Lançado em 2022, o livro Infocracia analisa as relações sociais e democráticas da era da tecnologia. Byung-Chul Han une em sua obra aspectos da política digital, da sociedade e da maneira em que a própria informação é manipulada nesse momento. Em cinco partes, o autor consegue analisar e descrever as questões em torno de cada situação em que as redes sociais e a tecnologia incidem na liberdade e na capacidade de gerir informações. “O sujeito submisso do regime de informação não é nem dócil, nem obediente. Ao contrário, supõe-se livre, autêntico e criativo. Produz-se e se performa”, enfatiza o autor. No primeiro capítulo, Han faz uma análise profunda da maneira como a sociedade começou a lidar com a liberdade. O mundo sempre viveu momentos de lutas constantes por liberdade, e finalmente na era da internet, ele “alcançou”. Pelo menos, é o que se parece.
Mas, a liberdade que as redes sociais costumam propagar faz parte de um modelo diferente. O autor compara o regime de informação com o regime disciplinar de Foucault, em que a sociedade não teria liberdade de se livrar da vigia. Mas, na sociedade da informação essa vigilância se desfaz em redes abertas, ou seja, nas redes sociais. A visibilidade é produzida então, pela conexão e não mais pelo isolamento.
A tecnologia funciona através de bases de dados, assim como as redes sociais, o que se torna uma grande ironia. A sensação de liberdade que se tem ao usar a internet, gera dados e só aumenta mais a vigilância. “Nos regimes de informação, as pessoas não se sentem, além disso, vigiadas, mas livres. Paradoxalmente, é o sentimento de liberdade que assegura a dominação. [...] A dominação se faz no momento em que liberdade e vigilância coincidem.”
Os influenciadores são hoje, o maior exemplo dessa dominação digital que Han frisa. Eles são adorados, tem fãs como se fossem donos de verdades e de identidades que todos gostariam de ter. A autenticidade no capitalismo moderno não existe mais. Todos querem ter a roupa de fulano, o mesmo cabelo de ciclano e a vida de beltrano, mas ainda sim, acreditam que isso é liberdade. Outra questão que pode ser relacionada com essa análise é a das recompensas digitais. Os usuários das redes anseiam por recompensas e por isso continuam alimentando sua necessidade. Por exemplo, quando uma foto é publicada no Instagram o usuário costuma receber likes por ela e assim, continua publicando para receber cada vez mais likes e seguidores. Mas por que esse tipo de recompensa só funciona na vida digital?
É simples. Ninguém é 100% verdadeiro no ambiente digital, os usuários mostram o que querem que seus seguidores vejam e achem que são na vida real. E talvez por decepção ou por não querer se decepcionar, criam a vida “perfeita” em um ambiente que não é nada verdadeiro. E assim, criam uma era do egoísmo, do ego inflado e da individualidade. No capítulo “O fim da ação comunicativa”, Han ainda problematiza essa questão da autopropaganda. “Levam igualmente a perda de empatia. Hoje, cada um presta homenagem ao culto de si mesmo. Cada um performa e se produz”. Ele usa o termo “tribos digitais”, para caracterizar esses grupos que criam uma falsa noção de identidade e liberdade e os espalham nas redes.
Mas tudo isso está atrelado a facilidade de criar e de espalhar as informações. Há uma crise da verdade quando toda e qualquer informação pode ser divulgada e assim, hoje, ela já chega nas pessoas com o pré conceito de desconfiança fundamental, termo que Han usa para explicar.
E não dá para esquecer que a crise da verdade é uma crise da sociedade. Ela gera diversos conflitos em uma democracia e acaba impedindo que seja feita da maneira correta e como tudo no cenário atual, se torna uma mercadoria. Como o autor explica, estamos presos em uma caverna digital, com muitas informações, mas sem verdade ou interpretação do que acontece. Tudo vira fútil no mundo digital e o que foi criado para facilitar e conectar pessoas, está individualizando e separando-as. Parece que na internet não há mais tempo para conversas sinceras ou exposições de verdades nuas e cruas. Quem se mostra realmente, é martirizado, leva uma enxurrada de comentários negativos que são frutos da toxicidade cultivada nos ambientes virtuais.
Isso deixa cada vez mais claro que a sociedade virtual quer continuar mantendo a mentira, a falsa vida e a falsa felicidade, porque se não existe na vida real, pode ser forjada em um ambiente que aceita esse tipo de “falsa liberdade”. Mas talvez, ainda falte pouco tempo para que as pessoas percebam que a liberdade das redes não é real, ela se esconde atrás de dados e informações roubadas de cada usuário e cada personalidade, que acaba sendo perdida no mundo real.
A digitalização cada vez mais intensa vivida nos dias atuais está presente em todas as esferas da vida e ajudou a inaugurar o capitalismo da informação, uma nova era em que são usados algoritmos por grandes empresas e companhias através de bases de dados; o importante é trabalhar através dos conceitos de informação. Essa interferência digital, que no início era tratada por muitos como algo meramente restrito ao ambiente virtual, tomou proporções enormes e atualmente já atinge o mundo off-line com consequências perigosas na política e nos processos de relacionamento dentro de uma sociedade.
No livro ‘Infocracia: Digitalização e a Crise da Democracia’ (Ed. Vozes, 2022), o autor e filósofo sul-coreano Byung-Chul Han traz como tema central a tese de que a maioria dos aspectos da digitalização vivida nos tempos de hoje ao redor do mundo ameaçam em muito as democracias como sistema político dominante no planeta. Han estudou Filosofia na Universidade de Friburgo e Teologia em Munique e escreveu diversas obras a respeito das relações entre as sociedades contemporâneas e o trabalho, as novas tecnologias, as dinâmicas sociais e o poder na era da pós-modernidade.
Percebe-se que o autor trata a questão da imersão digital relacionada aos problemas do sistema capitalista com uma visão extremamente pessimista e negativa. Inclusive, Han traz argumentos para rebater autores que encaram o tema com mais positividade, com teses como a de que a acessibilidade à internet pode conectar os cidadãos globais em favor de uma sociedade mais unida e eficiente.
O autor diz que tanto o conceito de inserção global quanto a imaginada formação de um coletivo consciente não passam de uma ilusão dos sonhadores. Na realidade, o que mais se enxergaria é a divisão de usuários em ‘enxames digitais’ que se comportam de maneiras radicais e promovem a organização de grupos em bolhas, quase impossibilitando o cruzamento de informações e opiniões distintas.
Quando essas informações de fato são apresentadas a grupos virtuais fechados, elas são rapidamente rebatidas com narrativas decoradas ou são simplesmente ignoradas. Isso se dá devido ao domínio da subjetividade na digitalização: fake news, chamadas sensacionalistas e frases ou falas retiradas de contexto motivam essa ruptura de um determinado grupo com uma grande parcela da sociedade que está ‘do outro lado’.
Esse comportamento é facilmente enxergado nos dias de hoje em grupos de Facebook ou WhatsApp, especialmente em épocas turbulentas da sociedade como períodos eleitorais ou debates sobre novas leis. Nos comentários de notícias, reportagens e até mesmo colunas opinativas, o que se vê são comentários odiosos, falácias repetidas quase que de maneira robótica e muito pouco de fato acrescentado ao debate. Outro ponto de crítica do autor é em relação a propagação de conteúdos cada vez mais rápidos e fragmentados; a atenção é dispersa e o foco é retirado por uma quantidade imensa de informações que chegam de todos os lados sem serem desenvolvidas da maneira adequada; o cérebro humano se habilita a receber muito conteúdo, mas não a interpretá-lo e parar para entendê-lo. A paciência de ler sobre algum determinado assunto por mais de um minuto já não se faz presente.
Esse fato é facilmente exemplificado pela ascensão do TikTok, aplicativo de vídeos curtos e sucintos que, muitas vezes, tenta resumir um assunto extremamente complexo a uma opinião de minutos ou até mesmo segundos. Filmes também são recortados e exibidos em forma de trechos no aplicativo, e o usuário sente que sabe de tudo quando, na verdade, não sabe muito sobre nada. O autor compara a época atual com as críticas feitas na época do domínio da televisão. Han reforça que, apesar da TV criar conflitos midiáticos e resumir muitos assuntos complexos a exposições visuais, ela não produzia notícias ou discursos confusos e falsos e não exercia tantas técnicas de dominação do espectador.
A grande manobra dos produtores e coletores digitais é passar uma falsa sensação de liberdade ao usuário, que se parar para se atentar vai perceber que não consegue mais sobreviver sem esse ciclo de informações e interações digitais. ‘Infocracia: Digitalização e a Crise da Democracia’ traz um alerta forte sobre as possibilidades bem perigosas que a digitalização e a imersão virtual da maneira que estão sendo feitas podem trazer para a humanidade em futuros a curto, médio e longo prazo. Muitas das estruturas que sustentam a base do sistema democrático podem estar em xeque com essa supervalorização do capitalismo de informação; os usuários devem tomar cuidado com o conteúdo que acessam, compartilham e replicam nas redes, além de buscar se informar e debater por outras plataformas e em bolhas diferentes da sua.
O livro “Infocracia: Digitalização e a crise da democracia” foi escrito por Byung-Chul Han em 2022 (Ed. Vozes), o livro complementa outra obra do ator, “sociedade do cansaço”. Em ambos os livros, o ensaísta analisa a digitalização que vivemos hoje, sendo ela uma ameaça para a democracia, o principal argumento desenvolvido é de que esta digitalização rápida e cada vez mais intensa estaria criando diversas novidades, entre elas a nova era do capitalismo, o capitalismo da informação e da vigilância. Comparado à obra de Pierre Lévy, em que prega o aprimoramento da democracia pela pela inteligência coletiva, pois os feedbacks seriam imediatos e a melhorariam o coletivo, Han é pessimista, diz que seria uma grande ilusão, já que a internet potencializa fanáticos, abrindo a própria cultura do cancelamento atual, e como as redes levaram extremismos novamente, como por exemplo nas eleições argentinas de 2023, esses fanáticos seriam como gados de representantes políticos, sem poder de decisão e de discernimento, transformando grupos desses fanáticos em bolhas.
Han vence o “debate” com Levy sobre esta questão, pois o francês idealiza uma realidade utópica, diferente do sul-coreano .Ele também argumenta e traz a obra a obsessão pelo entretenimento na sociedade atual e como nos tornamos escravos das telas, vivendo em uma própria teatrocracia, isso abrange e aproxima a outras obras, como “1984” de George Orwell. O autor nos instiga com a questão de sermos observados e vigiados a todo momento nas redes, e de como isso a afeta por fora, no offline, destacando eleições e manipulações políticas, usou Donald Trump, “o presidente tuiteiro” como exemplo a essa sociedade da informação. A grande busca por informações rápidas transforma a sociedade imediatista, e a fragmenta com o excesso de informações, e nesse meio as fake news ganham força, já que o discernimento não é influenciado, além de que estas notícias falsas podem ser confortantes para certas bolhas políticas, não existindo a busca pela verdade exata, apenas para a “sua” verdade, com sensacionalismo e distorções, as verdadeiras e sem grandiosidades sensacionalistas são renegadas.
Estas bolhas muitas vezes são controladas pelos próprios mentirosos, em que divulgam essas mentiras e teorias da conspiração, estes grupos criam identidades para quem as participa, como por exemplo o bolsonarismo, sair dessas bolhas machuca, pois o pertencimento e a afirmação constante é confortante, por isso para a maioria não faz sentido buscar a verdade. O autor sul-coreano acerta ao mostrar a forma em que a sociedade está sendo conduzida, de forma passiva e sem perceber, e também ao citar a embriaguez por informações, principalmente as que não nos afetam mais, por serem tão frequentes. Sobre a vigilância e dados da população, o filósofo mantém sua coerência, porém explora áreas parecidas com de outras obras literárias, um buraco que poderia ser preenchido.
Han cita e concorda com Orwell, autor de "1984", na questão das teletelas e controle da sociedade, mas discorda de ser de um “grande irmão”, deixando mais em questão das grandes corporações nos controlarem, sendo que o estado tem um poder muito forte em sua sociedade, ele determina de forma mais extrema de que será desta sociedade, sendo o governo um grande potencializador do controle de informação, como no livro distópico.
Para um contraponto a essas ideias, recomendamos os livros do já citado Pierre Lévy, sendo eles: “cibercultura”, “ciberdemocracia” e “o que é o virtual?”. Mas para quem quer entrar mais afundo sobre o que Han diz, recomendamos “sociedade do cansaço” e “psicopolitica: neoliberalismo e as novas técnicas de poder”. O autor é filósofo e ensaísta sul-coreano, tem como destaque os livros: “Sociedade do Cansaço” e “Agonia do Eros”. O coreano também é professor da Universidade de Artes de Berlim, o filósofo se inspira em Michael Foucalt. Ele se formou na Universidade de Freiburg em filosofia e em teologia na Universidade de Munique.
O livro ‘’Como Sair das Bolhas?’’ de Pollyana Ferrari começa sendo apresentado por Martha Gabriel, formada em Engenharia Civil pela Unicamp, pós-graduada em Comunicação de Marketing pela ESPM-SP e professora de pós-graduação na PUC-SP do TIDD (Tecnologias da Inteligência e Design Digital). Ela inicia falando sobre o ser humano e sua relação com a tecnologia, e, lista os desafios que implicam a velocidade com que se propaga as informações. Além, de introduzir os conceitos de fake news e pós-verdade. O prefácio é feito por Lúcia Santaella, formada em Letras Português/Inglês, professora titular no programa de pós-graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP, que aborda sobre como somos invadidos diariamente por notícias e informações falsas através das redes sociais, como por exemplo, o Facebook. Para embasar a sua análise, cita alguns teóricos, sendo um deles Sigmund Freud quando fala sobre a bondade inata do homem e que isso parece até uma miragem nos dias de hoje. Atribui a notabilidade da expressão pós-verdade após a vitória de Donald Trump na eleição americana de 2016 e do plebiscito do Brexit, no Reino Unido, no mesmo ano.
Além disso, menciona os três fatores que fomentam a indústria de fake news - que são, respectivamente: o ambiente de alta polarização política, a descentralização da informação pelos meios de comunicação independentes e o ceticismo generalizado entre as pessoas em relação às instituições democráticas, com os principais alvos sendo os governos, partidos e veículos de mídia tradicional. Santaella classifica esta obra de Ferrari como ‘’um verdadeiro manifesto contra a leviandade ingênua ou deliberada das crenças e dos compartilhamentos às cegas.’’
O manuscrito possui doze capítulos, no total, e a cada seção, a autora escolheu colocar uma frase ou um excerto dito por um escritor, com exceção do primeiro. Pollyana abre o livro contando um pouco sobre sua vida pessoal e compartilha sua visão espiritual com os leitores, cita o poder da meditação e destaca a importância de se viver o presente. No mundo agitado em que vivemos, muitas vezes nos encontramos escravizados pela correria diária e pela dependência dos nossos dispositivos móveis. Isso nos leva a realizar múltiplas tarefas simultaneamente, resultando na perda da conexão conosco mesmos e no esquecimento de apreciar o momento presente e a profundidade do silêncio.
Ela explica, também, que vivemos em uma bolha, e isso significa que, às vezes, não percebemos que estamos dentro dela, portanto, não buscamos formas de sair. É algo que já se tornou intrínseco e automatizado em nós, mas basta repararmos se só frequentamos os mesmos estabelecimentos, se só ouvimos o mesmo gênero musical, entre outros comportamentos limitadores, que devemos evitar ceder à zona de conforto imposta por essas ‘'bolhas’’. A escritora relata que este livro foi feito a partir dos oito passos do Shastra Abhidharma Mahavibhasha em mente, e enfatiza a influência dos ensinamentos de Buda e da filosofia védica para a construção desta obra.
Aponta as ferramentas necessárias para identificarmos se a notícia é falsa ou verdadeira, apresenta algumas agências de fact-checking (checagem de fatos) como a Lupa, a primeira no Brasil, uma empresa privada patrocinada pelo Instituto Moreira Salles. Aos Fatos, que teve seu surgimento por meio de investimento próprio dos fundadores, sendo suas três fontes de financiamento: as parcerias editoriais, as contribuições da iniciativa privada e de organizações da sociedade civil e apoio de leitores e de financiamento coletivo (crowdfunding). Preto no Branco, primeiro blog de checagem de fatos do Brasil, criado com o objetivo de testar o grau de veracidade dos políticos durante as campanhas eleitorais, possui classificação própria para dar suas notícias e usa termos como: falso, ainda é cedo para dizer, insustentável, verdadeiro, mas…; contraditório e exagerado. Chequeado, site pioneiro da América Latina dedicado à verificação do discurso, está entre as dez primeiras organizações do mundo, é comandado por uma jornalista, advogada e professora chamada Laura Zommer, especializada em direito à informação pública, e mantém-se com um plano de negócios diversificado, obtém sua fonte de renda por meio de indicações de particulares, colaborações com empresas na realização de eventos e parcerias internacionais.
A autora cita o Instituto Poynter, líder mundial em jornalismo, e o código elaborado por eles a ser compartilhado por meio da Rede Internacional de Fact-Checking (IFCN), que vem sendo adotado por diversos veículos e contém cinco itens, que são: 1) Compromisso de apartidarismo e equidade, 2) Compromisso pela transparência das fontes, 3) Compromisso pela transparência de financiamento e organização, 4) Compromisso com transparência de métodos, 5) Compromisso com correções francas e amplas. Este código é usado desde 2017 pelo Facebook para filtrar informações. Ademais, a rede social incluiu o item fake news no menu para denúncias.
Ao longo de sua reflexão, Ferrari explora algumas concepções para abordar a questão da credibilidade das informações publicadas. Ela sugere que, com a volta dos jornais por meio de assinaturas, os leitores passarão a valorizar mais a veracidade das notícias e procurarão fontes que ofereçam serviços de checagem. Ela observa, também, que as notícias falsas se espalham de forma rápida devido à intervenção dos algoritmos e dos bots (robôs). Além do mais, Ferrari aponta que os jornalistas também têm uma parcela de responsabilidade na disseminação das notícias falsas, já que na busca pela primazia na divulgação das informações, a devida apuração dos fatos muitas vezes é negligenciada, resultando em possíveis notícias que não são verdadeiras por completo.
Declara, que a tecnologia não é a vilã da história, basta sabermos como utilizá-la da melhor forma possível, usufruindo de todas as ferramentas que ela nos oferece, para assim, domá-la ao nosso favor. Visto que, até mesmo os empresários e CEOs das grandes empresas de big techs da Califórnia não matriculam seus filhos em escolas que têm acesso livre a internet, muito pelo contrário, suas escolhas são pautadas nas que proíbem o porte e o acesso a dispositivos eletrônicos.
Por fim, nos propõe refletir quanto a dependência que a sociedade adquiriu em ser aceita a todo custo, um exemplo disso, é a foto lotada de filtros e efeitos que são capazes de nos transformar em outra pessoa - o famoso efeito degradante do ‘’Photoshop’’.
Para fundamentar a sua análise, referencia o filósofo polonês Zygmunt Bauman, quando aborda a questão de que vivemos em uma sociedade onde tudo é efêmero, o que sobrecarrega nosso cérebro diante da avalanche de conteúdo a que somos expostos a cada minuto por meio de nossos dispositivos. Contudo, não podemos embasar a nossa felicidade em coisas que não fazem parte da nossa realidade e em padrões inalcançáveis.
A partir do avanço da informação e do estímulo que desenvolvemos para recebermos novidades a cada segundo, nos tornamos ‘’reféns’’ dessa sociedade capitalista de consumo, e sempre quando compramos algo novo, imediatamente já estamos desejando o próximo item. O fato é que nos tornamos seres insaciáveis.
A digitalização do mundo pode ser explicada por uma sequência de fatores que conectam a comunicação no meio virtual com as formas democráticas impostas pelos algoritmos da era digital. Em seu livro Infocracia: digitalização e a crise da democracia, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han explica a transformação do “regime disciplinar”, que tratava-se da exploração de corpos e energias e assume uma forma maquinal, em “regime de informação”, na qual o controle incide sobre informações e dados. Segundo Han, o poder não é mais decorrente dos meios de produção, mas do acesso à informação: “acesso a dados utilizados para vigilância, controle e prognóstico de comportamento psicopolíticos”.
O smartphone é a principal arma da dominação do regime de informação, ocultada na medida em que se funde com o cotidiano. Simples ações do dia a dia como acionar um comando para assistente virtual, acessar um aplicativo inteligente ou até mesmo fazer uma publicação em uma mídia social são exemplos que evidenciam a existência de um regime dominante exercido pelo capitalismo da informação. A criação do like, por exemplo, nas redes sociais é justamente uma técnica do poder do regime de informação. Essa sensação de receber curtidas em publicações funcionam como “estímulos positivos” controladores de comportamento que exploram a liberdade dos usuários. Quem nunca viu uma pessoa que faz literalmente de tudo, muitas vezes de forma inconsciente, para conseguir milhares de likes nas redes sociais? Para Han, “no regime da informação, ser livre não significa agir, mas clicar, curtir e postar”.
E nessa onda de estímulos positivos que entra o papel dos influenciadores digitais nos dias de hoje. Seja no YouTube ou Instagram, seja influenciador fitness, de beleza ou de viagem, é feita uma auto-encenação com produtos enviados por marcas com o intuito de formar um exército de followers, os seguidores, que passam a se comportar de acordo com uma vida baseada em um cotidiano encenado. Byung-Chul Han entende que os influencers são adorados como modelos. Os produtos de consumo se transformam em objetos de autorrealização e a identidade funciona como uma mercadoria. Quem nunca comprou ou chegou perto de comprar um produto simplesmente por status? A Apple é um exemplo disso. Nos últimos anos, as próprias crianças cresceram com a ideia de que ter um iPhone era a solução para popularidade e aceitação em uma sociedade capitalista. Ter um dispositivo com a famosa maçã se transformou em um dos principais símbolos de status do mundo atual. Para o autor de “Infocracia”, toda mudança decisiva de mídia produz um novo regime, já que “mídia é dominação”.
Além disso, há também o entendimento de que o mundo se tornou uma sociedade paliativa, em que desejos e necessidades são automaticamente satisfeitos. Nesta realidade, os novos meios de dominação são baseados no entretenimento, no divertimento e, sem sombra de dúvidas, no consumo. Tendo o smartphone como meio de submissão, as pessoas não só consomem, como também produzem informações, rendendo-se à chamada embriaguez de comunicação. Han acredita que na era das mídias digitais, “a esfera pública discursiva não é ameaçada por formatos de entretenimento nas mídias de massa, não pelo infoentretenimento, mas sobretudo pela propagação e proliferação viral de informações, a saber, pela infodemia”.
Exatamente nesta realidade de “guerra de informações”, a verdade acaba se desintegrando em meio à instabilidade temporal, o curto-prazo em que as informações circulam -- o que não traz nenhum benefício à democracia. A racionalidade é outro ponto importante. Na sociedade da informação, não há tempo para a ação racional, logo, informações com maior potencial de estimular acabam sobressaindo diante das que apresentam melhores argumentos. Atualmente, o X, antigo Twitter, é a principal rede social em que as fake news, notícias falsas, recebem mais atenção e engajamento do que artigos fundamentados. Quem nunca caiu em uma fake news pelo alto número de curtidas e compartilhamentos de uma publicação?
A própria acessibilidade simples à internet atua como um facilitador da propagação de notícias falsas, visto que, com pouco esforço e sem custos, praticamente qualquer pessoa pode criar uma conta no X ou um canal no YouTube -- diferentemente da era das mídias de massa, em que para produzir uma informação eram necessários diversos recursos e, consequentemente, maiores investimentos. O filósofo também acredita que a comunicação baseada nos famosos memes como contaminação viral “dificulta o discurso racional ao mobilizar, mais do que nada, afetos”. Isso pode ser explicado pela preferência dos usuários por conteúdos visuais ao invés de textuais nas mídias, à medida em que imagens são mais rápidas que textos, mas sequer argumentam ou fundamentam.
Han explica que essa propagação viral de informações, que busca engajamento e não argumentação, prejudica o processo democrático, visto que fundamentações não cabem em memes e tuites que circulam rapidamente. É possível afirmar, portanto, que a digitalização do mundo criou um fenômeno considerado praticamente irreversível: a verdade foi ultrapassada num piscar de olhos pelas informações.