Foi-se o tempo em que 3 minutos eram pouco para uma história ser contada em forma de música. Com a chegada das redes sociais e a dinamicidade de hoje o comportamento humano mudou, e a forma como se faz uma canção também. A atenção precisa ser captada rapidamente e quanto maior for o número de plays melhor, afinal, tempo é dinheiro.
Economia da atenção
O psicólogo Herbert Simon criou o termo ‘economia da atenção' na década de 1970 para se referir a essa nova conjuntura social ocasionada pela aceleração da comunicação. Criou-se uma disputa do foco dos usuários devido a abundância de informações e distrações o tempo todo. Cada vez há mais textos, os quais se tornam menores e mais diretos. E os áudios inundam os smartphones, sendo escutados na velocidade 2 para não se perder tempo.
A atenção das pessoas é um recurso limitado como define o autor, e com um bombardeamento de dados e estímulos cada vez maior, mais difícil é fazer com que alguém pare e perceba algo de fato. No caso da música, já nos primeiros segundos o ouvinte deve ser surpreendido para não ‘pular’ a faixa, e nada mais longo que três minutos.
Considera-se com isso a audição das novas gerações como ansiosa e a indústria musical inevitavelmente teve de se adaptar, como alega Luiza Studart, responsável pela área de parcerias com as plataformas de streaming da distribuidora Believe Brasil. “Enquanto antes víamos músicas com 3 versos, ponte e refrão, hoje temos faixas que já começam no refrão buscando chamar a atenção do público”.
Faixas como ‘Bohemian Rhapsody’ do Queen e ‘Mirrors’ de Justin Timberlake, ambas com mais de 5 minutos de duração, provavelmente seriam diminuídas hoje. Além disso, seus formatos seriam diferentes para diminuir o risco de o ouvinte ficar entediado ainda no verso.
Um levantamento da revista norte-americana Billboard de 2022 constata esse movimento nas últimas décadas. O tempo médio das músicas da Hot 100 - uma das mais importantes paradas de sucesso do mundo - diminuiu de 4:10 em 2000 para 3:07 em 2022. Além disso, das dez músicas mais tocadas naquele ano, quase metade tinham menos de 3 minutos.
Para Yngryty Nascimento, estudante, produtora de conteúdo digital e streamer desde 2021, a sua relação com a música é fortemente impactada pela lógica atual. “No meu dia a dia eu não costumo ouvir músicas tão longas, tenho “mania” de pular a música e quase nunca escuto inteira porque eu enjoo facilmente”.
Era da viralização

Não bastando esses novos padrões comportamentais, os índices de desempenho comercial e popular das músicas também mudaram. Não se contam mais apenas quantos CDs são vendidos ou quantas reproduções um artista teve nas rádios, mas a quantidade de streams que seus trabalhos possuem nas plataformas e se esses viralizaram.
Definida como a grande repercussão de algo nas mídias digitais, é hoje o principal meio para que uma música faça sucesso. E como o desempenho comercial é uma necessidade econômica, os artistas e gravadoras precisam se adaptar. Já demos algumas sugestões na produção musical pensando em deixar a música mais "comercial", comenta Luiza Studart.
A remuneração nas plataformas se dá pelo número de ‘streams’ que uma música recebe, ou seja, quanto mais ‘plays’ maior será o retorno financeiro. Para se ter uma ideia, a remuneração varia entre U$0,003 e U$0,005 por cada reprodução no Spotify, plataforma de música online com maior número de usuários no Brasil.
Esse parâmetro é inclusive usado como estratégia pelos artistas e gravadoras. Uma música mais direta e com cerca de 2 minutos instiga o ouvinte a escutá-la novamente, desse modo, melhorando a viabilidade do trabalho e diminuindo o risco de dar prejuízo para a empresa distribuidora ou artista independente.
Existem exceções à regra, mas essas são artistas com uma carreira já consolidada e com uma grande base de fãs como Taylor Swift ou Coldplay, garantindo um número de reproduções alto. Para a grande maioria, no entanto, principalmente para artistas em ascensão e independentes, a atenção tem que ser capturada rapidamente e o volume de produção precisa ser alto para não caírem no esquecimento.
Velocidade digital
Continuando essa aceleração digital e rompimento de barreiras espaciais e temporais, uma espécie de nova onde de redes sociais tomou forma. Nos últimos 5 anos houve um aumento expressivo de plataformas de vídeo curtos como Tik Tok e Kwai. Nelas, o principal diferencial são os chamados ‘challenges’, as famosas dancinhas.
Diante disso, tornou-se quase indispensável para os artistas um bom desempenho nelas também, por meio de letras sob medida, 30 segundos, e batidas dançáveis. “Existe até o termo agora música para Tik Tok que são justamente músicas com refrões grudentos e menores”, comenta Yngryty Nascimento, que já foi contratada da plataforma Kwai em 2021.
O impulsionamento que uma faixa ganha ao ser usada em memes no Instagram ou Twitter é hoje comparável ao seu uso nas redes de vídeos curtos. Segundo levantamento feito pela Winnin, inteligência artificial que analisa tendências nas redes sociais, em 2020, 7 das 10 músicas mais tocadas no Spotify viralizaram antes no Tik Tok.
Pensando nisso, plataformas de música e de vídeos inclusive adicionaram funcionalidades específicas para tal portabilidade. O recurso ‘adicionar a app de música’ no caso do Tik Tok surgiu pela demanda de encontrar aquela faixa viral também nos aplicativos de música. Do outro lado da moeda, o compartilhamento direto do Spotify para a rede de vídeos curtos a partir de novembro deste ano foi criado.
A sociedade segue se transformando, e a música inevitavelmente irá acompanhar os novos caminhos traçados, e estas mudanças não necessariamente impactam na qualidade das músicas. Apesar disso, artistas como Beyoncé e Anitta já criticaram abertamente as limitações criativas dessa briga por atenção.