“Voz da Unidade surge para ser expressão e veículo de uma corrente de pensamento, cuja linha de ação está orientada para ajudar a classe operária e todas as forças democráticas do país a conseguirem que a solução dos problemas políticos, econômicos e sociais que afligem a nação se dê em benefício das grandes massas do nosso povo, rompendo com os privilégios dos monopólios, banqueiros e latifundiários. E buscará contribuir para que esta classe operária, e com ela a maioria do povo brasileiro, amadureça para a compreensão de que o socialismo é capaz de oferecer soluções definitivas para seus problemas fundamentais.”
Foi assim que o jornal Voz da Unidade descreveu seu objetivo em sua primeira edição, publicada em 30 de março de 1980. Ao custo de 20 cruzeiros, o periódico chega às bancas de São Paulo publicado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), no contexto da abertura democrática e fim da censura aos meios de comunicação, o jornal pôde ser publicado legalmente, porém a própria existência do partido que o fazia ainda era proibida.
Depois de sobreviver aos anos de repressão no âmbito clandestino, o PCB buscava voltar à tona, participando do debate referente a abertura política do Brasil e tentando atrair novos filiados e seguidores. O nome foi escolhido pelos diretores do partido para representar algo que foi oprimido por muito tempo na história do país, e só naquele momento podia voltar ao debate público: a voz dos comunistas. Não só a deles como também dos socialistas e marxistas em geral, o que gerou a parte da unidade.
A história do Voz se confunde com a do PCB enquanto sua organização e produção. No começo, com a volta dos exilados políticos, houve um embate de ideias entre os chamados Eurocomunistas e o Centro Pragmático. O Eurocomunismo era uma corrente que propunha a superação do leninismo e o avanço do socialismo por vias democráticas, sem uma quebra total com o capitalismo. Já o centro do partido era composto por marxista-leninistas mais tradicionais.
Em entrevista, a bibliotecária e Mestre em Memória Social, Andréa Côrtes Torres afirma que era um período de mudança e discussão dentro do PCB:
“Com a volta ao Brasil dos exilados políticos, houve as primeiras emoções de otimismo, inclusive dirigentes do PCB que também retornaram ao país. Entretanto, veio à tona publicamente as diferenças e embates entre os integrantes do Comitê Central. A questão era quanto aos novos passos políticos que o Partido deveria dar no processo em curso, ou seja, na saída dos militares do governo. Giocondo Dias defendeu a unidade de todas as forças de oposição na conquista da democracia, iniciando a campanha pela legalização do Partido. Discordando de Prestes, Armênio Guedes não acreditava que a passagem ao regime socialista no Brasil se faria por luta armada, pois isto, na opinião dele, resultaria num socialismo de tipo autoritário e não democrático.”
Durante seus primeiros anos de publicação, o Voz da Unidade era redigido pela ala considerada renovadora do partido. Assim, a ideia era ser amplo e mais democrático, já que o PCB era historicamente visto na opinião pública como totalitário.
“Esse jeito novo de caminhar era considerado, pela ala renovadora do Partido composta pelos eurocomunistas, como um movimento de restauração e de renovação para a construção não só de um partido de massas, democrático e nacional, plenamente autônomo, mas igualmente de um partido laico, ou seja, independente da influência do modelo soviético e de fundamentos filosóficos e obrigatórios, adequando os princípios marxistas às condições do mundo atual entre as nações, que se constituíam em diálogo e negociação.” Diz Andéa.
O jornal contava com diferentes editorias, buscando trazer o posicionamento do partido em diversos âmbitos da sociedade. Não só, porém, apresentando seus ideais como unicamente verdadeiros, mas também buscava dialogar com outras áreas da sociedade, que não aqueles já adeptos ao partido.
“Com a abertura política, o Partido, por meio do Voz da Unidade, desejava ingressar com tudo na vida política do país, trazendo em suas colunas questões nacionais, internacionais, políticas e sociais. Suas seções eram distribuídas em: cartas, política, sindicalismo, economia, educação, internacional, cultura, questões da mulher cidadã e esportes. Gildo Marçal Brandão, primeiro editor-chefe do jornal, enfatizou que o PCB, após anos sem ‘voz’, deveria reconquistar a sua legalidade, com influência real e decisiva na totalidade da vida política brasileira, abarcando tanto os do campo quanto os da metrópole.” Afirma a bibliotecária.
O jornal aprofundava-se principalmente em assuntos relacionados ao comunismo na prática. Por exemplo, na seção de educação a luta pelo ensino básico e superior gratuito de qualidade, além de noticiar eventos de movimentos estudantis. No caderno internacional falava-se do socialismo e comunismo em outros países como Cuba e, já em declínio, União Soviética. No âmbito da cultura, discutiam livros, peças e filmes que traziam reflexão sobre a realidade no capitalismo. Por último, no esporte, não se falava apenas do futebol objetivamente, mas buscava refletir em como as questões políticas recaiam também dentro de campo.
Um pouco mais tarde, já em 1981, houve uma mudança no Conselho Editorial do Voz. Escolheu-se que os eurocomunistas não podiam representar o partido, visto que eles eram minoria e até considerados pelos mais tradicionais como uma ala que desestabilizava a imagem da legenda.
O periódico continuou assim até o fim da sua existência em 1991. Sendo também afetados pelo cenário político internacional da queda do Muro de Berlim, o desmanche da União Soviética, as guerras nos Bálcãs e o fim da Guerra Fria, o PCB decidiu que precisava seguir novos rumos. Novamente em crise, o partido convocou nesse mesmo ano, o seu IX Congresso, nele se discutiu que estavam pouco inseridos nas lutas sindicais, sendo superados pelo jovem Partido dos Trabalhadores (PT), que surgiu com o sindicato dos metalúrgicos. Também o desempenho ruim nas eleições e foi constatado uma ineficiência do Voz da Unidade como instrumento partidário, esse que já não era mais legitimado pela militância.
Apesar de existir durante um momento de muita turbulência no PCB, o Voz foi seu veículo de comunicação principal dentro de uma época de muito movimento político no Brasil, entre a abertura da ditadura militar para a democracia, as diretas já, e finalmente a legalidade que o partido tanto buscou durante quase 50 anos de luta.