100 Anos de Surrealismo: Intersecção entre arte e moda

Com grande influência de Elsa Schiaparelli, o movimento que completa o centenário deixa um legado na moda contemporânea
por
Nathalia Teixeira
Barbara Ferreira
|
26/08/2024 - 12h

Em 2024, comemoramos o centenário do movimento surrealista, corrente artística que surgiu no início do século XX. Lançado oficialmente em Paris, por André Breton, Yvan Goll, Marcel Alland e Guillaume Apollinaire, o Manifesto Surrealista emergiu entre a primeira e segunda guerra mundial, quando diversos países europeus estavam imersos em uma crise econômica. A vanguarda nasceu para abandonar a realidade crítica e explorar o inconsciente. 

O movimento é construído por diversas áreas da arte, mas predominantemente vinculado às vertentes visuais. Elabora imagens remanescentes da  psicanálise, do inconsciente e concretiza o fim do racionalismo. Com uma maior liberdade criativa e ambientalista, rompia com o tradicional e buscava uma renovação artística. 

A ideia era promover a compreensão do ser humano em suas múltiplas facetas, explorando o rompimento das correntes das limitações entre razão e lógica. Salvador Dalí (1904-1989), pintor espanhol, tornou-se uma das referências através da exibição da capacidade plástica e visão pautada dos sonhos. Joan Miró (1893-1983), também pintor espanhol, elaborava elementos coloridos e formas biomórficas.

 

 

A tentação de Antão, Salvador Dalí (1946)
A tentação de Antão, Salvador Dalí (1946)

 

Dentre tantos outros artistas da época, a arte era experimentada de uma forma suavizada e crítica, com duas ou mais dimensões, e colagens que desafiavam a percepção convencional. No Brasil, não houve especificamente um movimento surrealista, porém durante o modernismo brasileiro, Cícero Dias (1907-2003) e Tarsila do Amaral (1886-1973) foram fortemente influenciados pelas características dessa vanguarda.

 

Barqueiro, Cícero Dias (1980)
Barqueiro, Cícero Dias (1980)

 

Proporcionando uma intersecção entre artes e diversas outras áreas, a moda aderiu ao movimento com o objetivo de desenvolver estéticas que desafiavam as convenções e os limites do que podia representar. O surrealismo trouxe para a moda uma nova linguagem visual, onde o inesperado, o absurdo e o fantástico se tornaram as principais ferramentas. O movimento introduziu a ideia de que a moda não precisa ser apenas prática ou decorativa, mas também um meio de expressar a complexidade do ser humano.


O legado de Elsa Schiaparelli
No século XX, o surrealismo encontrou uma expressão única dentro da moda nas criações de Elsa Schiaparelli. Nascida em Roma, em 1890, Schiaparelli mudou-se para Paris na década de 1920, onde estabeleceu sua maison e começou a desafiar as convenções da alta-costura. Sua abordagem inovadora fez com que ficasse conhecida por ser a estilista mais audaciosa da época, transformando a moda em uma forma de arte. Ela era conhecida pela ousadia em transformar o ordinário em extraordinário, utilizando tecidos metálicos, plásticos e até mesmo papel em suas criações.
Além de revolucionar o cenário da moda, ela pode trazer collabs icônicas para o seu portfólio . Fazendo jus ao surrealismo, Schiaparelli fez algumas colaborações com Salvador Dalí, como "Lobster", em 1937. A obra foi um dos maiores sucessos da artista, que capturava o espírito lúdico e provocador do movimento.

 

Foto: Indigital.tv
Lobster Dress; foto: Indigital.tv

 
Durante sua trajetória, a estilista usou e abusou de materiais e formas inusitadas, como botões em formato de insetos, zíperes expostos e silhuetas que desafiam a anatomia tradicional. Também foi pioneira em cores vibrantes, sendo lembrada pelo "rosa choque", que se tornou uma assinatura própria. Suas coleções eram frequentemente inspiradas por temas lúdicos e surrealistas, como a astrologia e a fantasia, refletindo uma visão de moda que transcendia a simples funcionalidade e se tornava uma forma de arte e expressão pessoal. A capacidade de Schiaparelli de unir o humor com a alta-costura fez que suas peças se tornassem verdadeiras obras de arte, celebradas pela originalidade e impacto no cenário da época, rompendo uma rigidez até então presente.

 

Zsa Zsa Gabor veste Schiaparelli no filme Moulin Rouge; Foto: Getty Images
Zsa Zsa Gabor veste Elsa Schiaparelli no filme Moulin Rouge Foto: Getty Images


 
Elsa Schiaparelli apresentou um novo conceito de fazer moda como um meio de expressão pessoal e artística, se opondo ao conservadorismo e abrindo caminho para futuras gerações de estilistas. Sua visão inovadora continua a inspirar a moda contemporânea, mantendo seu legado vivo em coleções que celebram a ousadia, a criatividade e o inesperado e com referências ao movimento artístico.
 
Referência ao movimento no Brasil
Não só na Europa podemos ver o surrealismo presente nas passarelas. Em 2021, o estilista brasileiro Leandro Di Tomazoni brilhou nas passarelas, no desfile de sua marca Chapelle, com uma coleção que abusava das referências às obras de Salvador Dalí. Apresentado na CASACOR Paraná, o desfile contou com 40 peças e 21 looks completos, e aconteceu dentro de uma piscina, reforçando o compromisso em explorar a moda como uma expressão artística, honrando o legado do surrealismo.

 

Chapelle; Foto: Divulgação/Izadora Padilha
Chapelle; foto: Izadora Padilha


 

Chapelle; Foto: Divulgação/Izadora Padilha
Chapelle; foto: Izadora Padilha

O surrealismo influenciou um movimento revolucionário na moda, abrindo caminho para que estilistas pudessem explorar o imaginário sem limitações e transformar o vestuário em verdadeiras obras de arte. Graças à ousadia de pioneiros, como Elsa Schiaparelli, Jean Cocteau, Leonor Fini, Alberto Giacometti e outros, hoje os designers têm a liberdade de brincar com estampas arrojadas e formas lúdicas, trazendo à tona criações que vão além do funcional e tornam-se expressões artísticas. Os desfiles surrealistas desafiaram as normas do conservadorismo e expandiram os horizontes da moda, permitindo que a criatividade e o conceito superem as convenções tradicionais, impulsionando uma evolução constante no mundo da alta-costura.
 

Tags: