Telegrama provoca velório de criança que não morreu

Há 52 anos, a família Pêgo recebia a carta que supostamente informava a morte da caçula, Ivone e família se preparou para a despedida
por
Ana Luiza Pêgo
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26/11/2020 - 12h

 

 

“Todo mundo já estava triste e se preparando para fazer o  velório lá em casa.” Conta Teodolina Pêgo (82), ao relembrar a história da quase morte de sua filha. Na interiorana cidade de Palmeiras, em Minas Gerais, a família Pêgo, por um momento, acreditou que a caçula, Ivone, não sobreviveu ao tratamento de uma doença e se encaminhava para os preparativos do velório da criança.  Tudo isso por uma falha na comunicação e um telegrama que nem foi aberto.

Em 1968, o marido de Teodolina, Servando Pêgo (84), precisou levar a filha mais nova para uma cidade com maior infraestrutura, já que ela estava muito doente e não havia hospitais onde moravam. Assim, o pai, a filha e a avó da criança foram para o centro com o único vizinho que tinha carro. Em Teófilo Otoni, os três foram deixados no hospital e logo depois Ivone foi  medicada e internada. Depois disso, Pêgo foi na casa do irmão que morava próximo ao hospital e pediu que ele enviasse um telegrama para Teodolina, avisando que a filha estava muito ruim e que não sabia se ela sobreviveria. 

De acordo com Servando, três horas depois a menina se mostrou ainda pior. “Chegamos lá perto das oito horas da noite, passadas umas três horas eu acordei com ela em pé na cama do hospital, vomitando e com sangue perto dela.” 

Então, o pai da garota foi buscar um médico que alertou a família. “Senhor, a injeção que ela tomou é de adulto, ela nem poderia tomar, se eu aplicar mais uma ela não vai aguentar.” Pêgo insistiu e o doutor afirmou que ela poderia não resistir mesmo sem a injeção. “Aí eu disse pra ele que se ele tava garantindo que ela ia morrer, era melhor tentar a injeção.” 

Em seguida, Servando lembrou de ter visto uma igreja quando chegou ao hospital e foi para lá. “Logo na entrada tinha uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, dava pra ver de longe. Aí eu ajoelhei ali na frente e fui pedindo pela minha filha. Rezei bastante mesmo.” Quando decidiu voltar para a enfermaria, já era tarde na madrugada, Pêgo conta que o médico o chamou. “Ele bateu nas minhas costas e ainda disse: o senhor é um homem de sorte e de mais sorte é a sua filha, porque agora ela está bem.” Ao contar a história, o senhor assegura que “Foi Nossa Senhora quem curou minha filha, tenho certeza absoluta que esse milagre foi dela.” 

 

Imagem de Nossa Senhora na fachada da casa. Foto: Ana Luiza Pêgo


 

Dois dias após a noite conturbada, Servando pediu mais uma vez para que o irmão mandasse um telegrama para Palmeiras, porém avisando que Ivone estava bem e voltaria para casa em breve. 

No dia seguinte, quem recebeu a carta foi Horácio, cunhado de Teodolina. Ele nem mesmo abriu a correspondência, pensou que era a notícia da morte de sua sobrinha e saiu desesperado pelo quintal. Chorando contou para a esposa. A irmã de Teodolina avisou o restante da família que morava ali perto. “Mais tarde um pouco, alguém foi ler o telegrama e na verdade, ela estava melhor. Mas, até alguém ler mesmo, minha mãe já tinha preparado tudo lá em casa. A mesa na sala, com os vasos em volta, o pano estendido na mesa.” A mãe de Ivone conta que ficou muito triste, mas que a tristeza durou pouco. “Graças a Deus alguém pegou e leu a carta, se não ia ficar todo mundo esperando a criança falecida lá na roça, sendo que nem morta ela estava.”  

Servando (à esquerda) e Teodolina (à direita) durante a entrevista. Foto: Ana Luiza Pêgo 

 

O caso da família Pêgo não é uma exceção no brasil. Basta uma simples pesquisa e já é possível encontrar notícias de pessoas que são dadas como mortas, seja por enganos médicos, falhas na comunicação ou até mesmo por fake news. Foi o caso de Maria Olinda dos Anjos, em Manaus. A senhora de 71 anos sofreu uma parada cardíaca e foi declarada como morta pelos médicos. A família foi avisada e se preparava para o suposto velório, quando a funerária ligou informando que a mulher estava respirando. 

Outro caso semelhante foi o de Divaci Cordeiro dos Santos, de 60 anos. A alagoana teve um acidente vascular cerebral e sem evidências de reação, os médicos desligaram os aparelhos da senhora. Mais uma vez, a família foi avisada, porém quando o corpo da mulher chegou ao necrotério, os funcionários perceberam que a mulher estava viva. 

Os dois casos relatados contam com erros médicos que podem custar a vida de um paciente, porém é ainda pior quando são a internet e a desinformação as responsáveis por isso. Na redes sociais, durante a pandemia de coronavírus, uma senhora, que não teve a identidade divulgada, de Belém, no Pará, viralizou em um vídeo envolta de um saco plástico, sem aparelhos de respiração e com dificuldades para respirar. Na plataforma Facebook, o autor da desinformação afirmava que a senhora seria levada ao necrotério ainda viva.  

A notícia se espalhou pelo mundo com o propósito de validar o negacionismo perante a doença. As postagens diziam que, no Brasil, estavam enterrando pessoas vivas para inflar o número de vítimas fatais da Covid-19. O caso foi levado a polícia e desmascarado pela família e também, pela equipe do hospital Abelardo Santos, onde tudo aconteceu.      

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