, dentre os oito indicados a melhor filme, três deles são protagonizados por pessoas não brancas (Judas e o Messias Negro, Minari e O Som do Silêncio). Além disso, mais uma vez quebrando um recorde, foram indicados nove artistas não brancos nas categorias de atuação. 

Cenas dos filmes indicados a categoria "Melhor Filme" no Oscar 2021
Minari (à esquerda), Judas e o Messias Negro (ao centro) e O Som do Silêncio (à direita). Imagem: Google Imagens

 

Dentre eles, os nomes de Viola Davis e Chadwick Boseman foram os mais aplaudidos. Davis se consagrou como a mulher negra com mais indicações ao Oscar na história. Concorrendo neste ano pela quarta vez, se vencer, ela se torna a primeira mulher negra a ganhar duas estatuetas. Assim como aconteceu com sua colega de cena de A Voz Suprema do Blues, a presença de Boseman nos nomes para melhor ator mostra uma mudança, já que é, também, a primeira indicação póstuma a um artista não branco. Na categoria de melhor diretor, mais uma vez os jurados fugiram do usual. Pela primeira vez duas mulheres foram indicadas no mesmo ano, sendo uma delas asiática. Além disso, o grupo de indicados conta com um coreano-americano.  

Chloe Zhao (à esquerda) e Emerald Fennell (à direita). Imagem: Google Imagens
Chloé Zhao (à esquerda) e Emerald Fennel (à direita). Imagem: Google Fotos

 

Apesar da oportuna transformação no comportamento, o histórico não consegue disfarçar a estrutura segregacionista que sustenta a premiação. Nos últimos 20 anos, entre os 100 homens indicados ao prêmio de melhor ator, somente 14 deles eram negros. Já na categoria de melhor atriz, a estatística é ainda pior, visto que apenas quatro eram mulheres negras. Se indicações já são raras, estatuetas são ainda mais. Para os homens, apenas três nessa categoria e para as mulheres, uma vitória solitária. 

Para os diretores não brancos e diretoras o panorama é desfavorável também. Se analisados os indicados desde o início da década de 2000, é possível encontrar somente cinco indicações a mulheres e dez a homens que não são brancos. Vitórias para esses dois grupos é um evento incomum. As mulheres contam com apenas uma estatueta, pertencente à americana Kathryn Bigelow, enquanto os homens não-brancos venceram três vezes. Entretanto, vale destacar que nenhum diretor ou diretora negra jamais venceu a categoria.   

Essa escassez de reconhecimento é um reflexo da bancada de votantes da Academia, uma vez que é composta predominantemente por homens (68%) e pessoas brancas (84%).

É possível creditar essa renovação à demanda popular. “Olha, historicamente, Hollywood funciona da base da pressão, sobretudo, nos últimos anos, na base da pressão das redes sociais. Então, acho que é importante dizer que são premiações muito sensíveis à opinião pública.” diz Fábio Monteiro, doutor em história social (PUC-SP) e especialista em cinema documentário (EICTV - Escuela Internacional de Cine y Televisión). Monteiro afirma que  “[...] quando a sociedade reivindica mais representatividade e pautas de visibilidade, ela  questiona o lugar social das minorias e das pessoas subalternizadas, aí a indústria, então, faz questão de se movimentar e de atender. E, por uma razão, dinheiro.” 

 

Fábio Monteiro. Foto: Acervo Pessoal
Fábio Monteiro. Foto: Acervo Pessoal.

 

Essa movimentação da indústria cinematográfica, pouco tem a ver  com um exercício de generosidade. Desde 2015, quando surgiu a campanha #OscarSoWhite (Oscar branco demais, tradução livre) a Academia percebeu que precisaria mudar a postura se quisesse continuar lucrando. Em um levantamento da consultoria americana McKinsey, foi observado que Hollywood deixa de faturar anualmente cerca de US$10 bilhões pela falta de representatividade negra no cinema e na televisão. É uma questão de bilheteria e esta, precisa necessariamente dialogar com essa demanda multicultural e multiétnica, caso contrário nem estúdios e nem premiações mantém a engrenagem de rentabilidade que envolve essa indústria. 

De acordo com o portal de dados Statista, os lucros de um filme dobram depois de uma indicação ao Oscar. Assim, o problema era um ciclo infinito. Se as produções que antes englobavam as minorias étnicas e socioculturais não recebiam indicações, também não eram lucrativas e por conseguinte, não eram interessantes para os grandes estúdios. Contudo, a procura por esses filmes que eram, até então, desinteressantes e pouco rentáveis aumentou muito. 

O sucesso do afrofuturismo de Pantera Negra (2018) é a prova disso. Com mais de US$1 bilhão arrecadado em bilheterias, o filme recebeu seis indicações da Academia e levou três estatuetas para casa. Na prática, a produção atendeu uma demanda popular e somente com isso já embolsaria milhões, porém com as indicações ao Oscar o filme ganhou credibilidade até mesmo com aqueles que não pediam por um super-herói negro nas salas de cinema. Desta forma, entre estúdios, premiações, elenco, equipes de produção e sociedade, todos saíram ganhando e o rendimento de Pantera Negra chegou na casa do bilhão.  


 

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