Ensino a distância não chega a milhões de estudantes e prejudica aprendizado

Com aulas presenciais suspensas, professores e alunos têm dificuldade de manter os estudos em dia; falta de internet e computador são os principais obstáculos
por
João Magalhães
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26/06/2020 - 12h

O ensino a distância promovido por escolas brasileiras durante a pandemia do novo coronavírus tem sido questionado por alunos, professores e pais. A desigualdade no acesso à internet cria graves dificuldades para a educação remota, podendo inviabilizar o contato direito entre alunos e educadores.

Em levantamento feito pelo Comitê Gestor de Internet, se nota que ao menos 70 milhões de brasileiros têm acesso precário à rede ou nenhum acesso.

Mesmo nas famílias que acessam a internet há dificuldades: Sueli Leme, moradora da zona rural de São Bento do Sapucaí, SP, e mãe de dois alunos da rede municipal, conta que os filhos têm de partilhar um único aparelho celular, que é dela.

“A gente tem internet só pelos dados do meu celular. Mas em casa não pega bem, então eles foram para casa da minha filha mais velha, que é mais perto da cidade e tem sinal melhor.”

Para que seus filhos Joyce, 13, e João, 12, possam acompanhar as aulas, Leme teve de deixar o celular com eles. As atividades remotas, que tiveram início no começo de maio, são enviadas via WhatsApp, uma vez que a escola não conta com uma plataforma própria. Os alunos fazem as lições em um caderno, tiram foto e enviam para que os professores corrijam. Apenas educação física foi deixada de lado.

Alguns municípios optaram por antecipar as férias escolares de julho para o mês de abril, o que dividiu opiniões de professores. Alguns gostaram da medida, pois houve mais tempo para a organização e elaboração das aulas remotas. Outros, porém, ressaltaram que o direito a férias foi, no fundo, negado aos professores, que tiveram de trabalhar durante o mês.

 

Desigualdade

Assim que se deu início o isolamento social em São Paulo, o tradicional Colégio Santa Cruz, localizado na zona oeste da capital, migrou para a plataforma online.

“Mesmo antes da pandemia já havia atividades que eram feitas online, pelo portal da escola. Alguns professores já gravavam a resolução de exercícios de lição para que pudéssemos estudar em casa. Então a adaptação foi rápida.”, afirma Miguel Marquese, 17, aluno do colégio.

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Luiz Felipe (8) assistindo a uma aula remota. Foto: Luiz Cruz Costa

O Santa Cruz organizou também, para os alunos de Educação Infantil e Fundamental I, uma maneira para que as crianças possam interagir umas com as outras, para substituir o recreio. “Quando chega esse intervalo é uma confusão. As crianças escolhem grupos menores para poderem conversar, mas continua super caótico. Uma fala por cima da outra, fica uma gritaria.” Conta, rindo, Luiz Cruz Costa, pai de Luiz Felipe, 8.

 

Enquanto escolas privadas conseguiram rapidamente iniciar as aulas remotas, há munícipios em que ainda não houve uma decisão concreta do que fazer para haver a continuidade do ano letivo.

Silvia Pereira, coordenadora-executiva e fundadora do Instituto AvisaLá, que promove formação continuada para professores da rede pública, conta que essa é a situação de diversos municípios.

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Silvia Pereira. Foto: acervo pessoal

“Alguns professores agora estão se movimentando, por exemplo para colher o número de telefone dos pais, fazendo levantamentos de quantos têm acesso à internet para enfim iniciar algum tipo de ensino remoto. Mas isso está sendo feito de maneira muito demorada.”

Para Pereira, falta uma coordenação eficiente de estados e principalmente diretrizes vindas do Ministério da Educação que, sem planejamento na urgência, deixou as secretarias de educação sem orientação precisa nesta situação tão atípica. “Algumas secretarias estaduais assumiram as orientações e deram algum tipo de apoio. É verdade que ninguém estava preparado para uma situação como essa, mas a falta de liderança do Governo Federal é inacreditável.”

 

 

 

Um desafio que não é de hoje

A pandemia jogou luz na defasagem tecnológica que há na maior parte das escolas públicas brasileiras. A Base Nacional Curricular Comum (BNCC), documento que orienta os currículos de todas as escolas do país, públicas e privadas, é categórica em dizer que é preciso que os estudantes possam “Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos.”

Contudo, conforme explica a educadora e formadora de professores da Comunidade Educativa CEDAC, Ana Carolina Carvalho, embora prevista em um documento normativo, observamos que a tecnologia, visando à formação desses

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Ana Carolina Carvalho. Foto: Acervo pessoal

cidadãos que acessam conteúdos da rede ou sabem produzir conteúdos para a rede, expressando-se por meio das ferramentas disponíveis no mundo virtual não está realmente presente na escola.”

Para a educadora, essa não é um assunto deste momento de pandemia, simplesmente: “É uma questão que diz respeito a garantir igualdade de direitos a todos os estudantes do Brasil. É preciso que essas oportunidades e experiências sejam vividas na escola e fora dela.”

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