Maconha medicinal para o tratamento de Esclerose Múltipla

por
Giovanna Pereira e Jennifer Dias
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20/11/2019 - 12h

 

No mês de junho foi aprovado pela Anvisa (A Agência Nacional de Vigilância Sanitária) duas propostas preliminares que podem liberar o cultivo da planta de Cannabis sativa no Brasil para fins medicinais e científicos, além da produção de medicamentos nacionais com base em derivados da substância.

Na nota de esclarecimento dada no 1° semestre de 2019 presumem que apenas empresas possam cultivar a planta em ambientes controlados sob supervisão da Anvisa e de autoridades policiais, e que a venda seja feita diretamente para a indústria farmacêutica ou entidades de pesquisa.

De acordo com as normas, serão aplicáveis apenas a medicamentos para  pacientes com doenças debilitantes graves e/ou que ameacem a vida e sem alternativa terapêutica. Pesquisas consistentes comprovam os benefícios dos ativos da maconha, como o canabidiol, para o tratamento de diversas doenças, entres elas a esclerose múltipla.

A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença neurológica, crônica e autoimune- ou seja, as células de defesa do organismo atacam o próprio sistema nervoso central, provocando lesões cerebrais e medulares. Os pacientes são geralmente jovens, em especial mulheres de 20 a 40 anos. A doença não tem cura e pode se manifestar por diversos sintomas, como por exemplo: fadiga intensa, depressão, fraqueza muscular, alteração do equilíbrio da coordenação motora, dores articulares e disfunção intestinal e da bexiga.

A ABEM (Associação Brasileira de Esclerose Múltipla)  estima que atualmente 35 mil brasileiros tenham Esclerose Múltipla. Diante dessas informações, conversamos com a Pesquisadora Científica Alice Esteves Dias para saber mais.

 

A quanto tempo você trabalha na ABEM?

 

Cerca de 15 anos

 

Qual a sua opinião do cannabis medicinal no tratamento da esclerose múltipla?

 

O uso do canabidiol (CBD) como tratamento complementar e adjuvante da Esclerose Múltipla (EM) pode ser opção vantajosa, desde que prescrito criteriosamente por médicos especialistas. As expectativas são as melhores para o uso do CBD na EM, pois algumas evidências científicas apontam para resultados satisfatórios. Contudo, estudos mais abrangentes são requeridos, inclusive para analisar os efeitos a longo prazo nos diferentes tipos de EM.

 

Quais as vantagens ou desvantagens desse medicamento para o tratamento?

 

A vantagem do uso do CBD é a aparente eficácia em espasticidade e dor, sintomas bastante incapacitantes em pessoas com EM. Além disso, há a disponibilidade de produtos industrializados na forma de gotas, cápsulas e spray nasal em concentrações variadas.

Em contrapartida, a desvantagem atual é que existem ofertas paralelas e sem qualquer critério de fabricação atuando livremente na comercialização do cannabis, o que torna o uso incerto e perigoso, pois estimula a automedicação. Vale ressaltar, que essa condição pode desencadear reações adversas inesperadas e prejudiciais.

 

Porque você acha que só foi aprovado agora a liberação do cultivo de maconha medicinal para indústria e ciência?

 

Os avanços científicos abarcam diversas abordagens na direção do melhor manejo das doenças, inclusive para a EM. Nesse sentido, toda e qualquer liberação medicamentosa obedece etapas, o que necessita de tempo hábil para aprovação segura.

 

Se você tiver uma pesquisa relacionado ao assunto e quiser falar um pouco sobre, sinta-se a vontade.

 

Até o momento, não há nenhuma pesquisa relacionada ao uso do CBD em EM na ABEM.

A pesquisadora da ABEM nos indicou a paciente Marli Falchi, que é uma portadora da doença e usuária do Canabidiol. Conversamos e ela nos relatou sua história e trajetória com o medicamento.

Marli Falchi começou a ter os sintomas em 2006, mas foi em 2007 que saiu o diagnóstico: Esclerose Múltipla. Desde então, começou a luta para uma vida melhor e  mais saudável devido às condições de sua doença. Em 2015 ela procurou sobre o óleo do cannabis, se associou à Abrace Esperança e tomou o remédio por 2 anos.

Mas antes disso, uma conhecida lhe trouxe o óleo da Espanha escondido.

Tomava três gotas por dia, “era ótimo, comecei a me sentir muito bem.” Após esses dois anos com o medicamento ela achou que não estava mais fazendo o efeito esperado, acabou descobrindo outro lugar que fazia Canabidiol com um óleo mais forte.

Em 2018 começou a fazer o consumo diário, porém, já estava fazendo o uso de muitos remédios antidepressivos, e optou por parar com o medicamento a base de Cannabis.

No mesmo ano, resolveu retornar com o uso, “Aí eu tinha parado, retornei ao óleo com um mais forte, óleo de florianópolis”. Marli fez tudo por sua conta. Tomava as gotas conforme a associação explicava. E Por que? Segundo ela, o médico que passou a receita do óleo do cannabis falou que tinha que comprar o remédio importado, “Primeiro que é caríssimo e outra que eu não conseguia achar quem vendia”. Foi a partir daí que começou a tomar o óleo da Abrace e de florianópolis. Durante a conversa ela deixou claro que não falaria como consegue e quem fornece.

 

“Eu tive uma prova esses dias, fiquei uma semana sem tomar o óleo porque acabou e eu fiquei horrível! Essa semana que fiquei sem, eu fumava apenas a planta. Nossa!! Eu só queria ficar na cama e dormir.”

 

Quando começou com o óleo, seu médico falou pra ir diminuindo com o medicamento baclofeno, relaxante muscular de ação central usado para tratar espasmos, soluços persistentes e neuralgias, sua rotina era de 5 comprimidos por dia.

 

“Passei a tomar 2, 3 … 2, 1. Agora estou com 1 de manhã e 1 de noite, para prevenir crises. Mas o que está me segurando é o óleo da cannabis, eu tenho certeza. Quando eu fumo é momentâneo, já o óleo, funciona pro dia inteiro.”

 

Atualmente, uma médica que ela frequenta, indicou que aumentasse a dosagem de óleo do cannabis, mas não gostou muito,  “Fiquei pior! É um efeito rebelde, nem menos e  nem mais. Tem que ser na medida.”

Marli diz que com o uso do óleo  tem mais clareza, que pensa melhor.

“Eu fiquei mais esperta, não durmo à tarde. Tenho ideias novas… eu nunca gostei de ler, mas agora que eu escrevo, pretendo escrever um livro e falar toda minha experiência. Eu uso cannabis tem 4 anos e se eu puder usar mais, eu vou usar. Indico pra todo mundo que tem o mesmo problema que eu. Me faz tão bem que quero passar para frente.”

 

 

 

 

BOX

A luta de milhares de ativistas e pacientes brasileiros que militam no campo da cannabis medicinal teve mais uma importante vitória neste início de 2019. Isso porque a Justiça Federal determinou que o Governo comece a disponibilizar medicamentos à base de cannabis no SUS, o Sistema Único de Saúde.

Por conta das ações de pacientes que entraram na Justiça para ter garantido o direito ao tratamento com cannabis medicinal baseando-se nos artigos 196 e 200 da Constituição. Os trechos tratam do acesso à saúde pública como garantia de todo cidadão, além de abordar as próprias funções do SUS. Na decisão o juiz também concluiu que o não fornecimento do medicamento, inacessível para muitas pessoas por conta dos altos custos de importação, fere os direitos constitucionais.

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