Aroeira: o cartum como resistência

Chargista que sofreu tentativa de censura pelo governo Bolsonaro, relembra seu começo de carreira e reflete sobre o momento atual brasileiro
por
Rafaela Reis Serra
|
07/04/2021 - 12h

A carreira de Renato Aroeira começa a partir da coluna esportiva ‘Cama de Gato’, escrita pelo pai no Jornal de Minas: “começou no nepotismo”, brinca. Ele afirma que seu aprendizado foi na oficina familiar, pois seu pai e avô eram pintores e parte da geração antecessora também era cartunista.

Antes de desenhar para o pai, Aroeira ilustrava os livros didáticos da mãe, pedagoga. “Comecei a ser cartunista trabalhando com educação, depois com cartum. O que de certa forma facilita para eu aceitar as críticas que recebi mais tarde como chargista (...).”

A respeito da transição do jornalismo esportivo para o político, Aroeira revela que o diretor geral do Jornal de Minas gostou dos desenhos feitos para a coluna esportiva e perguntou se ele gostaria de fazer charge política. “Havia uma tradição de charges políticas nos jornais, mesmo durante a ditadura. O diretor me perguntou se eu me interessava, já que não tinham chargistas na época e aceitei.”

Seu aprendizado de política ocorre no movimento estudantil e na construção da imprensa sindical. A partir desse momento, ele parou de simplesmente fazer uma charge política a partir das ideias dos comentaristas políticos do jornal e começou a entender o que realmente era política.

Sua concepção de humor foi sendo lapidada com o tempo. Ele passou a complicar mais a charge do que a simplificar, mesmo que a ela perca inteligibilidade. Para ele, é melhor explicar um pouco mais do que cometer um equívoco. “Você deve ter a preocupação de ser preciso no que você está dizendo.”

 

renato aroeira
Renato Aroeira em seu estúdio. Imagem: Reprodução


Sobre a tentativa de censura pelo Ministro da Justiça do governo Bolsonaro, André Mendonça, sua reação foi de incredulidade. “Pânico, não tinha nem advogado. Depois, dez advogados se colocaram a disposição. Eu percebi que já existe uma rede de solidariedade funcionando no Brasil há um bom tempo, para não deixarem as vítimas desse tipo de arbitrariedade completamente desprotegidas.”

A reação no mundo dos cartunistas foi imediata. “O Duke propôs para a Pirralha (coletivo de cartunistas) a ideia de fazer a
Charge Continuada, já que a charge (original) chamava-se ‘Crime Continuado’, quando Bolsonaro propôs a invasão de hospitais.” Seu cartum foi replicado por mais de setenta cartunistas, por meio de releituras e recebeu o prêmio destaque Vladimir Herzog Continuado, junto a mais 109 artistas que aderiram à causa.

O cartum em questão consiste no símbolo da cruz vermelha, porém rabiscado pelo presidente Jair Bolsonaro e formando a ideia da suástica, símbolo nazista.

charge aroeira
Charge Crime Continuado, alvo do governo federal. Imagem: Reprodução/Instagram


No momento atual, Aroeira confessa que após os episódios de processos contra suas obras, sente medo o tempo todo. “Sinto mais medo agora do que na outra ditadura. Na outra [ditadura] havia um plano, esse pessoal [de agora] sai improvisando. Mas percebo que estou mais seguro, porque existe uma rede de proteção. (...) Até parei de anunciar meus shows. Eu sou músico e deixo só pra quem sabe, ir assistir.”

Torcedor do Botafogo e com carreira iniciada no mundo futebolístico, não aprecia esse universo como antes. “O 7x1 matou alguma coisa dentro de mim. Eu olho o futebol hoje e só dói, não consigo gostar como gostava antes. O meu amor por ele acabou. Meu amor foi assassinado com sete golpes naquela Copa fatídica, que além de tudo, representou o começo do golpe.”, em referência ao jogo Brasil contra a Alemanha, na Copa do Mundo de 2016, sediada no Brasil, mesmo ano do impeachment da Presidenta Dilma Rousseff.

 

*Imagem de capa: Charge em alusão ao pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro do dia 23 de março. Imagem: Reprodução/Twitter

Tags: