Jornalistas esportivas sofrem ataques após se pronunciarem sobre a contratação do Robinho

"Eu tenho uma super vontade de ser jornalista esportiva, eu vejo que eu tenho talento para isso, e é essa a realidade que a gente vive e eu, sozinha, não vou mudar isso." - disse Laura, estudante da PUC-SP
por
Gabriel Soria de Almeida e Pedro Alcantara da Silva Neto
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10/11/2020 - 12h

Há muito tempo se sabe que o machismo está claramente presente na esfera pública de cada sociedade e, infelizmente, este acabou tomando conta dos esportes também, com a defesa de ideias que jogar, treinar, auxiliar, gerir e até mesmo cobrir esses esportes era “coisa de homem”. Conforme os anos foram passando, as mulheres foram conquistando cada vez mais seu espaço e hoje começam a ganhar cada vez mais força, ainda muito longe da que os homens têm, é verdade, mas é um progresso que já pode ser observado mesmo com um longo caminho ainda a ser percorrido.

O que se tem visto, principalmente no futebol, é que o fanatismo aliena, cega, e impede o torcedor de saber separar as coisas.

No dia 10 de outubro de 2020, o Santos Futebol Clube oficializou o retorno do jogador já conhecido como Robinho. O atleta que é ídolo da nação santista, após passagens gloriosas, vive o momento mais tenso de sua carreira. Em 2017 Robinho foi condenado a nove anos de prisão por violência sexual. Isso porque em 2013, ele e mais cinco amigos se envolveram em um caso de estupro em Milão (Itália), envolvendo uma jovem Albanesa. O jogador tenta de todas as formas recorrer, e vem sendo julgado em segunda instância. Sua volta para o peixe foi completamente reprovada por: emissoras, patrocinadores, jornalistas e alguns torcedores. Já que não é a primeira vez que isso ocorre. Quando jogava pelo Manchester City (Inglaterra), em 2009, o atleta foi acusado de violência sexual. Com medo de ser preso, ele voltou ao Brasil sem nem ao menos avisar o clube. Três meses depois ele voltou a Europa, pagou uma fiança e viu o caso ser arquivado.

Rafaela Reis Serra, estudante de jornalismo da PUC-SP e torcedora fanática do Santos relatou seu sentimento sobre o assunto. Eu me senti muito desrespeitada como torcedora e também como mulher. Eu achei hipócrita da parte do Santos, que sempre defendeu a democracia na época da ditadura, foi um dos times que mais defendeu ações humanitárias, de direitos humanos e contratam o Robinho sabendo que foi condenado por estupro no dia nacional da luta contra a mulher aqui no Brasil. Eu achei ultrajante”

Infelizmente, muitas jornalistas foram alvo de ataques machistas e maldosos em suas redes sociais, após se posicionarem sobre o caso. Números vazados, ofensas e depreciações foram cenas comuns na última semana.

Um exemplo que deixa isso claro é que jornalistas, homens e mulheres se posicionaram sobre o caso, porém as mulheres foram muito mais atacadas. Em uma postagem feita via Twitter Ana Thaís Matos, (comentarista dos canais Sportv), disse o seguinte: “É como grande parte do futebol enxerga a mulher, ou melhor, não enxerga. O Santos repatriou um condenado por estupro. (…)”. E comentários como “Importante é bola na rede”, “Faz um favor a nação santista e não comenta mais os jogos do SFC Obrigado” ou “Mesmo que ele esteja condenado, o camarada não tem o direito de se arrepender?”. Nos mostram cada vez mais, o tanto que a sociedade ainda precisa avançar.

Em conversa com Laura Monteiro, aluna de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), buscamos entender como situações iguais a esta são vistas por mulheres que têm ainda o sonho de trabalhar dentro do esporte e, além disso, sobre a importância do movimento feminista na valorização do papel das mulheres: Eu querendo ser jornalista esportiva, dá uma desanimada. Num primeiro momento você pensa assim: 'Eu tenho uma super vontade de ser jornalista esportiva, eu vejo que eu tenho talento para isso, e é essa a realidade que a gente vive e eu, sozinha, não vou mudar isso'. Acho que o movimento feminista foi bastante determinante, e ele continua sendo bastante determinante para o que se tornou o papel das mulheres. A cada dia, em passinhos de formiga a gente está conseguindo conquistar os nossos direitos. E eu acho que como jornalista vai ser assim; é triste, mas eu vou ter que estudar muito mais para ser jornalista esportiva de alto nível do que um homem vai precisar estudar, porque ele sempre vai estar um passo na minha frente. Eu vou precisar me empenhar muito mais, me dedicar muito mais para isso e, mesmo assim, eu ainda vou estar atrás. Já têm mulheres no meio esportivo, mas a gente continua tendo vários casos de machismo, de assédio, sexismo, então isso mais me encoraja do que me desanima, porque a gente precisa ocupar esses espaços, eles são nossos também.”

A reportagem, em conversa com Patrícia Serudo, psicóloga de Manaus que estuda as jornalistas apontou: "As mulheres que atuam no jornalismo esportivo, elas vêm expondo seu desconforto publicamente e expor essa realidade é considerado pela classe como libertador; em um estudo que fiz recentemente com as jornalistas esportivas que atuam no futebol do meu estado , elas me falaram frases como 'descobri que não estava sozinha' ou 'nos deu voz', ou seja, esse movimento de abrir a discussão e transformar isso em pauta, já é um grande passo."

Além disso, Patrícia relatou o sentimento que acometem às jornalistas que sofrem esses ataques e deixou uma mensagem às futuras jornalistas esportivas. "É um sentimento de desrespeito. Outra palavra muito utilizada por elas para descrever o sentimento é 'vergonha'. Ou seja, há uma intimidação e se calar e vivenciar essa rotina no dia a dia pode trazer outras consequências psiquicas. Afinal, são muitos os pontos que precisamos discutir e mudar; tem as frases pejorativas que são ouvidas, as cantadas recebidas enquanto estão trabalhando, tem os olhares intimidadores para o corpo da jornalista enquanto estão trabalhando e trata-se de algo cultural, que por muito tempo foi silenciado ou pouco exposto e falado. Em relação às futuras jornalistas esportivas, eu uso uma frase da Marta quando uma vez a perguntaram como era ser mulher atuando num esporte como futebol, que é carregado de machismo ela respondeu que: não é diferente de ser mulher na nossa sociedade, ou seja, nós já convivemos com isso né?! E o ponto positivo para quem está chegando ou vai chegar na área é que hoje já existem movimentos que visam mudar essa realidade. É óbvio que há muita luta ainda, há muito o que fazer e quem vem, vem para somar. O jornalismo esportivo precisa dessas mulheres."

Em meio a todo esse cenário machista, no mundo futebolístico, vamos caminhando lentamente para uma melhora significativa. Torcemos cada vez mais para termos mais Anas, Lauras e Rafaelas, mulheres que não tem medo de lutar pelo direito delas, e que entendem que com isso, podem inspirar outras mulheres com o mesmo sonho que um dia elas tiveram. O futebol é para todos os gêneros, temos que cair na realidade e acabar com essa barreira. Já que hoje ele é apenas uma paixão doentia municiada e estruturada de ignorância.

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