Inconsequência: o maior dos vírus

Jovens passam a ser maioria nas UTIs dos hospitais brasileiros.
por
Iris Martins Oliveira de Freitas e João Victor Guimarães de Siqueira
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08/04/2021 - 12h

      Ao final de 2019 o mundo presenciou algo jamais visto por muitos, o início de uma pandemia. O novo coronavírus é uma doença infecciosa que pode ser transmitida por meio de gotículas de saliva, do aperto de mãos contaminadas, espirro, tosse e tem como sintomas: perdas de olfato e paladar, falta de ar, tosse, dor de garganta, coriza, febre, cansaço, entre outros. Mas, o que realmente preocupa são os assintomáticos que espalham esta enfermidade sem sequer saberem que estão doentes, colocando as pessoas do grupo de risco, como idosos e pessoas com pressão alta, em piores condições. Os jovens, menor grupo de afetados pela doença, acreditam que podem ignorar o isolamento social, que funciona como método preventivo e que é adotado por muitos países até hoje.

      Em entrevista, Ana Silva, 18 anos, estudante de direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, conta à Agência de Jornalismo Online Maurício Tragtenberg sobre sua vida na pandemia, que inclui encontros familiares e com amigos. A jovem diz que desde o começo era contra o isolamento e que nunca parou de frequentar lugares como farmácias, cartório, supermercado, academia, praia, restaurantes (quando abertos) e que se a faculdade estivesse aberta, também iria. Em seu relato, ainda narra que em sua família houve encontro familiar para a comemoração do Natal, que contou com a presença de 15 ou 20 pessoas e que os integrantes não utilizavam máscaras, medida utilizada para prevenção do covid-19, especialmente com a presença de idosos.

      A necessidade de ver pessoas é um ponto que Ana ressalta em sua fala, ela se reúne com seus amigos frequentemente, em torno de 5 a 15 pessoas aos fins de semana, na maioria das vezes. A jovem diz que os encontros com pessoas de sua faixa etária estimulam as habilidades de convivência, indica que é reconfortante tê-los ao seu lado fisicamente e não somente através de uma tela de celular. Psicólogo formado há 16 anos pela Uniban, Sidney de Rosa Júnior, em entrevista à agência, explica essa necessidade de convivência: “Tem a questão dos interesses similares, assim como a identificação com um grupo. Um jovem de 18 ou 19 anos tem a maturidade e os interesses completamente diferentes de um adulto de 30 anos, a conversa é outra, a diversão é outra.”

Jovens em festa clandestina pegos pela polícia em São Paulo no dia 21 de março de 2021
Festa clandestina em São Paulo no dia 21 de março de 2021 foi encerrada pela polícia - Foto: DEIVIDI CORREA/ESTADÃO CONTEÚDO

      Mesmo tendo contato com várias pessoas sem tomar as devidas medidas de prevenção contra a doença, a menina não a contraiu. Em razão  deste exemplo e de muitas outras situações semelhantes que os jovens de hoje em dia possuem essa ilusão de indestrutibilidade, por terem pouca idade, acreditam que são indestrutíveis. Questionado sobre isso, Sidney elucida sobre essa “Síndrome de super-heróis”: “Quando somos crianças, não conseguimos associar a ideia por trás da morte. Quando entramos na adolescência, temos consciência do que ela é, porém é uma ideia muito distante. Isso, combinado com a liberação de hormônios (que não podem ser ignorados também) nos jovens gera a sensação de imortalidade”.

       Em entrevista à BBC News, o médico Matheus Alves de Lima, em um plantão recente de casos de covid-19 em UTI de hospitais de campanha no Distrito Federal, afirma que houve uma mudança no perfil dos pacientes. "Tivemos a morte de um paciente de apenas 25 anos, o que é muito chocante", explica à BBC News Brasil. Alves ainda relata outros casos como o de um paciente de 28 anos que não resistiu à extubação (processo de retirada da ventilação mecânica), precisou ser entubado novamente e fazer hemodiálise.

     

Jean Carlo Gorinchteyn, Secretário de Saúde do Estado de São Paulo - Foto: Governo de São Paulo
Jean Carlo Gorinchteyn, Secretário de Saúde do Estado de São Paulo - Foto: Governo de São Paulo

Em entrevista coletiva no dia 1° de março de 2021, o Secretário de Saúde do Estado de São Paulo, Jean Gorinchteyn, afirma que "a pandemia retornou com uma velocidade e uma característica clínica diferentes daquela da primeira onda". E continua, "São pacientes mais jovens, que têm a sua condição clínica muito mais comprometida e, pior, são pacientes que acabam permanecendo um período mais prolongado nas UTIs. Na primeira onda, tínhamos (nas UTIs paulistas) percentual de mais de 80% de idosos e portadores de doenças crônicas. O que temos visto hoje são pacientes mais jovens, 60% deles de 30 a 50 anos, muitos dos quais sem qualquer doença prévia."

      Muitas das pessoas contaminadas hoje utilizam desculpas como não estarem no grupo de risco, ou até mesmo por já terem contraído o vírus para se aglomerarem e não seguirem as normas de prevenção contra o covid. A maioria da população mundial já tomou alguma atitude considerada inconsequente, porém há um limite que está sendo seriamente ultrapassado, visto que são completamente diferentes a ida a um restaurante e a uma festa, por exemplo.

      A conscientização dos jovens quanto aos riscos da doença e a adoção das medidas sanitárias recomendadas pelos médicos são fundamentais para o controle da pandemia no Brasil, porém não é o que ocorre, uma vez que o percentual de pessoas que morrem sem atingirem os 60 anos de idade saltou 35% em relação ao ano passado, segundo dados fornecidos pela UOL com base nos números do portal da transparência da Arpen (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais).

(O nome da jovem entrevistada foi alterado para a preservação de sua identidade).

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