Iniciativas visam criar oportunidades de trabalho para negros

Pensando no protagonismo da comunidade negra, organizações como o Oportunidade Preta e a Agência de Comunicação Umbono confrontam a hegemonia racial no cenário trabalhista
por
Ana Luiza Pêgo e Felipe Albanez
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15/10/2020 - 12h

Pretos e pardos são os mais afetados pelo desemprego no Brasil. De acordo com dados divulgados pelo IBGE em 2019, dentre os mais de 12 milhões de desempregados, 64,3% são autodeclarados pretos ou pardos. Entretanto, cresce o número de projetos que buscam reverter essa estatística assimétrica oferecendo oportunidades para o povo negro. Em todos os setores as queixas são as mesmas: faltam negros em posições de liderança. “O Brasil só vai superar esse cenário de racismo estrutural quando não forem os brancos que estiverem decidindo como pretos e indígenas vão viver no país”, pontuou a idealizadora do projeto Oportunidade Preta, Jacqueline Oliveira (31). 

Mesmo morando no Quênia, com a ajuda de uma amiga, ela decidiu criar sua própria iniciativa. Entretanto, ela não contava com tamanho sucesso de sua publicação oferecendo ajuda à comunidade preta. Oliveira sugeriu à colega que unissem seus projetos. “Nesse processo de se unir e criar um projeto só, nós notamos que 95% das pessoas que vieram até a gente eram pretas. Então, por que não fazer o óbvio: tornar isso um projeto para pretos?” 

Aqueles que se dispõem a participar são orientados por mentores e nessas sessões recebem recomendações para melhorar o currículo, melhor se apresentar e principalmente, entender quais as melhores oportunidades no mercado atual. Além desse processo, a brasileira conta que trabalha em parceria com algumas empresas. “A gente divulga as vagas dentro da nossa rede e faz essa ponte. A gente também cede um espaço nosso para que as empresas façam palestras de apresentação e mostre como a empresa está preparada para receber funcionários negros, fale sobre valores e o que é necessário para se aplicar para essa vaga.”

 

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Logotipo do projeto Oportunidade Preta. Foto: Divulgação

 

Alguns meses depois, com cerca de 400 pessoas envolvidas no Oportunidade Preta, ela confessa que a ideia inicial era conectar pessoas que queriam ajudar com aquelas que precisavam ser ajudadas.

Como ação afirmativa, o Oportunidade funciona muito bem. “de início o papel social era conseguir o emprego, a longo prazo, é formar uma frente de liderança de pessoas pretas no Brasil.” Oliveira ainda conta, em entrevista por WhatsApp, que ainda não quantificam o alcance do projeto. “A gente já conseguiu bolsa de estudo em pós-graduação, bolsas em cursos, dezenas de pessoas que conseguiram empregos, então a gente tem bastante resultado.”

Já o publicitário e sócio da agência Umbono Comunicação, Bruno Rico (34) passou por outra instituição antes de decidir iniciar seu projeto. “Na época o Instituto ainda estava na estruturação, não existia um setor de comunicação definido e precisava de alguém com uma linguagem de movimento negro, com um letramento racial legal e que se comunicava bem com essas questões que envolvem a negritude.”

Rico atuou como gestor de comunicação do Instituto Identidades do Brasil. “Para quem não sabe, o Instituto trabalha com essa questão: diversidade racial no mercado de trabalho. Com grande ênfase em cargos de liderança.” Ele conta que a experiência no Instituto foi muito importante, já que pôde unir sua perspectiva de militante com a de profissional publicitário.

 

Grupo de pessoas em pé posando para foto

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Bruno Rico no Instituto Identidades do Brasil. Foto: Acervo Pessoal

 

Entretanto, depois de três anos no cargo de gestão, decidiu iniciar a própria agência de marketing digital. O sócio da Umbono revela que sempre se incomodou com a elitização do setor publicitário e que conheceu grandes agências do ramo que sequer tinham colaboradores negros. “Queria poder dar a minha cara a uma comunicação que eu julgo diversa, plural e efetiva.” Baseado nisso, montou seu time de comunicadores. “Toda minha agência é negra. Eu e meu sócio e atualmente, meus dois funcionários. Nossa base é negra, mas a gente atende todo tipo de cliente.”

Para o publicitário, o problema está na falta de representatividade. “Não estamos nos cargos de poder, estruturas de poder, mas estamos aí. Não somos minoria, somos minorizados. Percentualmente nós somos maioria, mas somos minorizados porque não temos poder.” 

Seguindo o fio dos projetos, a fotógrafa e integrante da produtora Future Is Of Color, Alessandra Lima (28) criou sua iniciativa. “No final de 2015 criei o projeto AFROWAVE, buscando levar uma onda de referências provenientes da diáspora africana para os lugares com maior visibilidade.”

Alessandra Lima,  criadora do AFROWAVE. Foto: Acervo Pessoal

Lima revela que começou a fotografar a comunidade preta por não se enxergar na mídia. Além disso, ela acredita que o papel de seu trabalho é mostrar que a comunidade tem muito mais a oferecer além de debates sobre racismo. “Mostrar que tem muita coisa que as pessoas ainda não conhecem e que existe um mundo além do contexto europeu que criou um ‘padrão’ para tudo na vida. Seja em comportamento, moda, política e etc.”

A produtora da qual faz parte atua com os mesmos princípios. “A Future [Is Of Color] é uma produtora que realiza pesquisa e curadoria de artistas de diáspora africana, divulgando seus trabalhos, projetos e conectando essas pessoas à grandes marcas.” Como colaboradora, a fotógrafa diz que o objetivo do projeto é compartilhar com o mundo a essência da comunidade negra. “É influenciar e inspirar gerações futuras, mostrar nossa raízes, ancestralidade, de onde viemos e para onde vamos!”

 

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