Uma análise sobre a passagem do físico e teórico alemão pelo Brasil e o apagamento das mulheres na ciência
por
Natália Matvyenko Maciel Almeida
Joana Grigório
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16/11/2025 - 12h

Em 1925, Albert Einstein desembarcou na américa do sul, na cidade do Rio de Janeiro, para uma sequência de palestras e nesse vídeo exploramos uma parte dos relatos escritos em seu diário e a falta de registros de pessoas racializadas e também de mulheres nas conferências.

Referências utilizadas para esse vídeo: 

1. Tolmasquim, Alfredo Tiomno. Einstein, o Viajante da Relatividade na América do Sul (2003)
Este livro oferece um olhar detalhado sobre a visita de Albert Einstein à América do Sul, incluindo sua passagem pelo Brasil. O autor explora a recepção do cientista e seu impacto no cenário científico da época.

2. Haag, Carlos. "Tropical Relativity" (2004)
Artigo publicado na revista Pesquisa FAPESP, que aborda os diários de viagem de Einstein na América do Sul, com destaque para suas observações sobre o Brasil e suas interações com a ciência local.

3. Moreira, Ildeu de Castro. Entrevista: Visita de Einstein ao Rio de Janeiro promoveu valorização da ciência pura (2025)
Entrevista com Ildeu de Castro Moreira, que discute o impacto da visita de Einstein ao Rio de Janeiro, enfatizando a valorização da ciência fundamental e os desdobramentos para a pesquisa no Brasil.

4. Fundação Oswaldo Cruz. Museu tem atrações em homenagem aos 100 anos da visita de Einstein (2025)
A Fundação Oswaldo Cruz celebra o centenário da visita de Einstein ao Brasil com exposições e atividades que relembram a importância histórica dessa passagem do cientista.

5. Observatório Nacional. 100 Anos de Einstein no Brasil (2025)
O Observatório Nacional comemora o centenário da visita de Einstein ao Brasil com uma série de palestras e reflexões sobre o impacto de sua passagem no campo científico brasileiro.

6. Rosenkranz, Ze'ev (org.). The Travel Diaries of Albert Einstein (2018)
Esta coletânea organiza os diários de viagem de Einstein, incluindo suas observações sobre diferentes regiões do mundo, com destaque para seus comentários sobre a América do Sul, e apresenta uma análise crítica sobre seus pontos de vista racializados.

7. Artigos de divulgação histórica sobre os diários de Einstein e racismo
Diversas publicações, como matérias da History.com e do The Guardian, discutem as anotações de Einstein sobre suas viagens à Ásia e outros lugares, destacando seus comentários sobre raça e cultura.

Nota de Checagem de Fatos
As informações sobre a visita de Einstein ao Brasil e seu impacto no país, incluindo o papel de Carlos Chagas e a análise dos diários de viagem, foram baseadas em fontes como Fiocruz, Observatório Nacional, e pesquisas de Ildeu de Castro Moreira. As reflexões sobre os comentários racializados de Einstein seguem a análise crítica adotada por estudiosos como Tolmasquim, Haag e Rosenkranz.

Releitura transmídia da estadia do físico no Rio de Janeiro em 1925
por |
03/11/2025 - 12h

Em maio de 1925, Albert Einstein visitou o Rio de Janeiro por uma semana hospedando-se no Hotel Glória, quarto 400. Apesar da recepção calorosa como celebridade, sua passagem foi um desastre cômico. A comitiva que o cercava não tinha um único físico ou matemático - apenas médicos, advogados, políticos e militares da elite social brasileira. No Clube de Engenharia, falou para uma plateia lotada que não entendia alemão nem suas ideias, em uma sala barulhenta e sem acústica. Na Academia de Ciências, teve que ouvir três discursos vazios em francês mal falado, incluindo um sobre "a influência da Relatividade na Biologia". O ápice foi quando o jurista Pontes de Miranda tentou desafiá-lo em alemão com considerações sobre metafísica e direito. Einstein levou de presente um papagaio que repetia "Data venia, Herr Einstein", lembrando-o sempre, com humor, da "ciência" dos doutores brasileiros.

“Einstein: visualize o impossível” é um projeto dos estudantes do quarto semestre de jornalismo da PUC-SP, da disciplina de jornalismo transmídia. O projeto aborda, de diferentes maneiras, uma releitura da icônica visita do físico ao Brasil em 1925. Todos os relatos estão em um site especial. Além de produções visuais e sonoras, o especial propõe uma narrativa em quadrinhos que conecta ciência, história e imaginação, tendo como cenário o Observatório Nacional (espaço que recebeu Albert Einstein). 

A produção contou com a colaboração de Bruno Matos, vice-diretor da Escola Estadual Professor Walter Ribas de Andrade. Já o vídeo “Os impactos de Albert Einstein na educação brasileira explicado por doguinhos” apresenta as contribuições das teorias do cientista para a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) a partir da entrevista com o professor de física Dediel Oliveira.  

Em “Diário do Einstein”, o leitor encontra coletânea de depoimentos em formato de diário sobre a passagem de Albert Einstein pelo Rio de Janeiro no ano de 1925, comentando ao longo de cada dia, pontos turísticos e palestras presenciadas por ele. No podcast "A carta que revolucionou a corrida armamentista", discute carta assinada pelo físico Albert Einstein em agosto de 1939, que alertava o presidente dos EUA, Franklin D.Roosevelt, sobre o potencial da Alemanha nazista em desenvolver uma bomba atômica.

O vídeo vertical “Einstein no Brasil” narra o encontro do físico com Carlos Chagas, marcando um momento científico crucial. A produção destaca a troca intelectual entre os dois grandes nomes da época. Por fim, é possível compreender uma sutil crítica sobre a omissão de um encontro com cientistas mulheres consagradas, como Bertha Lutz. Em “Einstein: uma análise de sua trajetória política”, as cartas de Einstein e seus discursos que expressavam preocupação com a violência e os conflitos no Oriente Médio são revisitadas. Nas declarações, o físico defende uma convivência justa entre judeus e árabes, e o projeto analisa como suas palavras ecoam no contexto atual da guerra entre Israel e Palestina, mostrando que o tempo passa, mas as perguntas sobre humanidade e coexistência continuam urgentes. 

Finalmente, o livro "Os Sonhos de Einstein", de Alan Lightman, pela Cia das Letras, apresenta uma série de sonhos imaginários que o jovem Albert Einstein teria tido enquanto desenvolvia a Teoria da Relatividade, em 1905. Em cada um deles, o tempo funciona de um jeito diferente, às vezes para, volta ou corre mais rápido e essas variações servem para refletir sobre a vida, as lembranças e as escolhas humanas. "Neste mundo, a textura do tempo parece ser pegajosa. Porções de cidades aderem a algum momento na história e não se soltam. Do mesmo modo, algumas pessoas ficam presas em algum ponto de suas vidas e não se libertam".
 

O uso excessivo do celular está moldando comportamentos e lucros empresariais das Big Techs
por
Julia Cesar Rangel
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27/10/2025 - 12h

Por Julia Cesar

 

O som começa suave, quase hipnótico. A vinheta colorida anuncia: “Cocomelon!”. Em segundos, os olhos se fixam na tela, o corpo se acalma e o mundo ao redor desaparece. Por trás dessa inocente animação infantil, há uma equipe bilionária que lucra com cada clique, cada minuto de atenção e cada vídeo que não para de rodar.

Nos últimos anos, o uso excessivo do celular tem preocupado especialistas, pais e educadores. Plataformas e canais, especialmente os voltados para o público infantil, estão sendo desenhados para capturar e reter o olhar humano o máximo possível. No caso das crianças, os efeitos são ainda mais intensos, já que seus cérebros ainda não estão totalmente formados para compreender o que é viciante e prejudicial.

A mãe Bianca Rangel, por exemplo, percebeu esse impacto em casa. O pequeno Gael, de 3 anos, começou a reconhecer a música do Cocomelon apenas pelo primeiro segundo de som. Ele largava qualquer brinquedo para correr até o celular. No início, Bianca achava a cena fofa, mas com o tempo notou que o filho ficava irritado e chateado quando o aparelho era desligado.

Preocupada, ela tentou limitar o tempo de tela, mas enfrentou forte resistência. Foi então que decidiu buscar orientação profissional e entendeu que substituir o tempo de tela por atividades com “dopamina boa” não era apenas uma escolha, e sim uma necessidade.

De acordo com a psicóloga Mayara Contim, formada pela USP e atualmente atuando na escola St. Nicholas, esse tipo de comportamento é resultado de mecanismos psicológicos cuidadosamente estudados pelas plataformas. Ela explica que não se trata apenas do Cocomelon: hoje, vídeos são planejados para ativar o sistema de recompensa do cérebro. As músicas, as cores e o ritmo acelerado são pensados para liberar dopamina, o hormônio ligado ao prazer imediato. Isso cria um ciclo de dependência semelhante ao que ocorre com jogos e redes sociais entre adultos e adolescentes.

A psicóloga ressalta que o problema não está apenas nas crianças. Segundo ela, os adultos também são vítimas desse design, já que as redes sociais funcionam com a mesma lógica de manter o usuário rolando infinitamente. No entanto, o impacto é mais grave nas crianças, pois seus cérebros ainda estão em desenvolvimento.

Um estudo recente da Common Sense Media apontou que, em média, crianças de até cinco anos passam quase três horas por dia em frente a telas. O dado assusta, mas reflete uma realidade cotidiana: celulares se tornaram babás digitais, distrações práticas para pais cansados e ferramentas de lucro para empresas que vendem publicidade a cada visualização.

Bianca admite que o uso do celular facilitava sua rotina. Enquanto o filho assistia aos vídeos, ela conseguia trabalhar ou realizar tarefas domésticas. Com o tempo, porém, percebeu que estava trocando momentos de qualidade com o filho por alguns minutos de silêncio.

Para Mayara Contim, o primeiro passo é não culpar os pais, e sim compreender o contexto. Ela destaca que vivemos em um mundo hiperconectado e que o caminho está na consciência e nos limites. O ideal, segundo a psicóloga, é que os pais assistam junto com as crianças, conversem sobre o conteúdo e ofereçam outras formas de estímulo — como brincadeiras, leitura e contato com a natureza.

Enquanto isso, a indústria continua explorando cada segundo de atenção possível. Canais como Cocomelon acumulam bilhões de visualizações e lucros altíssimos com publicidade, licenciamento e produtos derivados. O looping digital virou negócio, e nós, espectadores, nos tornamos o produto.

Mayara resume a lógica de forma direta: a atenção é a nova moeda. E, no fim, essa frase ecoa como um alerta — quanto mais tempo passamos presos às telas, mais alguém, do outro lado, está lucrando com isso.

O Brasil é pioneiro na criação de um medicamento que regenere a medula óssea de pacientes
por
manuela schenk scussiato
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03/11/2025 - 12h

Por Manuela Schenk

 

Não fora uma sexta-feira qualquer para Júlia. A caminho do ponto de ônibus para voltar para sua casa após um dia de aula na faculdade um motorista embriagado atropelou-a e fugiu sem prestar socorro que mudou sua vida para sempre quando tinha apenas 19 anos. Júlia teve lesões nas vértebras T8, T9 e T10 que a deixaram paraplégica depois de cinco dias em coma quando recebeu a notícia de que jamais andaria novamente.

Hoje Júlia tem 22 anos e teve que reaprender a viver. Coisas que jamais imaginou ter dificuldades agora são grandes conquistas, como quando conseguiu tomar banho sozinha pela primeira vez ou quando pode se deitar na própria cama sem auxílio. Escadas se tornaram rampas, seu restaurante favorito virou delivery, já que não possui acessibilidade para que ela consiga entrar na cadeira de rodas. As festas que frequentava semanalmente agora são eventos anuais, pois a locomoção dentro de uma balada é quase impossível para alguém que não consegue usar as próprias pernas.

No início se adaptar parecia impossível, noites mal dormidas quando chorava no travesseiro até seus olhos cederem. Depois de receber alta do hospital ela foi encaminhada para terapia, consultas três vezes por semana que depois de dois anos se tornaram duas. A fisioterapia que antes era uma tortura aos poucos se tornou um momento divertido.

Nos anos que se passaram Júlia conheceu mais pessoas na mesma situação que ela e de pouco a pouco sua nova vida se tornou mais tolerável, mas mesmo depois de quase 4 anos do acidente ela ainda tem dias ruins, sua autoestima nunca mais foi a mesma já que por muito tempo não conseguia se arrumar como antes. Júlia conta que o momento mais difícil da vida dela foi descobrir que seu caso não tinha cura. Sem possibilidade de tratamento ou cirurgia, uma menina que antes era ativa, amava se exercitar, sair com suas amigas, passear com sua cachorrinha, agora se vê forçada a reaprender a viver.   

É possível perceber as dificuldades que marcam a vida das pessoas que são afetadas pela paraplegia. Infelizmente muitos casos não são reversíveis, mas graças a estudos de um grupo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o mundo pode estar mais próximo de encontrar uma cura para uma deficiência que interrompe a vida de tantas pessoas.

A pesquisa, desenvolvida no Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, representa um marco para a medicina brasileira. O medicamento experimental chamado Polilaminina foi criado a partir de uma proteína natural da placenta humana, capaz de estimular a regeneração das células nervosas. Em estudos com animais, especialmente cães que haviam perdido os movimentos, o tratamento apresentou resultados impressionantes: alguns conseguiram voltar a andar mesmo após anos de paralisia. Esse avanço chamou a atenção da comunidade científica internacional e fez com que o Ministério da Saúde e a Anvisa classificassem o estudo como de prioridade absoluta no País.

A equipe liderada por Tatiana Sampaio começou o estudo da eficiência polilaminina para promover a regeneração de fibras nervosas/axônios e reconectar áreas lesadas da medula espinhal começou em 2007, embasado em outro estudo da faculdade que iniciou em 1998. São quase três décadas de trabalho árduo que trouxeram a equipe ao sucesso que é exposto para o mundo hoje, com seis dos oito pacientes humanos recuperando, parcial ou completamente, os movimentos que lhes foram tomados. 

Além dos testes clínicos em andamento, o projeto da UFRJ tem recebido apoio de instituições públicas e privadas, como o Laboratório Cristália, que colabora na etapa de desenvolvimento farmacêutico e produção em larga escala da substância. O próximo passo dos pesquisadores é a realização de estudos em uma quantidade maior de voluntários, o que permitirá avaliar com mais precisão a segurança e a eficácia do medicamento. Caso os resultados se confirmem, o Brasil poderá ser o primeiro país a oferecer um tratamento realmente regenerativo para lesões medulares, uma conquista inédita na história da ciência.

Para Júlia e milhares de pessoas que convivem com a paraplegia, essa descoberta reacende uma esperança que parecia perdida. Mesmo que o caminho até a cura ainda seja longo, cada passo da pesquisa representa uma vitória contra a limitação imposta pela lesão medular. A história de Júlia mostra a força de quem se reinventa diante da adversidade. O que a ciência da UFRJ faz agora é provar que o impossível pode estar mais perto do que se imagina. Aquilo que antes era apenas sonho, agora começa a ganhar forma nas mãos de pesquisadores brasileiros dedicados a devolver o movimento e com ele a liberdade a tantas vidas interrompidas.

Especialista alerta para riscos do uso acrítico de plataformas de IA na educação
por
Thomas Fernandez
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04/10/2025 - 12h

A inteligência artificial (IA) ganhou rapidamente espaço em diferentes setores da sociedade, e a educação não ficou de fora dessa tendência. Plataformas capazes de corrigir redações, recomendar atividades personalizadas e até mesmo substituir parte das tarefas do professor estão em alta.

A promessa, vendida por empresas de tecnologia e gestores entusiasmados, é de que a IA pode democratizar o ensino, personalizar a aprendizagem e aliviar a carga de trabalho docente. Não por acaso, de acordo com o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC), sete em cada dez estudantes do Ensino Médio já utilizam ferramentas de IA generativa em trabalhos escolares, mas apenas 32% afirmam ter recebido orientação na escola sobre como usar esses recursos de forma pedagógica. 

Há quem veja nesse movimento um risco de precarização do trabalho dos professores, transformando a inovação em mais uma engrenagem de uma lógica de cortes de custos e desvalorização profissional. Afinal, a inteligência artificial na educação é realmente uma aliada do professor ou pode acabar sendo um instrumento de substituição e perda de direitos? 

Em entrevista à AGEMT, Pedro Maia, cientista de dados e pesquisador em ética e tecnologia, alerta para o risco de que a IA seja utilizada como justificativa para reduzir a presença e a importância dos professores. Para ele, é preciso estar atento à lógica de mercado que move grande parte das inovações tecnológicas aplicadas à educação: “O risco é que as escolas passem a enxergar a inteligência artificial não como apoio, mas como substituição. Se uma plataforma consegue corrigir automaticamente atividades e sugerir trilhas de estudo, a tentação de reduzir o quadro docente e cortar custos é enorme”, explica. 

Segundo Maia, isso poderia levar a uma precarização ainda maior do trabalho docente, em um cenário no qual professores já enfrentam baixos salários, excesso de carga horária e falta de condições adequadas de trabalho. “A promessa de eficiência pode esconder a intenção de enxugar gastos. É a lógica neoliberal aplicada à educação: menos investimento em pessoas, mais aposta em soluções padronizadas”, acrescenta.

Pedro Maia, cientista de dados.
Pedro Maia, cientista de dados. Foto: Arquivo Pessoal.

 

Maia também chama atenção para o risco de aprofundar desigualdades: “Nesse cenário, a IA não democratiza, mas acentua a exclusão. O aluno da periferia continua com menos oportunidades que o de elite, ainda que ambos usem supostamente a mesma tecnologia”. Esse alerta encontra respaldo nos números. Em 2023, 69% dos estudantes já conheciam a IA; em 2024, esse índice subiu para 80%, segundo levantamento nacional feito pela Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES).

No entanto, nem todos têm acesso à mesma qualidade de ferramentas ou de acompanhamento pedagógico. Enquanto escolas privadas de ponta conseguem incorporar plataformas sofisticadas, parte da rede pública depende de versões limitadas, com pouco ou nenhum suporte docente.

Mesmo assim, o cenário não é apenas de resistência. Pesquisas feitas pela SEMESP (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo), mostram que 74,8% dos professores acreditam que a IA pode ser aliada no processo de ensino, e 39,2% já utilizam a tecnologia regularmente em sala de aula. Esses dados revelam uma categoria dividida, mas que enxerga potencial na tecnologia quando aplicada como ferramenta de apoio, não como substituição. 

Além disso, iniciativas públicas começam a surgir. O governo federal, em parceria com a UNESCO e a Huawei, lançou o projeto “Open Schools” na Bahia e no Pará. Ambos locais foram escolhidos pela falta de infraestrutura educacional, conectividade e recursos tecnológicos. A iniciativa foca na formação de professores em competências digitais e uso de IA, além de investimentos em conectividade e infraestrutura. O objetivo é reduzir desigualdades e preparar a rede pública para essa transição.

A coexistência desses dois pontos de vista - o risco de precarização e a promessa de apoio pedagógico - evidencia o dilema atual: A IA pode ser tanto aliada quanto algoz, dependendo da forma como for implementada. Se o objetivo for cortar custos, há risco de enfraquecer a profissão docente. Mas se, por outro lado, houver investimento em formação, infraestrutura e regulação, ela pode abrir espaço para práticas pedagógicas mais ricas e inclusivas.

O que está em jogo, portanto, não é apenas a chegada de uma nova tecnologia, mas o modelo de educação que o país pretende construir. A questão central permanece: a inteligência artificial será um recurso a serviço de professores e alunos ou mais um instrumento de precarização do trabalho em nome da eficiência econômica?

Enquanto não há consenso, cresce a urgência em debater publicamente os rumos dessa transformação. O futuro da escola não depende apenas das máquinas, mas das escolhas políticas, sociais e econômicas que definirão como, para quem e com quais propósitos a tecnologia será utilizada.

IBGE aponta o envelhecimento da população no Brasil e prevê que haverá uma sociedade com mais idosos daqui 40 anos
por
Giulia Palumbo
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18/09/2020 - 12h

O famoso jargão “crianças são o futuro”, pode não ter tanto sentido daqui a algumas décadas. Uma pesquisa realizada pelo IBGE mostra como a população brasileira está envelhecendo rapidamente.

Com esse envelhecimento, muitas mudanças poderão ocorrer, principalmente na empregabilidade. Segundo a psicóloga Aparecida Azevedo, devemos ver a terceira idade como mais uma etapa de desenvolvimento e não como a última etapa de vida.

“É necessário que possamos descontruir o estigma de marginalização da população idosa e mostrar que, ‘ir para os aposentos’ como a aposentadoria sugere, pode não ser a opção mais viável para muitos e que oportunidades de emprego nesta fase podem ser uma conquista social e não uma ameaça às futuras gerações.”

José se formou em Ciências Físicas e Biológicas em 1969, no período do “milagre econômico”, onde a economia brasileira cresceu admiráveis 14%. “Quando eu me formei, tinha dois empregos e estava à procura de outro”

Cinquenta anos separam o Seu José do jovem João, que escolheu a profissão de contador. Ainda não se formou, mas já está em busca do emprego. “Hoje em dia, experiência é tudo e é isso que eles procuram. E, como é o primeiro emprego, essa experiência não existe. Dessa forma, não consigo emprego” ressalta o estudante João Venegas.

Para o jovem, está cada vez mais difícil ingressar no mercado de trabalho. Durante boa parte da nossa história, a maioria da população foi formada por jovens. O Brasil não tem experiência em ser um país de pessoas experientes. O desafio agora é enfrentar os novos problemas sem esquecer as antigas barreiras.

 

Matéria idosos
Idosos trabalhando (foto reprodução|Elements)

 

Essa barreira que se enfrenta ao tentar ingressar no mercado de trabalho, afeta não só os jovens, como também a economia. O jovem que demora, para entrar nesse mundo, quando entra, está com a produtividade baixa, o que acarreta em pequena produção e o não crescimento da economia.

 

Hoje, para cada 100 pessoas em idade para trabalhar, há 44 indivíduos menores de 15 anos ou maiores de 64 – patamar maior que o de outros emergentes, como China (37,7) e Rússia (43,5), mas ainda bem abaixo ao de países desenvolvidos e com elevado percentual de idosos como Japão (64) e França (59,2).

 

Segundo a professora de fisioterapia especializada em gerontologia Tereza Cristina Alvisi, o envelhecimento se dá pela queda na baixa taxa de fecundidade. “

 

Dessa forma, daqui a 40 anos, o cenário da população impacta no números de pessoas na idade reprodutiva, sendo necessário que esses indivíduos recebam incentivos para que tenham filhos – população que sustentará os idosos- ou na criação de projetos para mão de obra imigrante.

 

 

O incêndio no Pantanal já destruiu 85% do Parque Estadual Encontro das Águas, lar de uma das maiores quantidades de onças-pintadas no mundo e atividade de turismo milionária.
por
Rafaela Correa de Freitas
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18/09/2020 - 12h

Em setembro deste ano, as queimadas no pantanal se intensificaram de tal forma que os focos de calor ultrapassaram 5.600 em número, superando o recorde do mesmo mês em 2007, de 5.498 (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O turismo internacional no Brasil já havia sofrido grande impacto por conta da pandemia da covid-19 que fechou as fronteiras, e agora, as queimadas no Pantanal podem prejudicar a conservação de onças via turismo e a proteção garantida no Parque que esteve em contato com o fogo.

Grande parte das regiões brasileiras possuem uma vasta área que poderia tornar o Brasil referência, se não o foco, do ecoturismo mundial. Seja por conta dos Pampas Gaúchos no Sul do país, as praias de Salvador no Nordeste, a Floresta Amazônica no Norte, trechos da Mata Atlântica no Sudeste ou o Pantanal no Centro-Oeste; o fato de ser possível potencializar a economia brasileira e, ao mesmo tempo, acabar com o extrativismo madeireiro e queimadas, deveria tornar o potencial do turismo brasileiro pauta nos grandes jornais do país.

Luciano Palumbo, fundador do Turismoetc, que conta com grande acervo de informações sobre viagens, gastronomia e entretenimento; e embaixador do GreenPress, Rede de Turismo Consciente sem fins lucrativos, composto por uma equipe de 27 jornalistas e formadores de opinião, aponta que o grande motivo da falta de interesse da mídia em dar voz aos nossos biomas fora das tragédias que eles sofrem, é por conta, na verdade, do desinteresse da população: “grande parte dela, não liga para as questões ambientais, não liga para as queimadas na Amazônia”. Apesar de em pesquisas a população se colocar a favor da proteção do ecossistema brasileiro, pouco se fala dele quando nada visualmente alarmante está acontecendo.

Pesquisa feita pela WWF-Brasil aponta que dois em cada três brasileiros não sabem onde se localiza o Bioma do Pantanal, o que é um grande indicador do porquê só se ouve falar e só se fala dos nossos biomas quando eles estão em imediato perigo. Outra questão levantada durante entrevista com o jornalista, é se essa desinformação não parte da falta de interesse do brasileiro em fazer turismo dentro do país.

 

Luciano Palumbo, fundador do Turismoetc em um caiaque sorrindo para a câmera
Luciano Palumbo, fundador do turismoetc andando de Caiaque na Coastal Paddling Trail. (Foto: Instagram @TurismoEtc)

 “Ainda falta o brasileiro conhecer mais do Brasil, temos o sonho de viajar para a Disney, Buenos Aires, de conhecer a Itália, de pisar na Torre Eiffel, mas a gente não conhece o interior do nosso país. Não conhecemos a riqueza que temos no Pantanal, na Serra Gaúcha, na Amazônia, no Cerrado...”

Michelle Alves, de 26 anos, publicitária e dona do blog e maior canal de intercâmbio do Brasil no youtube, “Mi Alves”, compartilha do mesmo pensamento, “A grande maioria dos brasileiros desde cedo aprecia os EUA, o frio da Europa, as Praias do México, mas esquece como o Brasil é diverso e bonito,” e que acredita que um dos motivos disso é a comparação dos preços entre viagens nacionais e internacionais, o que gera a pergunta “Com esse dinheiro eu vou para tal lugar, não vou gastar isso tudo para ficar no Brasil...” e que a escassa divulgação do turismo brasileiro se concentra na chamada de estrangeiros e não com intuito de atrair pessoas do próprio país. Dados retirados do Plano Nacional de Turismo 2018-2022, revelam que menos de um terço da população viajam pelo Brasil e que, ainda assim, essa locomoção representava, em 2016, 3,5% do PIB do setor de viagens e turismo, o que torna simples ver a dimensão que o turismo doméstico poderia tomar caso impulsionado.

 

Michelle Alves na foto com um mapa-múndi em sua parede de fundo da imagem
Michelle Alves do blog, canal e instagram mialvess (Foto: Instagram @mialvess)



“Um ou outro estado que cria campanhas pontuais para atrair a atenção de outros brasileiros, falo isso porque moro em Blumenau e aqui só tem campanha pra conhecer a cidade na época da Oktoberfest, mas a cidade é muito mais que a festa, tem muitas coisas legais pra fazer.”


 

Valorizar o turismo nacional parte de duas frentes: a vontade do viajante “O primeiro caminho, é mudar o foco”, aponta Palumbo; e a valorização e consumo da chamada Mídia Ambiental, que diferente da cobertura de outros veículos - que termina assim que o problema é controlado, - mantém o assunto em foco, visando estudar e oferecer diagnósticos sobre as consequências, causas e repercussão, o que pode gerar uma parceria sobre como o turismo ajuda a preservar o meio ambiente; além da divulgação de nossos biomas, não como alvo de tragédias, mas como agentes potenciais da economia e ecossistema, como aponta Alves “A informação nas mídias sobre esses biomas e como protegê-los, deveria ser diária.”

 

Imagem de capa por Freepik | by Wirestock

Rimadores de vagão sofrem com a restrição de trabalho, motorista de aplicativo e cabeleireira independente se adaptam a realidade da pandemia através do uso de equipamentos sanitários para manterem a rotina profissional
por
Carlos Eduardo da Cruz Pires de Moraes
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26/06/2020 - 12h

  

       A quarentena no estado de São Paulo começou no dia 22 de março, obrigando diversos trabalhadores a ficarem em suas casas trabalhando a partir do “Home office”. Só agora o processo de confinamento começa a ter uma flexibilização em alguns munícipios e cidades. Apesar de alguns trabalhadores executarem suas funções em seus domicílios, outros não tiveram essa oportunidade, principalmente os autônomos, entre eles os rimadores de vagões que não estão nesse tempo de pandemia indo para as linhas, deixando os trens e metros menos alegres e poéticos.

Entre esses poetas está Rafael Gomes Alves (18) morador de Itapevi, que antes da pandemia tinha como profissão espalhar sua arte, com suas rimas de improviso pelos trens e metros de São Paulo. “Não estou mais indo por conta da pandemia. Acho que é melhor do jeito que está, os riscos são altos, tanto para mim para quem vai estar assistindo”.

Segundo Alves ainda existiria o agravante da segurança, pelo fato de que é ilegal a pratica de comércio ambulante, de qualquer que seja o tipo nos vagões de São Paulo. “Acho que a CPTM aumentou a segurança, pra evitar contágio pelos produtos dos ambulantes.”Foto do acervo de Rafael Gomes Alves

Para Thiago de Araújo Pires (24), também morador de Itapevi, igualmente praticante de rimas improvisadas pelos vagões da cidade, não está praticando sua forma de sustento na quarentena e também acredita que as segurança nas linhas tenha aumentado. “Não estou indo mais para os vagões por causa da escolta de segurança dentro dos vagões e por causa da pandemia, estou evitando o mínimo de contato com outras pessoas”.

“Acho que por conta da pandemia as pessoas estão tendo gastos maiores, o que vai fazer elas quererem um ganho maior e se arriscarem mais, o que de alguma forma vai aumentar a repressão”, acrescenta Pires para justificar a questão do aumento da dificuldade que os autônomos tem para trabalharem nos trens e metros de São Paulo, ainda mais no momento atual. O artista de rua também revela, assim como Alves não estar trabalhando com nada no momento. “No momento estou desempregado”.

 Foto do acervo de Thiago de Araújo Pires

A situação não está a mesma para todos os trabalhadores informais, por exemplo para Eduardo Trevisan (41), motorista de aplicativo a rotina está a mesma, até mais puxada segundo ele. “Só para ter uma noção antes da quarentena em quatro horas de trabalho das sete às onze, fazia cerca de dez a doze corridas, hoje em quatro horas eu faço de seis a sete corridas”.

“Na região central diminuiu bastante (trânsito), mas dentro dos bairros e avenidas regionais o trânsito continua o mesmo como se não houvesse quarentena”, complementa ainda Trevisan em relação a quantidade de carros na cidade.

O motorista ainda afirma estar seguindo padrões de higiene, usando equipamentos de proteção individual e para seu veículo pessoal, que ele usa para trabalho. “Eu tenho álcool em gel no carro e uso também um frasco de água com água sanitária, passo nas portas e maçanetas do carro. Faço uso de máscara.” O profissional acredita que os clientes estão atentos com a atual situação de saúde e bastante preocupados em relação a higiene. “Todos os passageiros que eu transportei são bem conscientes com os equipamentos de proteção. Perguntam se eu tenho álcool em gel e estão bastante preocupados com o que vai acontecer com essa pandemia”.

 Foto do acervo de Eduardo Trevisan

      Priscila Barbosa Rodrigues (35), cabeleireira informal, moradora do Jardim Veloso, no município de Osasco, também acredita que o número de atendimentos diminuiu nessa quarentena e revela ter um padrão novo para atendimento, devido a problemática sanitária que assola o Brasil e o mundo. “Nossa diminuiu muito. Atendo somente três clientes no dia, com horários mais distantes um do outro, e no intervalo dos horários, higienizar as cadeiras, bancadas com álcool e cloro no chão.”

Rodrigues entende o perigo de trabalhar no atual momento e da facilidade de contágio em seu ambiente de trabalho, além de acreditar que a dinâmica no salão tenha se diferenciado, devido a tensão. “Tem pessoas que não tem nenhum sintoma e não sabe que está com o vírus e é onde pode acabar passando o vírus. As pessoas também tem conversado muito pouco.”

 

 Foto do acervo de Priscila Barbosa Rodrigues

 

 

 

 

A interrupção da gravidez considerada como crime viola o direito da mulher de escolha sobre seu próprio corpo e resulta em problemas de saúde
por
Giovana Yamaki e Sofia Luppi
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25/06/2020 - 12h

            O aborto é um procedimento muito comum na vida das mulheres, sejam elas brasileiras, brancas, pretas, pardas, ricas ou pobres. As únicas diferenças que existem se encontram entre o método clandestino e consequentemente perigoso, ou sancionado e seguro. A interrupção ilegal provoca riscos à vida mulher, podendo levar até à morte; enquanto a sancionada é segura, já que passa por procedimentos médicos confiáveis. Sua legalização é de extrema importância tanto em âmbitos da saúde quanto em questões do corpo da mulher. Isso pode ser evidenciado nos 63 países em que já o descriminalizaram, como a Argentina, Islândia e Irlanda. 

            Primeiramente, o aborto indica simplesmente a interrupção de uma gestação de forma espontânea ou de maneira voluntária. O primeiro caso é mais comum que ocorra no início da gravidez, com uma chance de 10 a 25%. Mas ele se divide em dois períodos: o precoce, com menos de 13 semanas e o tardio, de 13 a 22 semanas podendo ocorrer por não ter tido um desenvolvimento adequado do feto ou pela mulher ter a idade muito avançada. Já o segundo, pode ser realizado por via de medicamentos. Nesse caso, não é necessário acompanhamento de um profissional, como também pode ser feito por procedimentos médicos como a Aspiração Manual Intra-Uterina (AMIU) e a curetagem, uma raspagem da parede intrauterina.  Os processos voluntários citados são os considerados seguros pela Organização Mundial da Saúde (OMS).  

            Por meio de uma análise a respeito do ranking dos continentes que possuem as legislações mais conservadoras e punitivas em relação ao aborto, a América Latina encontra-se em segundo lugar, abaixo apenas da África. Devido a isso, conforme o regulamento brasileiro, a interrupção considerada voluntária só é permitida quando a gestante enfrenta risco de vida, gravidez provocada por estupro e também quando o feto é anencéfalo, ou seja, não tem cérebro. Em qualquer outro caso, é proibido o abortamento levando à reclusão de até três anos e podendo ser investigada até oito anos depois da realização. 

Diante do regimento, em entrevista ao El País, Debora Diniz, pesquisadora da organização Anis Instituto de Bioética e professora da Universidade de Brasília (UNB) acredita que o Código Penal é inconstitucional. “O código penal de 1940 manda prender mulheres que fizeram o aborto. A Constituição é de 1988 e, portanto, posterior a 1940. Uma leitura do Código Penal pela Constituição diz que eu não posso prender mulheres se é uma necessidade de saúde, se o aborto é parte da dignidade da vida das mulheres ao tomar essa decisão. Então, uma leitura da Constituição sobre o Código Penal diz que ele é inconstitucional”, afirma a professora. Isso é fato, todos os cidadãos têm inúmeros direitos fundamentais, como o direito à vida, saúde e igualdade, mas que deixam de ser garantidos quando o aborto é tratado como crime.

Mesmo nos casos em que a interrupção é legal no Brasil, é difícil de ser realizada. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2011, 67,4% de cidadãs que sofreram estupro não conseguiram fazer o procedimento no serviço de aborto da rede pública. As que mantiveram a necessidade de seguir com a decisão precisaram optar pela insegurança da clandestinidade. Conforme informado ao HuffPost pela Dra. Maria de Fátima Marinho, diretora do Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis, 4262 adolescentes de 10 a 19 anos foram abusadas sexualmente e tiveram o consequente nascimento do feto entre 2011 e 2016. "Há mais de 400 mulheres tendo bebês anencéfalos por ano, mesmo tendo direito ao aborto legal", comenta. Isso ocorre por falta de informação, recusa de atendimento, precariedade no sistema de saúde pública e dificuldade em denunciar o estupro, esse, na maioria das vezes, é cometido por algum familiar. 

Em março de 2017, a Anis e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) convocaram uma ação ao Supremo Tribunal Federal (STF) referente à legalização do aborto até a 12ª semana, como é atualmente na Espanha, Finlândia e Dinamarca. "Declare a não-recepção parcial dos artigos 124 e 126 do Código Penal, para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção da gestação induzida e voluntária realizada nas primeiras doze semanas", era o que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) pedia ao STF. Esse período destacado foi escolhido justamente pelo fato de a Organização Mundial da Saúde (OMS) ressaltar que o risco de complicações é de apenas 0,05%. No entanto, não foi possível que essa medida se concretizasse, mantendo a criminalização de um direito. Uma violência à mulher.

Vizinha ao Brasil, a Argentina, em 2018, havia aprovado a lei que validava o aborto até a 14ª semana de gestação obrigando o Estado a pagar todos os gastos da realização. Porém não foi aprovada pelo Senado. “Todos somos pró-aborto. Uns pró-aborto clandestino; nós, pró-aborto legal”, foi uma das frases encontradas nas ruas enquanto não obtiveram resposta do Legislativo. 

Mulheres unidas em prol da descriminalização no dia de votação do Senado da Argentina
Mulheres unidas em prol da descriminalização no dia de votação do Senado da Argentina - Foto: Monica Yakaniew / Agência Brasil 

Diferentemente desses dois países, há inúmeros outros que já tornaram a prática do aborto legal, como todos os Estados da Europa, exceto Malta e Polônia. Nessa perspectiva, em 1935, a Islândia foi a pioneira do Ocidente a permitir que isso pudesse acontecer. Atualmente, é válido lá que a mulher tem como direito sua liberdade individual, permitindo que a prática possa ser feita até 16 semanas de gestação, como em casos de falta de renda ou em razão das condições mentais da mãe. 

A legalização mais recente foi da Irlanda em 2018. O governo aprovou um referendo legalizando o aborto mesmo com 78% de sua população seguir o catolicismo. No momento, mulheres até a 12ª semana que apresentem algum risco de vida ou em casos de feto anencéfalo até a 23ª semana podem fazer a interrupção da gravidez indesejada. Percebe-se que o viés religioso foi deixado de lado para que não interferisse diretamente na escolha das mulheres, sendo elas religiosas ou não.

O primeiro-ministro irlandês, Taoiseach Leo Varadkar, afirma que a descriminalização foi um grande ato democrático, visto que conseguiram quebrar barreiras ideológicas. Em contrapartida, em muitos países, a questão religiosa se torna um obstáculo na legalização do aborto até mesmo nos que são laicos segundo a Constituição, como é o caso do Brasil. A doutrina acaba por influenciar certas decisões políticas e morais, afetando todos os brasileiros. Voltado para a Igreja, o padre Júlio Renato Lancellotti, da Pastoral de Rua de São Paulo, crê que o aborto se enquadra no mandamento “não matarás”, ou seja, que as mulheres não devem abortar e sim, prezar pela vida do feto. Contudo, em 2015, o Papa Francisco determinou o direito do perdão às mulheres que abortam. 

“Minha primeira visão é a pessoal de que eu nunca faria o aborto, pelo fato de ter um ponto de vista religioso. Isso influencia, porque vejo na Bíblia a defesa pela vida, então não tem como não levar para esse lado. Mas sei que isso não pode interferir no Estado. Afinal, ele é laico. Dessa forma, os deputados, por exemplo, não podem justificar voto falando que é porque Deus quis”, enfatizou, em entrevista, Giovanna Marie que faz parte do Anjo Guardião, um grupo de ideologias católicas. Além disso, diz “acredito que muitas pessoas o fazem de qualquer forma, mas muitas são barradas pela lei, porque tem o filho e depois nem dão atenção necessária a ele, deixam-no largado por aí”. 

Rafaela Carrare, estudante do 3º ano do Ensino Médio em preparação para enfrentar os vestibulares e conseguir uma vaga em psicologia também analisa por essa via. “Muitas pessoas entendem que se o aborto for legalizado, vão deixar de se prevenir e passarão a realizá-lo como um método contraceptivo para a interrupção da gestação. Mas ele é apenas uma alternativa usada em casos que a mulher foi abusada ou para quando anticoncepcionais e preservativos falham, já que não são totalmente eficazes. Todas as mulheres possuem o direito de decidir sobre seu corpo e seu futuro. Com isso, a responsabilidade de escolher fazer o aborto ou não está nas mãos delas a partir dos seus ideais e não de valores exteriores como uma crença ou um juízo de valor de outra pessoa.”, declara a estudante. 

Nesse contexto, seria fundamental a legalização do aborto. Afinal, a interrupção da gestação é uma realidade comum mesmo sendo proibida. Conforme a Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), uma a cada cinco mulheres até 40 anos a realizam no Brasil. Em 2016, a PNA trouxe dados também referentes ao perfil de quem faz o procedimento. Com isso, foi possível observar que 88% declararam ter religião e que são cidadãs de diferentes grupos étnicos, sociais e níveis educacionais, a maioria com filhos. É mais frequente ainda para indígenas e negras residentes do Centro-Oeste, Norte e Nordeste com baixo acesso à escolaridade. Estima-se ainda, que, pelo menos, um aborto já foi feito no Brasil por 7,4 milhões de mulheres de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mulheres em manifestação a favor do aborto
Mulheres em manifestação a favor do aborto - Foto: El País

Segundo estudo feito pelo Guttmacher Institute, organização de pesquisa sobre direitos reprodutivos, há menos número de interrupções em locais onde a lei é mais flexível. Na França, em que é legalizado, o número caiu em 18% do total de grávidas. Fazendo um comparativo de uma década onde o aborto é ratificado, a taxa de interrupção caiu de 46 para 27 a cada mil mulheres. Uma publicação feita pela Folha de São Paulo também confirma que a descriminalização diminuiria drasticamente o número de interrupções além de tornar quase zero as mortes e sequelas em decorrência do aborto clandestino. Afinal, impor uma lei não vai fazer com que deixem de realizar tal prática e isso só vai colocá-las em risco.

A interrupção da gravidez deve ser tratada como uma questão de saúde pública. A mulher precisa de cuidados e auxílios, principalmente quando se refere a um fator que possui enorme impacto em sua vida. A criminalização traz inúmeros prejuízos. Começando pelo número de óbitos por abortamento. Como informado pelo próprio Ministério da Saúde, o aborto se encontra em 5º lugar de morte materna no Estado brasileiro. O Instituto Guttmacher também levantou dados indicando que 22 mil mulheres são mortas anualmente no mundo todo devido a métodos decorrentes da ilegalidade. 

Rafaela Carrare, em entrevista, alega ser perigoso realizar a interrupção clandestina e justifica que esse é um dos motivos por que considera necessária a legitimação. “Deve ser legalizado por ser uma obrigação do Estado garantir uma segurança maior às mulheres, assegurando a vida e a dignidade de todas. As que são pobres não têm dinheiro para ir a uma clínica, recorrem a procedimentos mais vulneráveis que são degradantes ao corpo e muitas acabam morrendo. Assim, tornaria possível o direito à saúde”, comenta. Pelo fato do aborto ser ilegal, mulheres precisam utilizar o sistema proibido e arriscado. Por conseguinte, 70 mil delas morrem por ocorrer complicações conforme dados das Nações Unidas.

Mulheres clamam pela legalização do aborto e fim do machismo
Mulheres clamam pela legalização do aborto e fim do machismo -  Foto: Nurphoto via Getty Images

Sob esse viés, pode-se observar que mulheres com baixa condição de renda, sem conhecimentos educacionais, pretas, pardas e indígenas são as que encaram as técnicas precárias. Dessa forma, submetem-se a elevados riscos de lesões, mutilações e óbito. Por outro lado, têm-se as mulheres ricas, de alta escolaridade e que vão procurar métodos mais seguros para que seja feito o aborto. Essa análise deixa visível o racismo institucional.  Inclusive, a Dra. Maria de Fátima Marinho comprova isso com os dados de que 559 mortes são de mulheres brancas e 1.079 de mulheres negras.

Além disso, a interrupção da gestação está totalmente relacionada com o viés feminista. “A criminalização do aborto é uma posição patriarcal que o governo toma, pois impõe uma maternidade à mulher retirando seu direito de escolha. Isso deve ser considerado feminicídio de Estado ao negar o direito das mulheres sobre si mesma”, ressalta Rafaela. O próprio Ministro do STF Luís Roberto Barroso declarou também a respeito dos direitos fundamentais. “A condenação é incompatível com os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher.”, afirmou.

O verde e o roxo se manterão presentes aqui na América Latina e no restante do mundo entre as mulheres, clamando pelo direito de decisão e de saúde para um aborto seguro, gratuito e legal. Importante lembrar também que a prática da interrupção envolve não somente a vida do feto, mas, principalmente, da mulher, já que ela pode sofrer graves consequências em manter uma gravidez indesejada.  

Impacto de aulas virtuais causaram no primeiro ano universitário é considerado anti-democrático
por
Maria Clara Lacerda Nunes
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23/06/2020 - 12h

Em meio a pandemia do coronavírus, alunos e alunas que estudaram o ano de 2019 inteiro para ingressar na faculdade tão desejada, contam suas expectativas quebradas com a quarentena e as aulas a distância. A aluna Mirta Fania, 18, que preferiu não ter o curso identificado, ficou o ano passado inteiro no cursinho para entrar na Universidade de São Paulo (USP). Ela diz que estava ansiosa para aproveitar o campus, ocupar e explorar o universo da faculdade, e ressalta ainda que o ensino a distância é antidemocrático. 

Local de estudos de Fania (acervo pessoal)
Local de estudos de Fania (acervo pessoal)

Fania relata: “Minhas expectativas diminuem muito e o que torna todo esse processo de aprender e colocar em prática, que seria presencialmente, fica muito mais difícil, a jornada fica mais complicada.” E não ficando só no âmbito pessoal, a caloura diz “O sistema de educação a distância é antidemocrático pela forma como ele é estabelecido e realizado já que é necessária uma internet de qualidade e um computador. Além disso, ele torna tudo homogêneo, o professor não vê o aluno e não vê as diferenças que compõem a sala em que a aula é dada.” 

Gabriella Maya, 19, também sofre com os impactos da quarentena. Conta que o ingresso na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), no curso de Jornalismo, era seu maior sonho acadêmico “Eu estava super animada que tinha passado na PUC, sempre quis estar lá. Nunca tinha conhecido fisicamente e essa era minha maior expectativa: conhecer tudo, aproveitar os ambientes, os materiais que eles possuem e ver como são as coisas na prática.”

Além disso, a caloura diz que sente muita falta do contato físico com todo mundo. Ressalta que a internet é facilitadora, mas não substitui a presença de ninguém, especialmente dos novos amigos e amigas que ela faria. Por fim, diz que a educação a distância está cumprindo seu papel, mas que nada substitui as aulas presenciais, e ela não vê a hora de voltar.

Local de estudos de Hayashi (acervo pessoal)
Local de estudos de Hayashi (acervo pessoal)

O aluno Murilo Hayashi, 19, que ingressou na Universidade Estadual de São Paulo (UNESP) no curso de Engenharia Mecânica relata “Eu esperava começar uma vida nova na faculdade, entrar numa fase diferente, conhecer pessoas diferentes, ter um ano de impacto mesmo. Minhas expectativas eram altas.” 

Hayashi, que até mudou de cidade para iniciar o ano acadêmico, diz que era para ser seu melhor ano universitário, mas tudo mudou. Também diz que as aulas a distância estão sendo diferentes do que ele esperava “No começo fiquei na dúvida de como seria, ainda mais por ser faculdade pública. Foi difícil me organizar, nunca tive aula a distância.” E assim como a aluna Fania, ele enfatiza que a educação a distância é injusta, já que muitos não tem acesso nenhum a internet.

Pedro Galavote, 18, também calouro da PUC-SP em Jornalismo, conta um pouco de sua decepção “O problema é que veio a pandemia e fomos forçados as aulas virtuais né? Essas aulas exigem muito mais do aluno do que presencialmente, já que o ambiente de estudo pode não ajudar em diversos momentos.” O estudante passou o ano de 2019 focado em passar na universidade.

Local de estudos de Galavote (acervo pessoal)
Local de estudos de Galavote (acervo pessoal) 

        Galavote conta “Acho que o que eu mais sinto falta do presencial é o ambiente da faculdade, o prédio, o contato com centenas de pessoas todo dia, mas isso deve ser algo que todo mundo tá sentindo devido as condições né?” Muitos amigos da família e próprios familiares estudaram na PUC e só tinham elogios para a universidade, o que só aumentou a ansiedade de estar lá.