Pobreza menstrual nos presídios

"Eu acredito que isso tem que ser falado, ensinado, porque é só com discussão que podemos pensar em organizações comunitárias", afirma Victoria, diretora de mídias sociais do Absorvidas
por
Beatriz Loss, Fernanda Fernandes e Giovana Yamaki
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04/06/2021 - 12h

 

Projeto Absorvidas RJ
Projeto criado por jovens mulheres para exterminar a pobreza menstrual nos presídios do RJ

 

Fizemos uma entrevista com integrantes do projeto Absorvidas, do Rio de Janeiro, que é uma organização sem fins lucrativos que visa erradicar a pobreza menstrual nos presídios do Rio de Janeiro, levando educação menstrual e absorventes de pano. No ano passado, o projeto Absorvidas fez uma campanha de arrecadação na internet para doar dois mil absorventes de pano e educação menstrual para uma penitenciária no Rio. Elas conseguiram arrecadar 30 mil reais em 17 dias. As respostas são da Victoria Escalcon, diretora de mídias sociais do projeto.

AGEMT -  Como surgiu o projeto Absorvidas?

Absorvidas - O projeto surgiu a partir da Giullia Jaques, que é diretora executiva e uma das oito integrantes do projeto. Ela conta que teve essa ideia do Absorvidas por causa de uma palestra de uma ONG chamada X-runner, que fornece vasos sanitários, e ela falou que ficou muito mexida com uma fala deles. “O que você faz quando abre os olhos de manhã?”, eles perguntaram, e aí vieram as respostas como “vou ao banheiro”, “mexo no celular”, “me espreguiço” etc. E então eles perguntam “o que você faria se não tivesse um banheiro?” e foi aí que ela ficou comovida. A partir daí, a Giullia começou a refletir e então surgiu o questionamento: quem não tem acesso ao absorvente e como é que essas pessoas vivem?

Depois disso, houve bastante pesquisa, também através de livros como Prisioneiras, do Dráuzio Varella e Presos que Menstruam, da Nana Queiroz. E então o projeto surgiu em 2019. O Absorvidas é mais que um projeto para levar absorventes, primeiro porque nós temos uma pauta mais voltada a absorventes biodegradáveis, pensando nessa questão da ecologia e segundo porque a nossa meta a longo prazo é a ressocialização das presas, porque muitas delas, quando saem da cadeia, não conseguem empregos e ficam muito vulneráveis, e acabam voltando para a cadeia. Então, o Absorvidas faz com que as próprias presas aprendam a fazer os bioabsorventes, de pano, para vender. É muito mais do que oferecer auxílio, é oferecer também perspectiva dentro de um sistema em que as mulheres são marginalizadas e esquecidas.

AGEMT - Por que vocês decidiram estabelecer a meta de 30.000 reais na arrecadação?

A - Os 30 mil reais foi um valor pensado pelo custo da logística como, por exemplo, o frete, os bioabsorventes, embalagens etc. Foi tudo pensado direcionado para um presídio específico, para mulheres específicas.

AGEMT -  Você acha importante que a questão da pobreza menstrual seja ensinada para crianças (pré-adolescentes no início da vida menstrual)?

A - Sim, com certeza. Eu acredito que a pobreza menstrual tem que ser falada, ensinada, porque é só com discussão que podemos pensar em projetos. Sejam projetos governamentais ou um projeto como o nosso, que são apenas jovens tentando fazer a sua parte. Então eu acho muito importante e, quando penso nessa questão do ensino, acredito que não só falar sobre pobreza menstrual, mas também sobre educação menstrual. E não só isso, falar também de educação sexual. É chocante como não falamos com naturalidade sobre a nossa menstruação e estamos sempre coagidas com tudo. Isso é muito triste, porque é só a partir do diálogo que realmente haverá alguma mudança e não só o diálogo entre quem menstrua, mas entre os que não menstruam também.

 AGEMT -   Como a pobreza menstrual pode afetar também a questão econômica? (porque, por exemplo, muitas mulheres, quando estão menstruadas, não vão ao trabalho/aula por falta de absorvente)

A - Como vocês falaram, muitas mulheres que estão menstruadas muitas vezes não conseguem ir para o trabalho ou para a escola e também tem a questão da dor, da cólica, da TPM, que muitas vezes é desprezada. Lembro que eu gastava mais de 50 reais para comprar dois pacotes grandes [de absorventes descartáveis] e que às vezes não duravam nem dois ciclos inteiros porque meu fluxo é muito grande. E o que são 50 reais para uma família com várias pessoas que menstruam? A gente vive em um país que tem um monte de gente passando fome, como vamos pensar em métodos de menstruação com gente passando fome? Isso é bizarro, porque as pessoas ainda acham que higiene menstrual é um luxo, mas na verdade é só higiene básica. É muito triste.

AGEMT - Qual a importância do projeto de lei da 428/2020, da Tabata Amaral?

A - Eu acho bizarro como só em 2020 essa pauta foi levantada com mais força. Isso chega a ser ridículo, porque nós não começamos a menstruar agora. Preservativos sempre tiveram né [sempre foram disponibilizados pelo governo], e é muito importante continuar tendo mesmo, mas não ter sido implementado nada sobre absorventes antes é bizarro. Isso mostra a vulnerabilidade que mulheres e pessoas que menstruam, de modo geral, sofrem.

 AGEMT - Além do projeto de lei da 428/2020, da Tabata Amaral, existe algum outro movimento do governo para combater a falta de acesso a absorventes higiênicos?

A - Existiu um outro projeto da Luciana Genro, do PSOL, no Rio Grande do Sul, para que absorventes fossem colocados em cesta básica, e acho que no Rio e no Mato Grosso também. Mas, no Congresso, essa discussão nunca teve tanta força, acredito que esteja começando a ter nesse momento com a internet e os debates que são levantados lá.

 

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