Argentina deve priorizar os mais pobres, diz economista

Para Rafael Bianchini, o desemprego e a pobreza, que já se encontravam em situação delicada, irão aumentar com a pandemia de Covid-19
por
Lincoln Oliveira de Castro
|
06/05/2020 - 12h

O ano de 2020 começou diferente de qualquer outro do século 21. Com a chegada do novo coronavírus, o mundo já começa a sentir os efeitos do que promete ser a maior recessão desde, pelo menos, a Grande Depressão da década de 1930. Para alguns países, é um processo que se inicia agora; para outros, o agravamento de uma crise anterior à pandemia, cuja solução se torna ainda mais complicada. É o caso da Argentina.

A cada ano que passa, a situação do país fica mais difícil. Suas dívidas em empréstimos e títulos passam de US$ 100 bilhões. Já a dívida pública total do país soma US$ 311 bilhões, o que equivale a 90% do Produto Interno Bruto. Após a eclosão da Covid-19, a Argentina declarou default técnico, mais conhecido como "calote", com os credores locais, adiando o pagamento da sua dívida para 2021. 

Não bastasse o alto endividamento, nos últimos 40 anos a taxa de pobreza subiu de 4% para 40%. Estimativas do Instituto Nacional de Estatísticas (Indec) indicam que, em 2019, havia 15 milhões de pessoas na pobreza no país. Para piorar, a inflação chega a 50% ao ano. Este cenário, que tende a se agravar com a pandemia, dificulta ainda mais a busca de alternativas factíveis.

Em meio ao surto de Covid-19, gastar recursos com investimentos é considerado secundário. A única saída é levar dinheiro aos mais pobres através de programas sociais. A opinião é do economista e professor da Fundação Getúlio Vargas Rafael Bianchini, que acompanha a situação da Argentina há alguns anos.  "Neste momento, o que a Argentina tem a fazer é injetar dinheiro na população e focar nos mais pobres. Tentar preservar a situação mínima de dignidade para a base da pirâmide. Então, é renda básica universal para essas pessoas."

Apesar de ver a "injeção" de dinheiro nos mais pobres como a única medida que deve ser tomada no momento, Bianchini observa que algumas pessoas irão se beneficiar sem precisar. "É bem possível que neste momento não dê para ter critérios muito seletivos, porque você não tem como levar as pessoas para se cadastrar. Não tem como realizar critérios que os governos costumam fazer para selecionar beneficiários de programas sociais: é jogar dinheiro para todo mundo e admitir que alguns vão receber sem precisar. Paciência, é a vida", diz.

Recentemente, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, atendendo às reivindicações das centrais sindicais, contribuiu para que a taxa de desemprego e, consequentemente, os índices de pobreza não aumentassem, ao decretar, no dia primeiro de abril, a proibição de demissões nos 60 dias seguintes, apenas permitindo demissões por justa causa. Mas não há quem se engane. Esta medida é apenas uma das muitas que devem ser tomadas daqui em diante.

Ainda no período da eleição, o atual presidente havia lançado o plano "Argentina contra a fome", inspirado no programa "Fome Zero", criado por Lula em 2003 e responsável por tirar o Brasil do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU), contribuindo para que a pobreza extrema diminuísse 75% entre 2001 e 2012, tornando-se referência internacional. O plano de Fernández, que visa erradicar a fome de 15 milhões de pessoas, ainda não saiu do papel.